Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs): aumenta a principal causa de morte em Portugal

José Padrão Mendes, Médico Neurologista, Médico Intensivista, com especial interesse na Patologia Cardiovascular, Neuropsiquiatria

Um dos casos paradigmáticos da falta de investimento no nosso SNS está na região Oeste, uma região com mais de 350 mil habitantes.  Se uma pessoa tiver um AVC em Torres Vedras, ou Peniche pode precisar mais de 1 hora para chegar a um hospital especializado em AVC e poder receber o tratamento adequado.

Os Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) são a principal causa de morte e de incapacidade em Portugal. 1 em cada 3 pessoas que sofre um AVC acaba por falecer e dos 2/3 que sobrevive, metade fica com sequelas.

Em 2023 o número de AVCs em Portugal foi de quase 9000 pessoas, mais exatamente 8796 segundo o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) o que dá praticamente uma pessoa por hora durante o último ano. Estes dados são relevantes, pois são o dobro em comparação com 2019, ano pré-pandemia.

Como médico neurologista, com formação em cuidados intensivos e especial incidência em tratamento de AVC, esta notícia não me surpreende. O principal fator de risco para sofrer AVC é a idade, seguido da hipertensão arterial, colesterol elevado, diabetes, ser fumador e apresentar doença cardíaca, neste caso tendo como principal risco a fibrilhação auricular. Mas todos estes fatores de risco têm como principal desencadeante a idade avançada da pessoa e, como a nossa sociedade está a envelhecer rapidamente, é perfeitamente normal que a incidência de AVC s aumente.

A Pandemia também teve influência, pois a grande parte dos fatores que se poderiam prevenir como a alta pressão arterial, o colesterol elevado, diabetes ou o controlo da doença cardíaca foram negativamente influenciados pela falta de seguimento, controlo ou mesmo diagnóstico devido ao funcionamento reduzido do SNS com poucas consultas e pouco ou nenhum rastreio que levaram ao agravar de problemas crónicos.

Um estilo de vida saudável, uma tensão arterial controlada, assim como o açúcar no sangue em níveis normais são boas maneiras de prevenir AVCs. Mas como a idade e o envelhecimento ainda não se conseguem reverter a tendência é de crescimento do número de casos nos próximos anos.

Sendo uma inevitabilidade o aumento dos casos de AVCs, que se pode fazer para minorar as consequências?
Trabalhei durante 6 anos numa das maiores unidades de AVC da Alemanha e quase 3 anos nos cuidados intensivos e por isso verifiquei a evolução na Alemanha desta problemática. E a verdade é que na Alemanha o AVC também foi durante muitos anos a principal causa de morte, mas nesta altura é a terceira, depois das demências e da doença coronária. A grande (r)evolução que aconteceu foi a criação de cada vez mais unidades e hospitais especializados em AVC.

Para se perceber a importância das unidades e hospitais especializados em AVC, tem de se compreender sucintamente a sua fisiopatologia. O AVC acontece quando um vaso sanguíneo no cérebro fica bloqueado (o chamado AVC isquémico, que corresponde a 80% do total de AVCs), muitas vezes devido a um coágulo ou trombo (daí o termo “trombose”) ou então o vaso sanguíneo deixa de conseguir conter o sangue, muitas vezes devido à alta pressão arterial e extravasa provocando uma hemorragia (AVC hemorrágico, que corresponde aos restantes 20%).

Usando uma analogia, imaginemos um prédio com as suas canalizações, se faltar água pode ser porque os canos entupiram (AVC Isquémico) ou então se a pressão dentro do sistema for muita alta os tubos podem rebentar (AVC hemorrágico).

Também temos de ter em conta que o nosso cérebro é um órgão muito complexo e essa complexidade acarreta uma extrema fragilidade e sensibilidade, ou seja, quando não recebe suficiente oxigénio ou nutrientes as células cerebrais, os neurónios, começam a morrer rapidamente em questão de minutos. Por isso, quando alguém sofre um AVC o tempo é essencial, não só na prevenção da morte como das sequelas.

Com isto em mente, é fácil de compreender que se o doente chegar rapidamente ao hospital e receber o tratamento adequado, rapidamente a percentagem de sucesso, com a diminuição de sequelas e morte, será maior. Daqui se pode depreender que quantas mais unidades de AVC e melhor distribuídas houver no território, mais rapidamente e eficaz será o tratamento dos doentes afetados.

Um dos casos paradigmáticos da falta de investimento no nosso SNS está na região Oeste, uma região com mais de 350 mil habitantes. Nesta região não existe uma única unidade de AVC e os doentes têm de ser transportados para Lisboa com a consequente perda de tempo de precioso (Mapa das Unidades de AVC – SPAVC). Se uma pessoa tiver um AVC em Torres Vedras, ou Peniche pode precisar mais de 1 hora para chegar a um hospital especializado em AVC e poder receber o tratamento adequado.

No tratamento do AVC existem 2 técnicas extremamente eficazes, a trombólise Intravenosa que é uma terapia química que elimina o trombo que está a entupir o vaso sanguíneo ou a trombectomia mecânica, que é uma pequena intervenção feita por um neuroradiologista em que se retira mecanicamente o trombo do vaso sanguíneo afetado. Mas estas técnicas têm um tempo limite, um período em que podem ser utilizadas, normalmente nas primeiras 4,5 horas. Depois disso, os riscos são maiores que os benefícios.

No meu hospital, cheguei a ter pacientes que entravam nas urgências sem conseguir falar, em estado comatoso e com um lado do corpo paralisado e 24 horas depois da terapia, esse mesmo doente não apresentava qualquer tipo de sintoma. Parecia milagre!

Mesmo sabendo que todos os anos o número de AVCs aumenta na Alemanha, também devido ao envelhecimento da população, o número de mortes ou de doentes com sequelas graves não aumenta proporcionalmente. Isto, porque nos últimos anos, o número de Unidades de AVCs e de centros especializados têm aumentado, acompanhando o ritmo de crescimento dos casos.

No caso de um AVC em que o tempo é essencial, também é muito importante as pessoas saberem como reagir e identificar um AVC para poderem saber como atuar e agir o mais rapidamente possível!

Por isso se:

-Houver dificuldades em falar;

– Falta de força num dos lados do corpo;

– Problemas de visão;

– Desvio da cara, não conseguir fechar bem a boca;

– Dor de cabeça severa e que começa de repente;

Temos sempre de pensar num possível AVC.

Para testar a pessoa, pode pedir que a pessoa ria (verifica a assimetria da cara, pode pedir que levante os 2 braços (verifica se há uma dismetria de forca, um dos braços cai), pode pedir que diga uma frase (se houver um problema em falar ou a resposta for incoerente, são sinais de alarme!).

Para ser mais fácil memorizar pode-se usar a Mnemónica dos 3 F´s: F de Fala, F de Face e F de Força.

Se estes sintomas estiverem presentes ao acordar ou se começarem de repente, tem de se ligar imediatamente para o 112!! Pois podemos estar em presença de um AVC e se for um AVC isquémico pode-se atuar para o tratar nas primeiras quatro horas e meia e se for um AVC hemorrágico pode ser necessária uma operação urgente!

A nossa população, com a sua tendência de envelhecimento, levará a um aumento de doenças crónicas, mas também de doenças agudas como a doença coronária e o AVC. Para o tratamento correto do AVC é necessário um maior investimento em hospitais e unidades especializados assim como em neurologistas especialistas em AVC.

Porque, se a prevenção é essencial, mas difícil, um tratamento rápido e eficaz é imprescindível pois salva vidas e previne sequelas!

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