Foi a 10 de Outubro de 2003 que estreou nos cinemas americanos, aquele que era então o quarto filme do realizador americano, Quentin Tarantino.
Sob o nome de Kill Bill, este sucesso de cinemático e financeiro, foi fruto de uma colaboração entre Tarantino e a sua musa da altura, Uma Thurman, que é também a protagonista desta duologia, que originalmente era para ser um filme só.
Por detrás de todo este sucesso está a homenagem a outros filmes, actores e realizadores que captaram o imaginário de Tarantino. O seu génio está na mescla entre géneros, cortes de edição, cenas de acção, cores, e a sua tradição de narrativa não linear.
No entanto, aquilo que faz tudo isto funcionar é simplicidade de história uma vingança veiculada como justiça, com universos e passados ricos em sub-histórias que aprofundam todas as personagens à volta da protagonista, Beatrix Kiddo, nome de assassina, Black Bamba.
Membro original da Deadly Viper Assassination Squad, Kiddo, acorda 4 anos depois de um longo coma e lança-se à procura daqueles que a atraiçoaram e lhe tiraram a filha, e só este pormenor é o suficiente para a remeter para o papel de vingadora justa.
É também neste caminho rumo ao vilão final que começam as mesclas de homenagens que “fazem” o filme. Há duas cenas que são paradigmáticas e demonstram os dois lados de Tarantino, o de cineasta e o de fã de cinema.
Porém as referências começam antes sequer do filme começar, logo na frase inicial que é uma menção a Khan de um filme pertencente à saga de Star Trek. A divisão do filme em capítulos, é outra referência, esta recorrente, ao filme ao filme japonês “Lady Snowblood”.
O primeiro objecto de destaque é a indumentária escolhida para vestir a protagonista. O fato amarelo é uma cópia fiel a um fato utilizado por um dos actores mais homenageados ao longo destes dois filmes, Bruce Lee no filme, Game of Death, uma história também ela de vingança.
Quanto às cenas a destacar, a primeira é quando Kiddo inicia a matança e dirige-se à casa da sua primeira vitima, Vernita Green, nome de assassina, Copperhead. O enorme zoom entre as caras das personagens é uma menção do filme “Death Rides a Horse”.
O som não diegético (sons que só existem em uma instância narrativa, mas que os personagens não podem escutar, sendo esses de conhecimento somente do público) de alarme que aparece nesse momento é ele também uma referência, desta vez a uma série de televisão de nome “Ironside.
De seguida, num estilo muito ao género de Tarantino a luta pára e é interrompida pela presença da filha de Copperhead. Por um lado, a pausa e os diálogos são uma marca do realizador americano, mas a censura ao audio no meio dos diálogos é uma homenagem ao realizador Jean-Luc Goddard e a filmes como “Made in USA”. Ficam bem patentes as paixões de Tarantino, por Kung Fu, Western e filmes europeus.
A segunda cena que merece maior destaque é aquela onde a nossa protagonista enfrenta um exercito de espadachins para chegar ao duelo com a nemsis deste primeiro filme, O-Ren Ishi, nome de assassina, Cottonmouth, interpretada pela actriz Lucy Liu.
Cottonmouth é uma referência ao universo da Marvel, em particular ao grupo Serpent Society, cuja semelhança com Deadly Viper, é óbvia. Recorde-se que este nome, Cottonmouth é também utilizado na série da Netflix deste mesmo universo da Marvel, Luke Cage.
No seu estilo habitual de cortar a continuidade, Tarantino vai buscar a animação do género japonês Manga para contar a origem desta personagem e embora haja um retorno ao passado, este é feito para aumentar a força de opostos entre Kiddo e Ishi e intensificar o duelo final.
Chegamos à cena mais importante deste volume 1. A chegada da protagonista ao quartel onde encontra os “Crazy 88” e depois ao confronto com a antagonista. Mais uma vez há uma referência a “Death Rides a Horse” mas desta vez à trilha sonora criada pelo mestre compositor do género “spaggueti western” Ennio Morricone.
Sucedem-se várias mortes cheias de sangue a jorrar, que pelo o seu exagero, trazem um certo elemento cómico ainda que extremamente violento.
No entanto, são mais uma referência a filmes japoneses, nomeadamente Lady Snowblood, entre outros.
As máscaras utilizadas pelos “soldados” são identicas à máscara da personagem de Bruce Lee na série americana “The Green Hornet”, e o sangue a escorrer dos olhos de uma das adversárias é uma menção do filme “City of the Living Dead”.
Bruce Lee é novamente homenageado na cena em que Kiddo parece estar encurralada e num movimento de espada faz com todos os “soldados” se assustem. O filme “Fist of Fury” tem uma cena identica onde Lee levanta subitamente o braço.
Outro filme homenageado em Kill Bill Vol I e II é “Five Fingers of Death”. Nesse filme o protagonista retira os olhos dos seus adversários com um movimento rápido de mão. Este movimento também acontece nesta cena de confronto com os soldados e em Kill Bill 2, quando Kiddo retira um olho a mais uma das suas nemsis.
Tarantino faz também uso de um grito conhecido como o “Wilhelm Scream” de 1951, som este utilizado em inúmeros filmes e séries de televisão americanos. A sequência de luta com as sombras sobre um fundo azul é uma referência ao flme japonês “Samurai Warrior”.
O duelo final é mais uma homenagem a “Lady Snowblood” desde a indumentária de Ishi, aos passos finais antes de morrer, o sangue no chão e até a música, que é cantada pela protagonista do filme original de 1973.
São mais de cinquenta referências e homenagens, umas mais subtis que outras, como por exemplo o “split screen”, uma técnica já utilizada por realizadores como Brian De Palma.
Uma coisa é certa, Tarantino tem o mérito de saber misturar filmes e géneros e criar um estilo próprio que se pode chamar cinema de autor, ainda que seja um cineasta tanto amado como é odiado.
Kill Bill foi um sucesso que rendeu mais 180 milhões de doláres. E o resto é história.