Bernardo Mendia: “Não se vislumbra que Portugal possa ter excesso de investimento direto estrangeiro da China ou de qualquer outro país.”

Marta Roque

Entrevista a Bernardo Mendia, Secretário-Geral da Câmara de Comércio Portugal- China

Foram as empresas chinesas “que mais valorizaram as empresas nacionais, perante o risco de bancarrota nacional entre 2010 e 2015, com valores 40% acima de mercado, tendo investido no país quando mais precisávamos”, comenta Bernardo Mendia, Secretário-Geral da Câmara de Comércio de Portugal e China ao blog Estado com Arte.

“É evidente que não é do nosso interesse viver sem investimento direto estrangeiro, como aconteceu historicamente com alguns países que se isolaram e cujos efeitos são conhecidos,”  diz o responsavel da Câmara de Comércio Portugal-China sobre as recentes declarações de António Costa ao jornal Público de que “podemos viver sem investimento chinês.”

Bernardo Mendia conhece bem o meio empresarial de Hong Kong onde já teve duas vezes em 2023, a seu ver é uma cidade “muito resiliente, extremamente favorável aos negócios, com uma política fiscal muito estável e baixa, transparente nos procedimentos administrativos e com políticas de atração de talento e incentivo aos negócios muito dinâmicas.”

Como é que vê o investimento chinês em Portugal? 

O investimento chinês em Portugal concentra-se sobretudo nos anos 2010 a 2015, na sequência da profunda crise financeira que se viveu no país e que quase nos levou à bancarrota. Na altura, o país recorreu ao Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu, que concederam um empréstimo que permitiu a Portugal honrar os seus compromissos internacionais e escapar a um cenário idêntico ao verificado na Grécia. Como contrapartida, os referidos credores determinaram várias condições para garantia da devolução do empréstimo, nomeadamente a privatização de várias empresas nacionais. Nessa sequência, Portugal foi aos mercados internacionais procurar investimento direto estrangeiro (IDE), nomeadamente para vender capital social das referidas empresas nacionais. Por feliz coincidência, as autoridades chinesas estavam precisamente a atravessar um período de incentivo às suas empresas para investirem fora do país e crescerem internacionalmente. Por outro lado, o risco percecionado de Portugal na Europa e Estados Unidos não permitiu que as empresas oriundas desses países estivessem disponíveis para ir além de valores de mercado. Embora o efetivo risco de bancarrota nacional, foram as empresas chinesas que valorizaram mais as empresas nacionais, nomeadamente com valores 40% acima de mercado, tendo investido no país quando mais precisávamos. Desde essa altura, o investimento e as circunstâncias alteraram-se bastante, quer do lado português, quer do lado chinês. Ainda assim, Portugal continua a ser um país que necessita e compete internacionalmente com outros países pelo IDE, de todas as origens e sem discriminar o país.

Há um excesso deste investimento da China? 

Não se vislumbra que Portugal possa ter excesso de IDE da China ou de qualquer outro país. O desafio reside sim em nos apresentarmos junto da concorrência, de outros países, com argumentos mais fortes, nomeadamente uma política fiscal estável, processos administrativos transparentes e suficiência de recursos humanos qualificados.

Dados do Banco de Portugal, referentes a 2022, mostram que a China mantém o estatuto de quinto maior investidor na economia portuguesa. Em entrevista recente ao Público, o primeiro-ministro disse que “podemos viver” sem investimento chinês. Concorda? 

Podemos viver sem qualquer investimento estrangeiro, com a diferença de que seremos bastante mais pobres. Ou seja, é evidente que não é do nosso interesse viver sem IDE, como aconteceu historicamente com alguns países que se isolaram e cujos efeitos são conhecidos. O nosso interesse é sim colocar as grandes potências a concorrerem entre si para investirem em Portugal, no sentido de valorizar os nossos activos. Hoje já não procuramos vender empresas, mas sim obter investimentos na criação de fábricas, novas indústrias, pesquisa e desenvolvimento de produtos, reabilitação das cidades, desenvolvimento da capacidade turística.

De que forma o apoio da China à Rússia, na questão da Guerra da Ucrânia, está a impactar nas relações comerciais entre Portugal e China? 

Os efeitos não são comerciais, ou seja, não afectou as relações de compras e vendas de bens ou serviços entre os dois países.

Hong Kong já voltou à dinâmica de negócios do tempo pré pandemia?

Sim, Hong Kong abriu uns meses antes da China, que só viria a abrir na segunda semana de janeiro de 2023. Levava, portanto, um pouco de avanço. Ainda assim, existe um caminho a percorrer até Hong Kong voltar à normalidade da segunda década do século XXI. No entanto, HK é muito resiliente, extremamente favorável aos negócios, com uma política fiscal muito estável e baixa, transparente nos procedimentos administrativos e com políticas de atração de talento e incentivo aos negócios muito dinâmicas. Trata-se de fatores que, juntamente com a proximidade à China continental, tornam o regresso de HK inevitável e apenas uma questão de tempo. Acresce que durante todo o período das limitações pandémicas, HK desenvolveu infraestruturas que tornam a cidade ainda mais competitiva, nomeadamente uma nova pista no aeroporto, duplicação da capacidade de carga, um novo distrito dedicado à arte e cultura, um novo estádio multifuncional, novos acessos à China continental, tudo isto enquanto a cidade esteve literalmente fechada. Tive oportunidade de ter estado em HK já duas vezes em 2023 e outras tantas nos dois anos anteriores, pelo que, tudo isto, visitei e verifiquei pessoalmente.

A guerra na Ucrânia e a inflação tem afetado as exportações para Macau e China?

Realmente, como referi relativamente à China, também para Macau não se verificou qualquer alteração nas relações comerciais.

Seja Apoiante

O Estado com Arte Magazine é uma publicação on-line que vive do apoio dos seus leitores. Se gostou deste artigo dê o seu donativo aqui:

PT50 0035 0183 0005 6967 3007 2

Partilhar

Talvez goste de..

Apoie o Jornalismo Independente

Pelo rigor e verdade Jornalistica