Do Caos ao Poder

Alexandra Tavares de Moura, Ex-deputada à Assembleia da República e secretária nacional paras as Mulheres Socialistas - Igualdade e Direitos

Um milhão de votos cria o caos, desrespeitando os votos de outros cinco milhões. No mesmo dia, e depois de muita correria pelos corredores da assembleia, muitas declarações prestadas, são apresentados três candidatos. Sem nenhum eleito à segunda volta, PSD e PS estabelecem um acordo para a ocupação do cargo de Presidente da Assembleia da República, dividindo a legislatura em dois períodos, correspondendo a cada dois anos à presidência dos dois maiores partidos.

Desde o ato eleitoral de 10 de março, temos testemunhado o reforço no discurso de culpabilização pelo crescimento da extrema-direita e pelo sucesso dos novos agentes do caos em Portugal, atribuindo essa responsabilidade ao Partido Socialista. Esta narrativa é minimalista, ou mesmo irresponsável.

Estamos quase a celebrar os 50 anos de liberdade e democracia. E logo de seguida, prestes a comemorar os 50 anos da aprovação da Constituição da República Portuguesa, que consagra o Estado de Direito Democrático, baseado “na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (…)”.

Neste todos os partidos, agentes sociais e civis têm a sua responsabilidade na construção e manutenção da democracia. Ou seja, todos, e quando digo todos, não me refiro apenas aos políticos, como muitas vezes é entendido, sugerindo, na maioria das vezes, o governo do Partido Socialista ou, de forma mais clara, os seus líderes.

O discurso que se ouve de responsabilização, principalmente, do governo e do primeiro-ministro demissionário pelo crescimento do CHEGA, serve ao próprio CHEGA, que elegeu António Costa como inimigo número um; serve à direita, que se exime da sua responsabilidade e tenta obter votos do PS; serve à esquerda, que tenta se distanciar dos anos em que foi responsável pelas políticas públicas implementadas pelo governo de António Costa.

No entanto, para além do governo, há muitos outros órgãos eleitos igualmente responsáveis. O Presidente da República, a Assembleia da República, os Presidentes de Câmara e os seus executivos, os Presidentes das Freguesias e os seus executivos, as Assembleias Municipais, bem como todos os agentes educativos, sociais, artísticos, culturais e associativos que compõem a nossa sociedade civil, e até mesmo os meios de comunicação social.

É verdade que, sempre que se fala da responsabilidade pelo crescimento da extrema-direita, apontam-se as armas ao governo, como se não houvesse outros atores. Mas eles existem! Em vez de apenas culpar “o outro”, talvez fosse uma boa ideia que todos os agentes políticos e todos os membros da sociedade civil (escolas, artes, comunicação social, médicos, enfermeiros, sindicatos) parassem para pensar e refletir sobre o que cada um pode e deve fazer para mudar o “estado da nação”.

Essa discussão já não se faz! O que, aliás, é muito mais preocupante do que o crescimento que o CHEGA teve até agora. É a ausência de reflexão que permite ao CHEGA manter a sua narrativa, a sua forma de fazer política e a sua “caça” aos desapontados com o sistema; um sistema, já agora, que dá a todos a liberdade de escolher quem se quer para seu representante no sistema (algo que há 50 anos não acontecia!).

Chegados ao final do mês de março, declarados os resultados, a Assembleia da República é constituída, sendo o primeiro ato, obrigatoriamente, a eleição do Presidente da Assembleia da República.

E começou o caos.

André Ventura anunciou com pompa e circunstância um “alegado” entendimento com o PSD e afirmou ter dado indicações para votar no candidato do PSD. Mas o resultado foi claro. O deputado José Aguiar Branco não foi eleito. O CHEGA desfez o acordo que afinal (parece), não existia.

Segue-se o que todos reconhecemos como a prática do CHEGA, agora com muito mais ruído no plenário. O CHEGA grita “nós somos os mais importantes”. O PSD associa o CHEGA ao PS nos objetivos. O PS diz que a direita não se entende.

Resultado?

Um milhão de votos cria o caos, desrespeitando os votos de outros cinco milhões.

No mesmo dia, e depois de muita correria pelos corredores da assembleia, muitas declarações prestadas, são apresentados três candidatos. Sem nenhum eleito à segunda volta, PSD e PS estabelecem um acordo para a ocupação do cargo de Presidente da Assembleia da República, dividindo a legislatura em dois períodos, correspondendo a cada dois anos à presidência dos dois maiores partidos.

Novamente, qual é o resultado?

Nos discursos dos partidos após o início das funções do novo Presidente, assistimos, mais uma vez, à responsabilização do PS.

É isto. Vamos continuar a assistir ao jogo de acusações, que só dá mais palco ao CHEGA, e no final desta temporada, a XVI da Assembleia da República, vamos voltar a ouvir os argumentos sobre o poder que o CHEGA tem e que a responsabilidade é, claro, do PS.

O CHEGA tem uma forma clara de funcionar: provocar o caos, “cavalgar” o caos e crescer no caos.

Veremos se todos os partidos políticos vão assumir que têm de lidar de forma diferente com os provocadores do caos. Espero que, depois de tudo isso, haja reflexão. Afinal, não queremos que o CHEGA continue a minar a democracia e que possa chegar ao governo do nosso país, do qual todos nos orgulhamos. Ou queremos?

 

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