Como grande comunicador que é, e um homem de narrativas, como se considera, o Papa Francisco procura sempre acrescentar mais uma camada de simbolismo àquilo que diz e que faz. Nesse sentido, é interessante analisar o mapa da sua próxima viagem a Portugal, ou, como o próprio afirmou, do Vigário de Pedro.
O primeiro dia é o que se assemelha mais a uma viagem de Estado, acolhendo concentradamente as várias camadas de obrigações protocolares. É provável que dos discursos e homílias fique em terra lusa uma leitura harmoniosa – e incisiva – de caminhos a trilhar face aos grandes desafios da sociedade portuguesa: desigualdades, coesão, envelhecimento, justiça intergeracional, abusos, migrações, relações com os demais países de língua portuguesa, eventualmente a Europa e o risco da sua “caducidade”, com o “desgaste” da natalidade e a fragilização na promoção ativa dos valores democráticos e do desenvolvimento humano integral.
O tema do papel que os vários países têm na cena mundial é importante na sua visão multilateral das relações internacionais, e no caso de Portugal, tanto do ponto de vista político e económico, como cultural e religioso, pode merecer a atenção do Papa, uma vez que se trata de um país de tamanho médio e geografia complexa, mas que se tem esforçado, com algum sucesso, por uma influência cada vez mais ampla, tanto pela via diplomática como pela presença nas organizações internacionais e nos recursos colocados em mostrar na montra global algo mais do que futebol, quando novas gerações de cineastas, atores, músicos, artistas plásticos e escritores são cada vez mais reconhecidas, sem esquecer os cientistas e as redes internacionais que integram.
Para o Papa também é significativo que tudo isto aconteça com o apoio da sociedade civil e sem uma perda evidente da matriz cultural portuguesa.
Do ponto de vista religioso, Portugal também pode ser importante no contexto europeu no sentido em que, face a uma indiferença religiosa cada vez mais marcante nos países tradicionalmente católicos, continua a afirmar um catolicismo abrangente.
Este último, que não parece agradar nem a investigadores nem a hierarquias, tem bastantes probabilidades de ser reconhecido pelo Papa, que manifesta encontrar no ardor popular, e nas suas limitações, a voz mística de um Povo e uma sabedoria ancestral, generosa e límpida, capaz de colaborar na regeneração das sociedades e da Igreja.
No segundo dia começa realmente a Jornada Mundial da Juventude: com a visita à Universidade Católica Portuguesa, vai deixar uma pedra angular para o futuro. Este é um Papa que começou a sua vida na ciência, que a compreende e a promove, sofisticando-lhe o método e as finalidades, desejando que ajude a combater a ideologização das “soluções” sem contribuir para a desumanização materialista a que a cultura ocidental se tem entregue afincadamente.
É também um professor e um reitor que aprecia o diálogo entre as ciências e as artes e que insiste na necessidade de se reconhecer tanto o contributo da vanguarda científica quanto o da poética, capaz não só de ver o invisível, mas de o explicar: esta visita está, também, ligada ao seu projeto educativo global, para o qual foi chamar um homem da “casa”, o Cardeal Tolentino de Mendonça.
Precisamente pela “esperança ativa” que o Papa encontra na escola e na educação, deslocar-se-à, de seguida, a Cascais, para visitar um projeto local que segue as suas coordenadas para a construção de um pacto global tendo em vista uma sociedade mais justa e eficaz. É provável que as melhores fotos do Papa sejam tomadas aqui, pois raramente se vê uma figura pública tão à vontade e tão feliz no encontro com crianças.
Estas sentem-se habitualmente atraídas pelo incentivo que Francisco oferece àquela liberdade espontânea que está reservada aos corações limpos e sem filtros, e essas imagens são catequeses sólidas e potentes.
E, no seu terceiro dia entre nós, o Papa fará aquilo que os Papas da Jornada têm feito: mostrar um verdadeiro exemplo de Nova Evangelização. O Papa visitará, pois, o Centro Paroquial da Serafina, dispensando estatísticas e a “fantasia dos organogramas” e provavelmente, fazendo a sua mais incisiva intervenção política, a partir do seu lugar favorito, as margens.
No seu penúltimo dia entre nós – e é absolutamente improvável que o Papa Francisco volte a viajar para Portugal – a despedida começa com um momento relevante de reconhecimento mútuo e paz: na Capelinha das Aparições do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, o altar do mundo que a fé simples dos portugueses construiu a partir do sacrifício de três crianças, o Papa rezará o Terço com os jovens doentes.
Também por aqui o Papa já passou, não só por ter podido compreender em primeira pessoa o que significa aquela extraordinária presença da Senhora, mas porque a sua juventude também foi marcada – e transformada – pela doença, dramaticamente trocando-lhe as voltas colocou-o no caminho que Deus imaginou e o traria de Buenos Aires não só a Roma, mas ao Mundo.
Finalmente, o mapa de Francisco tem uma paragem importante para a Igreja portuguesa e a sociedade que deve servir: como é habitual, o Papa, que parece em Casa em qualquer lugar, encontrar-se-á, antes de partir rumo ao Vaticano, com os jesuítas que trabalham em Portugal.
Certamente poderemos apreciar esse diálogo através de La Civilità Catttolica, o mais eficiente porta-voz deste pontificado. E contamos que o Papa fique a conhecer, ainda melhor, a realidade da Igreja em Portugal, de modo que as suas próximas decisões honrem e ajudem esta que é, de Cristo, Terra de Santa Maria, na maneira acolhedora, moderada e inclusiva com que evoluiu a tradição religiosa portuguesa, tão rica em ADN e viagens ao redor do globo.


