Foi pela vinda da pandemia que, de repente, o mundo acordou para aquilo que todos os profissionais do sector da saúde mental já sabiam: a saúde mental é importante. Nós somos importantes e sem a nossa mente sã, nada que valha a pena chamar-se de algo, valerá a pena.
Como estará a saúde da mente enquanto aceitamos o esgotamento?
Celebrou-se este mês de outubro o Dia Mundial da Saúde mental, uma comemoração iniciada em 1992 pela Federação Mundial para Saúde Mental que a cada ano lhe dá um tema específico. Este ano o mote é que a saúde mental é um direito humano universal.
Claramente é um mote, para já, com pouco ou nenhum resultado. Servirá, quando muito para ilustrar o que é preciso fazer para que de facto a saúde mental seja levada a sério.
Na classe jornalística, onde que eu me enquadro, e de acordo com o relatório preliminar do Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Jornalistas em Portugal, realizado pelo Observatório às Condições de Vida e Trabalho, 48% dos jornalistas inquiridos estão à beira de experienciar ou já experienciaram um esgotamento.
Uma vez que vivemos de léxicos modais, parece, por vezes, que a palavra esgotamento não é o suficiente para meter os alertas cá fora, e de facto fazer alguma coisa. Já a palavra Burnout parece granjear mais marketing de atenção.
Porém, o que isto na realidade grita a todos os céus é a gigante necessidade da inversão de paradigma. O esgotamento e o Burnout, ou seja, o ultrapassar dos limites das capacidades que o corpo e mente têm para a labuta a troco de salário, rumo à produtividade a todo o custo, é uma forma de estar que não pode continuar independentemente do contexto.
Foi pela vinda da pandemia que de repente o mundo acordou para aquilo que todos os profissionais do sector da saúde mental já sabiam: a saúde mental é importante. Nós somos importantes e sem a nossa mente sã, nada que valha a pena chamar-se de algo, valerá a pena.
Falei acima dos jornalistas, como posso virar a atenção para os professores, os bombeiros, os polícias, os estudantes e porque não até os políticos que também têm uma profissão desgastante.
No entanto, apesar de reconhecer esse desgaste, há qualquer coisa que se perdeu, pelo menos para já, nos vários milhões de euros que foram alocados para as políticas públicas sobre saúde mental.
Todos os tostões que até agora foram gastos estão no lado da consequência, ou seja, nenhum está na prevenção. É preciso parar um pouco para perceber o que isso representa. O velho paradigma continua em vigor.
Se tomarmos o esgotamento como uma batuta geral, parece evidente que as políticas públicas actuam quando o sujeito está já esgotado. O esgotamento não é problema temporário que se resolve de forma robótica e rápida. A melhor forma de o minorar ou mitigar é criar as condições para que não aconteça.
A nível profissional, eu pergunto quantas serão as empresas e sectores que estão a implementar políticas próprias para criar os dois resultados de exigência mínima. A prevenção do Burnout e a valorização do empregado, tudo na mesma mescla saborosa e motivacional.
Quantas serão as universidades que têm programas e departamentos dedicados à saúde mental dos estudantes, quais as esquadras que acolhem os problemas mentais dos seus polícias?
Se eu tivesse forma de ter percentagens reais sobre o que é falado no marketing modal da saúde mental onde as cabeças falantes anuem e o que de facto é feito e implementado, penso que ainda não há adro porque a procissão ainda não se juntou para a caminhada.
Sei que estas palavras parecerão duras, mas o que é duro é dar cabo de nós a trabalhar para não viver. O resto é uma conversa de café que eu não estou interessado em ouvir ou interagir.
Há uma conversa de café que eu gostaria de um dia ter participação, que é a vulgar pergunta do “então o que é que tens feito?” responder-se outra coisa que não o trabalho ou a profissão que naquele momento nos ocupa tanto espaço, que nos esquecemos de ser pessoas.


