Robocop: metade homem, metade robot, polícia total

Bernardo Simões de Almeida

Foi em julho de 1987 que Robocop estreou nos cinemas americanos chegando à Europa em meados de outubro.

Esta ficção-científica, distópica e futurista foi realizada por Paul Verhoeven, escrita por Edward Neumeier e Michael Miner e protagonizada por Peter Weller.

Weller não foi a primeira escolha para este papel que curiosamente lhe foi atribuído mais pelo facto de ser alto e magro e assim caber no fato, do que ser um actor famoso. Weller era ainda um desconhecido do grande público americano e europeu, tinha apenas participado em Buckaroo Banzai ao lado de nomes mais sonantes que o seu como Christopher Lloyd, John Lithgow ou Jeff Goldblum.

Verhoeven foi também um realizador reluctante. Alegadamente, só aceitou fazer o filme após insistência da sua mulher que tinha lido o guião e pediu-lhe que reconsiderasse a sua recusa inicial.

Escolhida para interpretar o papel de parceira de Weller, Nancy Allen, era já uma cara conhecida do grande ecrã, depois das duas colaborações com o realizador Brian de Palma em filmes como Blow Out e Dressed to Kill. Ainda assim não deixava de ser uma estreia neste tipo de papel.

O mesmo se pode dizer de Ronny Cox e Kurtwood Smith, os dois vilões deste filme. Apesar disso, Cox no papel de Dick Jones e Smith no papel de Clarence Boddicker conseguem uma interpretação tão boa que (mais no caso de Smith) que ficaram imortalizados por este filme.

Robocop é um filme sobre o capitalismo e ganância. Naturalmente, o elemento futurista de um robot dificulta estas leituras e sem grande análise, parece tratar-se de um filme de acção e não mais que isso.

No entanto, ao rever alguns aspectos do enredo, conseguir-se-á chegar a estas ideias de capitalismo ganancioso.

Um dos pontos de partida do filme é a privatização da polícia por parte da OCP, empresa contratada pela cidade de Detroit para “limpar” a cidade e construir uma outra.

Existem várias reuniões à volta de uma mesa típica de administração, bem como a pressão exercida por parte de um chefe, neste caso, Dick Jones, quer para resultados, quer para o silêncio corporativo dos subalternos que apenas concordam com tudo com medo de perderem o lugar na escada corporativa.

Por outro lado, temos a personagem de Bob Morton, interpretada por Miguel Ferrer. Jovem e ambicioso, Morton simboliza a ganância da subida empresarial remetendo Jones para um lugar “dinausórico”, numa luta animal pela hegemonia.  Há uma cena que ilustra bem este subtema, que é o encontro destas personagens na casa-de-banho, o puxão de cabelo a Morton e a reação deste a Jones.

Como sabemos, Morton morre às mãos (e armas) de Boddicker, que é enviado por Jones, elevando a ganância ao nível da eliminação (literal) da concorrência interna. Estabelecida fica também a ligação entre o elemento criminal das ruas e o símbolo do capitalismo, ou seja, a relação entre Boddicker e Jones, e assim é feita a associação entre os crimes de colarinho branco e o homicídio.

Robocop tem, no entanto, outros temas interessantes anexados à personagem principal, como seja o conflito entre a máquina e o homem e também a religião. Primeiramente Murphy.

Murphy é um polícia que vem de fora do conflito entre a polícia e a OCP. Apanhado no meio deste conflito, Murphy é assassinado e “ressuscitado” sob forma de uma (aparente) máquina.

Sendo uma máquina, Murphy desaparece e é substituído por circuitos, precisão e obediência. Porém, o conflito entre o robot e o lado humano aparece-lhe primeiramente em sonhos que se tornam em memórias que gradualmente vão transformando o robot novamente em Murphy, culminando na sua própria resposta já no fim do filme quando lhe perguntam o nome.

Este conflito gradual representa o ponto de partida maquinal e subserviente ao capitalismo por parte de Robocop, que paulatinamente vai desobedecendo às suas directivas e assim liberta-se do controlo quando finalmente “encontra-se” e deixa de ser um mero robot às ordens de criminosos, para se tornar dono do seu destino e das suas escolhas.

No que toca ao tema da religião, efectivamente existe uma morte e uma ressurreição e ainda na cena onde Boddicker morre vê-se Murphy a andar sobre a água, o que é uma clara referência messiânica. Como figura religiosa Robocop assume o papel de salvador do bem ao eliminar as duas faces do crime que assim salva a cidade de Detroit da ganância, do capitalismo galopante e do elemento criminoso.

Recorde-se também o significado do papel de Nancy Allen no papel de Lewis. Ela não apenas um mero sidekick de Murphy. Se tomarmos em conta o seu corte de cabelo, a falta de maquilhagem, e por outro lado a sua determinação e as várias cenas de acção que tem, então Lewis (até o nome sugere força masculina) é o espelho de Murphy e um símbolo de paridade. Esta proximidade é mais visível numa cena específica, quando Lewis deduz que o robot é o seu antigo parceiro e chama-o pelo nome. Há uma justaposição das caras das duas personagens de onde se retira esta narrativa.

Robocop atingiu a cultura popular e ganhou um lugar nas efemérides do cinema dos anos 80. Teve ainda duas sequelas bom menos sucesso, a última das quais já sem Peter Weller. Houve ainda uma série de televisão que apenas teve uma temporada, vários jogos de computador e consolas e já um remake em 2014 que não obteve grande sucesso.

Robocop pertence a um nicho de filmes de uma década que teve êxitos como Blue Thunder, WarGames, Automan, filmes e séries que fizeram uso das transformações tecnológicas de então e as transportaram para os écrans, para o gaudio de nós todos que pertencemos a essas gerações.

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