Crónica. A “minha” JMJ23Lisboa

Fátima Fonseca, Professora de Línguas

Era impossível ficar indiferente! Não sou jovem,  já não consigo ‘ levantar-me apressadamente…’ , mas era impossível ficar parada…por isso, levantei- me  e pus-me a caminho… como pude!

Queria ver e ouvir o Papa,  aproveitar dos seus ensinamentos, porque me sinto profundamente tocada pela entrega, dedicação e resiliência deste nosso Papa de 86 anos, debilitado por duas operações recentes e com um só pulmão.

Ele é alguém que nos cativa com a sua simplicidade e humildade, o seu desejo de estar próximo  de todos nós,  e o seu discurso misericordioso e inclusivo, que  transmite bondade, esperança e uma imensa fé em Deus! E quer tocar os corações de todos – ele dirigia – se em especial aos novos, sim, mas no fundo, também a quem se sente velho e desanimado!- para nos ensinar três coisas:  resplandecer a Luz de Cristo, escutar a Sua Voz e sem medo dar testemunho da nossa fé !

Sou uma idosa (sim, uma velha de 73 anos), mas apesar de se tratar de uma Jornada Mundial da Juventude, desde o início acreditei que a vinda do Papa Francisco, no maior evento jamais realizado em Portugal, não podia deixar ninguém indiferente! Não podia virar as costas, sair de Lisboa, ou fechar- me em casa a queixar- me, com receio desta ‘invasão’ que inevitavelmente traria perturbação à nossa rotina…

Pus- me a caminho! E não me arrependi! Aqui e ali já se viam muitos grupos de jovens com suas camisolas garridas, cantando e caminhando com suas bandeiras, vindos de países longínquos. Comecei por visitar no convento da Graça, a exposição das Irmãs Missionárias da Caridade, sobre a Madre Teresa de Calcutá, no domingo, dia 30 julho. Levei comigo uma das minhas mais antigas alunas do colégio Mira Rio, agora com uns 57 anos, ou perto disso, uma ‘miúda ‘ ainda hoje, solitária, sobretudo depois da morte da mãe, mas muito amparada pelos seus amigos do  Caminho Neo-Catecumenal. Gostámos muitíssimo! E  ali encontrámos gente conhecida e muitas religiosas, vindas de diferentes cidades, todas com rostos felizes!

No dia seguinte, segunda-feira, 31 julho, era a chegada dos nossos peregrinos. Reinava a expectativa! Muitos, provavelmente, como nós, tinham procurado preparar e congelar  comidas  com alguma antecedência e encher a despensa…Soubemos, uns dias antes,  que os nossos afinal não eram polacos, nem alemães, mas seriam de Taiwan.

Depois de uma razoável espera no meio de uma multidão de alegres asiáticos e não só, enquanto os voluntários no interior da sala de apoio  iam dando o seu melhor e em grande azáfama andavam de volta das listas de nomes do computador, cá fora no pátio da Igreja de N. Sra de Fátima,  ao som de músicas alegres e conhecidas, alguns jovens, apesar do cansaço de longas horas de voo, dançavam e treinavam suas coreografias; nós, famílias de acolhimento, íamos chegando entretanto , perguntando pelos nossos peregrinos e esperando…olhávamo-nos bem dispostos, conversávamos, e eles e nós, velhos e jovens , sorriamos todos uns para os outros com alguma curiosidade!

‘Por favor’,  dizia uma Sra. a uma voluntária portuguesa,  ‘não se esqueçam do meu pedido…dêem-me gente jovem, porque meus filhos são muito novos e foi difícil convencê -los a recebermos peregrinos…’.

A nós, por fim,  surpresa das surpresas!,  coube -nos , não três padres naturais de Taiwan , como nos tinham dito, mas apenas um, o chefe de um grupo de 25… por isso tivemos de esperar até ao fim, e já lusco- fusco, em vez de um asiático, franzino, pequenino de olhos em bico, coube-nos  um africano da República do Congo, cheio de bagagem, um homem de cor diferente, forte e grande, falando mandarim, francês e inglês, missionário há mais de 20 anos em Taiwan, responsável por três paróquias  nas montanhas em redor de Taipé.

Foi muito bom tê – lo em nossa casa! Sempre simples, humilde, discreto, alegre, respeitador, bem-disposto, preocupado com seu ‘rebanho’, sempre com fome, e foi muito bom rezar com ele a todas as refeições e à saída pela manhã, com seu panamá branco na cabeça e sua mochila às costas, empunhando  uma bandeirinha de Taiwan… como foi bom acolher o padre Sebastian!

Entretanto, terça-feira, dia 1 agosto, iniciava- se a JMJ na Colina do Encontro (um nome feliz para o parque Eduardo VII), com uma Missa celebrada pelo nosso Cardeal Patriarca, D. Manuel Clemente. Como parte dos nossos sete filhos e filhas eram voluntários, combinámos ir a pé, meu marido e eu, com um genro e quatro crianças pequenas, duas a pé e duas no carrinho. Foi lindo ver aqueles grupos enormes de jovens, de diferentes cores e nacionalidades, a cantar, entusiasmados, descendo pelas avenidas, sem causar distúrbios…era o nosso primeiro banho de multidão, mas uma multidão pacífica e alegre, que não se manifestava contra nada, nem ninguém!

Foi também o meu primeiro choque…descobri que  estou mais velha do que julgava! Apesar da ajuda preciosa de uma sobrinha, que nos caiu dos céus e em boa hora nos quis acompanhar, dei conta que ir da nossa casa até ao Marquês de Pombal e depois subir até meio do Parque e regressar a pé  no final da Missa, era superior às minhas forças! o espelho bem me prova como o tempo passa, mas o interior não se vê ao espelho. Decididamente, percebi que não poderia repetir.

Nos três dias seguintes, pude contudo,  participar nas Missas que os sul- coreanos celebravam aqui na nossa Paróquia de N. Sra de Fátima, após as suas catequeses ‘Rise up’! E foi uma emoção enorme… uma lição exemplar! a nossa igreja sempre cheia a transbordar de gente jovem, com as suas cores nas T- shirts coreanas, uma alegria que transbordava nas suas orações, nos belos cânticos que todos cantavam acompanhados de alguma coreografia, assim como nas respostas risonhas e em coro às interpelações dos bispos celebrantes. Um silêncio de devoção e atenção focada na Consagração, uma disciplina e ordem na ida à Comunhão por filas de bancos,  um respeito pelas pessoas mais velhas, levantando-se para dar lugar a nós portugueses mais velhos, ou vindo buscar- nos com um sorriso para nos darem a mão, como que em roda, durante a oração do Pai- Nosso. O altar -mor cheio de bispos e numerosos padres nos bancos.

Confesso que fiz amizade com vários sul-coreanos, simplesmente por abanar com meu leque um jovem encostado a um canto e uma jovem sentada a meu lado, ambos visivelmente aflitos com o calor. No final, ele, que era padre e eu não sabia ,ofereceu-me uma T -shirt da Coreia e ela, uma bolsinha com uma dezena! Tirámos fotos e nos dois dias seguintes voltámos a estar perto uns dos outros e a trocar mais presentes.

Pude também, noutras alturas, ir à nossa igreja e observar o respeito de tantos e tantos jovens de joelhos, venerando as relíquias de S. João Paulo II e do jovem Beato Frassati, assim como em adoração ao Santíssimo.

Não resisto a partilhar uma peripécia engraçada, num destes dias, regressando a casa, depois de uma das Missas dos sul-coreanos, suada e afogueada, de cabelo despenteado, descalcei os sapatos, enfiei um avental e fui para a cozinha fazer o almoço. De repente, tocam à porta. Corri, espreitei pelo óculo e vi porta aberta da casa do meu filho e vizinho de patamar. Abro a porta e encontro  uma jovem, minha vizinha de cima, que me diz assim:’ Tia, desculpe, mas encontrei este padre perdido. Será o ‘seu’ padre?’

Envergonhada pelo meu aspeto e o inesperado da situação, logo me apercebi pela forma de vestir que tinha ali um bispo à porta e não tinha a sala em ordem para o mandar entrar sequer, acabei por perceber que procurava um prédio vizinho, em concreto, a casa de uns amigos,  disse que o levaria lá de imediato,  pedi com licença, corri à cozinha, deixei comida ao lume, tirei o avental, calcei os sapatos, dei uma penteadela rápida, e entrámos no elevador. Perguntei- lhe, um tanto atrapalhada,  como o deveria tratar, pois não lido com bispos habitualmente, muito menos em inglês, e ele com um grande sorriso e  genuína simplicidade, respondeu- me:’ call me just Anthony!’(chame- me apenas António!). E lá o deixei à porta da sua família de acolhimento!

Entre as centenas de eventos importantes, como excelentes conferências de que me falaram, muito ficou por ver e ouvir, mas com uma amiga e meu marido, nestes dias,  ainda pudemos visitar a Cidade da Alegria, em Belém! Ali pudemos sentir a alegria contagiosa de uma multidão de gente nova, a sua animação, visitar a feira das vocações e ver as filas para a Confissão – um verdadeiro sacramento da Alegria! –  e deixar- me maravilhar mais uma vez por aquela onda de juventude alegre, saudável,  e partilhando uma mesma fé em línguas tão diferentes!

De tudo o resto que aconteceu ao longo destes dias, não pude participar muito mais, a não ser  no intervalo do cuidado dos netos mais pequenos- vendo pela televisão, vídeos e fotos recebidas,  e lendo um pouco das mensagens e textos do Papa que me têm enviado.

Com alguns destes netos mais crescidinhos, ou sozinha, ainda  me foi possível ir esperar a passagem do Papa em várias ruas, perto da Nunciatura, e acenar- lhe com nossos chapéus, para lhe agradecermos: Obrigada, querido Papa Francisco!

Agora é tempo de rever as imagens que não vi, de rezar e ler as mensagens e discursos do Papa para os reter e interiorizar… é tempo de contar a todos os que não deram conta, ou se ausentaram da cidade, tudo o que de extraordinário aqui aconteceu durante esta semana! E é tempo sobretudo, de dar muitas ações  de graças a Deus por todas as maravilhas que Ele operou e vai continuar a operar nos corações destes milhares de jovens, e pelos milhares de voluntários que com sua imensa generosidade tornaram possível a realização desta JMJ em Lisboa.

À Virgem Maria confiamos, agradecidos, a vida do Papa, o presente e o futuro da Igreja,  os bons frutos apostólicos desta JMJ em Lisboa e da próxima em Seul, na Coreia do Sul!

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