Ter e Ser I.D. Do mito ao Logos ou razão

Susana Mexia, Professora de Filosofia

Ainda no mesmo século, Aristóteles, aluno Platão, dedicou muito do seu pensamento à explicação do mundo natural. As suas reflexões levam-no a concluir que devia existir um “ser imóvel que tudo movimentava”, causa primeira de todo o movimento. Definia este ser como Deus, concepção em que uma vez posto o universo em movimento, Deus podia comtemplar o que era perfeito, o seu próprio reflexo.

Não me refiro a algum novo partido político, ou que houve alguma troca nas iniciais. A mitologia grega é rica em exemplos, advertências e ensinamentos que, não obstante os milénios que nos separam destas “histórias” pagãs, muito temos a aprender com elas.

Prometeu era um dos titãs, uma raça gigantesca, que habitou a terra antes do homem. Ele e seu irmão  Epimeteu foram incumbidos de fazer o homem e assegurar-lhe, e aos outros animais, todas as faculdades necessárias à sua preservação.

Prometeu é uma personagem importante da mitologia grega, considerado a divindade do fogo, além de ser um mestre artesão.

Segundo a lenda grega, Prometeu e seu irmão Epimeteu foram titãs encarregados de criar os mortais, tanto animais como seres humanos.

Prometeu – cujo nome significa “aquele que vê antes”, ou seja, que tem a clarividência – ficou com a missão de supervisionar as criações do irmão Epimeteu – que tem como significado em seu nome “aquele que vê depois”, isto é aquele que tem “ideias tardias”.

Assim, Epimeteu fez os animais atribuindo-lhes dons variados como a força, a coragem, a velocidade, presas, garras, asas e agilidade. Quando chegou a vez dos seres humanos, criados a partir do barro, não restava mais nenhuma característica para destinar ao ser humano.

O titã Epimeteu contou o sucedido ao seu irmão Prometeu que se compadeceu da humanidade, e foi roubar o fogo dos deuses para o conceder aos homens e mulheres mortais, facto que lhes deu vantagens em relação aos outros animais.

Quando Zeus, o deus dos deuses, descobriu ficou terrivelmente irado e o titã foi punido com um dos piores castigos da mitologia grega. Foi acorrentado no topo do Monte Cáucaso por Hefesto, deus da metalurgia.

Diariamente uma águia surgia para comer o fígado de Prometeu. Durante a noite, o órgão regenerava-se e, no dia seguinte, o pássaro voltava para o devorar novamente. Por ser imortal, Prometeu permaneceu acorrentado por muitas e muitas gerações, até que o herói Héracles o libertou.

Antes de ser castigado, Prometeu avisou seu irmão Epimeteu para que não aceitasse nenhum presente vindo dos deuses. Mas Epimeteu casou-se com Pandora, uma bela mulher que foi uma oferta dos deuses e trouxe muitos males à humanidade.

Este mito explica a origem da humanidade e remete à criação no Génesis. O fogo tem como significado o conhecimento e a possibilidade da transformação da natureza. Podemos considerar esta passagem de modo simbólico, recordando como o fogo foi um marco importante na história da humanidade, da sua evolução e consequente adaptação humana. Além disso, o fogo tem ainda um simbolismo espiritual.

Curiosamente Prometeu manteve a sua dignidade até ao último momento, submeteu-se a um sacrifício – que na origem do termo significa “tornar sagrado” – em favor do bem colectivo. Desta forma, há quem o relacione com a figura de Jesus na religião cristã.

(O poeta e dramaturgo grego Ésquilo (séc V a.C.) é considerado o criador da tragédia grega Prometeu Acorrentado, a mais conhecida representação do mito.)

No decorrer da História viria a acontecer o “milagre grego”, no qual se deu um progresso intelectual do homem, que começando a pensar recusou, paulatinamente, todas as mitologias antigas.

Anaxágoras, filósofo grego do século V a.C. dedicou-se a estudar o cosmos e entre as várias descobertas que fez destacou-se uma que lhe ia custando a vida: “por trás de todo o cosmos, havia uma “Mente” (Nous), a qual criara todas as coisas e as pôs em movimento. A “Mente” é ilimitada, regia-se a si própria, estava só, não se identificava com nada, e por si só existia…Era pura, a maior autoridade e tinha discernimento sobre todas as coisas.

Ignorando os deuses tradicionais e atribuindo características divinas à “Mente”, Anaxágoras aproxima-se da concepção monoteísta, facto que lhe ia custando a vida, pois o tribunal ateniense condenou-o à morte por sacrilégio, dela sendo salvo por intervenção de Péricles, com a condição de ir viver para outra cidade estado.

No ano em que morreu Anaxágoras nasceu Platão, discípulo favorito de Sócrates. Entre as suas muitas reflexões e diálogos, sentiu-se atraído por conhecer “a causa de todas as coisas”. Verificando que não existia no mundo natural, só podiam ser coordenadas por uma “mente superior a todas as mentes”, isto é, por uma divindade, a qual estaria implícita na ordem do Universo, uma vez que essa ordem não pode ser explicada sem uma causa inteligente que lhe dê forma.

Platão concluiu que existe um deus supremo que é perfeito em todos os aspectos, imutável e todo-poderoso. Deus é intemporal, sempre existiu e sempre existirá.

Propõe a existência de dois mundos, o mundo das formas perfeitas, real e invisível, o Mundo das Ideias onde habita a nossa alma, o logos ou razão; e o mundo sensível, no qual nós vivemos, onde não existe a verdade nem a realidade, mas tudo são sombras ou cópias. É curiosamente, uma forma de pensar o mundo e a realidade com características muito diferentes do século IV a.C., mais complexa e abrangente, não deixando de integrar no seu conteúdo outros aspectos da época.

Ainda no mesmo século, Aristóteles, aluno Platão, dedicou muito do seu pensamento à explicação do mundo natural. As suas reflexões levam-no a concluir que devia existir um “ser imóvel que tudo movimentava”, causa primeira de todo o movimento. Definia este ser como Deus, concepção em que uma vez posto o universo em movimento, Deus podia comtemplar o que era perfeito, o seu próprio reflexo.

Todavia o impacto maior que Aristóteles deixou à civilização grega foi a criação das regras para se poder formular um raciocínio correcto, o que deu origem à lógica formal, evitando erros falaciosos que desviavam do pensamento correcto e não conduziam à Verdade.

Nesta sequência, entre o século IV e III a.C., Zenão, filósofo estoico, muito dedicado à ética e à forma de viver correctamente, também defendia o princípio que Deus é a causa de tudo o que acontece no Universo, e os homens deveriam aceitar calmamente a vida como ela era e evitar reacções emotivas, fossem elas de alegria ou dor. Esta corrente estoica com ênfase no autodomínio, viria a transformar-se na principal corrente filosófica que acabou por exercer um grande fascínio sobre a elite romana.

A filosofia grega teve grande impacto nos judeus em diáspora e os teólogos reconheciam que aquilo que a sua escritura dizia sobre Deus, era totalmente compatível com alguns aspectos das concepções gregas de um deus supremo. Os primeiros cristãos aceitaram esta imagem de Deus e acrescentaram-lhe a certeza de que o conhecimento de Deus e da Criação é progressivo.

Yahweh é perfeito, eterno e imutável, mas agora já não é o ideal remoto dos gregos ou o conceito dos judeus, mas um Deus vivo, que veio ao mundo, moldou a teologia cristã e sustentou a ascensão do Ocidente.

Não é de admirar que alguns Padres do século I e II da nossa era, considerassem alguns filósofos gregos como cristãos antes de Cristo. Uma filosofia racional e humana completada com a Revelação foi a base definitiva para encontrar a Verdade.

A Fé e a Razão, complementos que só o Homem possui, porque lhe foram divinamente atribuídos, permitem que o Ser Humano, para além da capacidade intelectiva de pensar, refletir e agir, em conjunto com os outros seres humanos aplicassem as suas capacidades para evoluir, fazer mais conhecimento, aumentar o saber e desenvolver todas as capacidades que Deus lhe deu para poder compreender todo o Universo, que não foi obra do acaso mas uma dádiva que o homem deve proteger, melhorar e desfrutar, para ser feliz e agradecer.

O Papa Bento XVI defendia que chegamos à fé por meio da razão, apoiando o diálogo entre fé e ciência. O Pontífice não concordava, no entanto, com o evolucionismo radical. Em visita à Alemanha, em setembro de 2006, criticou o que chamou de “essa parte da ciência que se empenha em buscar uma explicação do mundo na qual Deus é supérfluo”.

Joseph Ratzinger considerou, na ocasião, “irracionais” as teorias que consideram a existência da humanidade um “resultado do acaso” e destacou que, para os cristãos, “Deus é o criador do céu e da terra, e que para entender a origem do mundo é preciso ter Deus como ponto de referência”.

Para Bento XVI, a fundação do cosmos e sua evolução estão na sabedoria divina, isto é, “não quer dizer que a criação só tem a ver com o começo do mundo e da vida”…, implica também que Deus abarca essa evolução e a apoia, a sustenta continuamente, não havendo oposição entre “a fé da compreensão da criação e a evidência empírica da ciência”.

Na beleza do mundo, no seu mistério e grandeza não podemos deixar de ler a racionalidade eterna, e não podemos deixar de nos fazer guiar por ela até ao único Deus, Criador do Céu e da Terra”.

A Igreja reconhece a existência de um processo evolutivo, mas também insiste em afirmar “o envolvimento de Deus” nesse processo. Para a Igreja, ter fé não significa ser contra a teoria da evolução, desde que seja entendido que esta evolução foi querida por Deus, programada e executada por Ele. Podemos falar de projecto inteligente de Deus, ou seja, a inteligência divina fez com que as coisas mudassem com a intervenção de Deus directa, gradual, pedagógica e providencial.

Como o Papa João Paulo II observava, na mensagem à Pontifícia Academia das Ciências, a teoria da evolução não explica a natureza do ser humano, dotado de uma alma intelectual que anseia por sobreviver à morte do corpo. A natureza do ser humano é mais que biológica, indo além do material. Entender o ser humano na complexidade de sua natureza que não se reduz à matéria, é tarefa da filosofia e da teologia e não dos cientistas. A teoria científica da evolução não oferece explicações sobre a iniciativa de um Deus que criou o cosmos por amor, a partir do nada. A origem da matéria é tarefa para os cientistas porém a da alma é tema da filosofia e teologia.

Toda a teoria científica que nega a imaterialidade da alma humana ou que afirma que a teoria da evolução exclui a noção de um Deus criador não está de acordo com a fé católica, tanto no campo científico quanto no filosófico e no teológico.

A pessoa humana participa da luz e da força do Espírito divino, pela razão é capaz de compreender a ordem das coisas estabelecida pelo Criador, pela vontade, é capaz de se orientar a si própria para o bem verdadeiro e encontra a perfeição na «busca e no Amor da Verdade e do Bem».

Em conclusão, apraz-me saber que somos ID, ou antes, o ser humano é resultado e portador duma Inteligência Divina.

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