O direito de voto é como um músculo que se não for exercitado enfraquece. E quando são vários os votantes que decidem não votar o que enfraquece não é apenas uma voz, ou um músculo, mas é o tecido inteiro de uma sociedade. E quanto mais fraco estiver um organismo, quanto mais em baixo estiverem as suas resistências cívicas, mais depressa se instalam organismos oportunistas e infeciosos, e mais fácil se torna destruir uma democracia.
Votar é um direito fundamental que nem todos têm e que temos que valorizar. A possibilidade de nos manifestarmos através do voto livre e universal previsto na Constituição portuguesa não existe em todos os países, e em muitos outros países sofre importantes restrições e condicionamentos.
Há países como a Somália e a Arábia Saudita que não têm eleições, há países em que o voto não é universal, e noutros ainda o voto é manipulado e os eleitores são defraudados de muitas e variadas formas (processos de contagem fraudulentos, manipulação dos media, candidatos únicos). Mesmo os Estados Unidos que têm um processo eleitoral bastante diferente do nosso, mas que é apesar de tudo um processo livre, sujeitam os eleitores ao cumprimento de um dever de registo prévio com prazos, a que fica sujeito o exercício do direito de voto (exceto na Dakota do Norte).
O direito de voto é um direito frágil como são frágeis a liberdade e a democracia. A democracia e a liberdade, e o direito a ir às urnas, parecem ser aquisições definitivas, dados civilizacionais adquiridos, sobretudo para as gerações mais novas que nunca se confrontaram com outra realidade, o que permite que não lhes atribuam o devido valor. No entanto, se fizermos recuar o relógio até ao ano de 1900, o mapa mundi revela uma realidade bastante negra no que diz respeito ao direito ao voto.
Os países, designadamente europeus, que já reconheciam o direito a votar, só o atribuíam aos homens (e em muitos desses países não votavam sequer todos os homens, mas apenas os proprietários, aqueles que cumpriam determinados critérios de literacia, ou que eram livres), e o voto das mulheres só foi reconhecido sem restrições no nosso país em 1974 depois de muitos avanços e recuos na luta por esse reconhecimento.
Por outro lado, e se fizermos correr agora o relógio em direção ao futuro, convém lembrar que infelizmente os ponteiros da história não correm sempre no bom sentido e por vezes andam mesmo para trás, como nos lembra a infeliz situação dos direitos das mulheres no Irão, pelo que convém prezar os direitos que temos, e em particular o direito ao voto, cujo exercício deve ser encarado como manifestação de interesse na manutenção da liberdade, da democracia, e de uma sociedade saudável.
O direito de voto é como um músculo que se não for exercitado enfraquece. E quando são vários os votantes que decidem não votar o que enfraquece não é apenas uma voz, ou um músculo, mas é o tecido inteiro de uma sociedade. E quanto mais fraco estiver um organismo, quanto mais em baixo estiverem as suas resistências cívicas, mais depressa se instalam organismos oportunistas e infeciosos, e mais fácil se torna destruir uma democracia.
Quem não vota não faz ouvir a sua voz, e em seu lugar ergue-se outra. O voto é um instrumento fundamental que legitima as escolhas da lei e as decisões políticas que afetam o dia a dia dos cidadãos. A única forma de poder influenciar eficazmente o nosso futuro, e as decisões a ser tomadas em matérias como a saúde, a defesa, os transportes, a imigração e o ambiente, consiste em estudar os programas eleitorais e votar conscientemente nos programas e nos candidatos que melhor se adequam às nossas escolhas e opções. Se não votarmos, outros vão votar, e dessa forma pertencerão a outros as escolhas que vão prevalecer na tomada de decisão política.
Quem não vota perde a legitimidade para protestar. Não adianta protestar no táxi e na fila da mercearia quando não estamos dispostos a abandonar o sofá para ir votar. O português gosta de se queixar em petit comité, mas está pouco disposto a manifestar-se publicamente ou a fazer alguma coisa para mudar mesmo quando tem a oportunidade de o fazer. Logo se vê, diz. O que for, será. Não vou mudar nada, o que adianta ir votar? No dia seguinte, quando as coisas não lhe correm de feição, regressa ao mesmo discurso crítico e sorrateiro cheio de falsa legitimidade por não ter votado. No entanto, convém dizer-lhe que a partir do momento em que não vota perde a legitimidade para se queixar.
Quem não vota é um pária social que não se integra na coletividade, e que não tem o direito a invocar um destino comum, quanto mais protestar.
Cada voto conta. Há quem diga que um voto apenas não muda nada, mas isso não é verdade. Cada voto conta. As eleições presidenciais de 1986 de Mário Soares contra Freitas do Amaral foram decididas por 138.000 votos, a margem mais pequena de sempre das eleições portuguesas, e Bush ganhou as eleições presidenciais nos Estados Unidos por uma diferença de 537 votos na Flórida (tivessem ido mais 600 cidadãos americanos às urnas favoráveis a Al Gore, e o resultado eleitoral teria sido outro).
Quem não vota não cumpre os seus deveres como cidadão. Foi feito um inquérito nos Estados Unidos em 2022, em que se perguntava aos cidadãos o que consideravam ser mais importante para poder ser qualificado como um bom membro da sociedade, e este inquérito revelou que o mais valorizado era votar (69% dos cidadãos considerou votar muito importante), sendo menos importante o dever de vacinação, o combate às mudanças climáticas, seguir a atualidade política norte americana e de outros países, e exercer o direito à manifestação. A campanha eleitoral e as eleições são rituais que chamam a atenção para os problemas do país, que apelam ao sentimento de pertença a uma comunidade, e que obrigam os cidadãos a participar neles como membros de uma sociedade.
Há países que já implementaram o voto obrigatório como forma de obter resultados eleitorais fidedignos a partir da ideia de que o voto constitui um direito, mas também um dever de natureza cívica. A Bolívia, a par de outros países da América latina, como a Argentina e o Brasil, e alguns países da Europa como o Luxemburgo e a Bélgica., têm um sistema de voto obrigatório, e o cidadão tem de provar que exerceu o seu direito de voto, sob pena de ter de pagar uma multa, ou ter o seu ordenado congelado. Mas será que impor o exercício do direito de voto como um direito de liberdade faz sentido? Será que desta forma não se está a promover a escolha aleatória de candidatos, os votos brancos e nulos? Votem.