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Sofia Guedes: “Precisamos de voltar a olhar a nossa existência como algo cheio de sentido”

Marta Roque

Sofia Guedes, Professora de Ética em entrevista ao Estado com Arte Magazine comenta os temas da formação Apostar na Vida da Universidade da Vida 2024, sobre dignidade da vida humana. O curso vai decorrer no CCB a partir de 23 de abril até 7 de maio. Uma organização da Plataforma Pensar&Debater em parceria com a associação francesa Alliance Vita.

“Voltar a olhar para quem somos, a quem devemos a vida” é, no entender da docente, a forma de enfrentar a ideia duma maternidade “desencantada” na sociedade atual.

As “barrigas de aluguer” é outro tema complexo em análise no curso, que está na ordem do dia,  onde “tudo gira à volta dum negócio de compra e venda”. A organizadora da formação explica que é “uma injustiça, porque é uma forma de amputação da genealogia.”

Considera que vivemos num tempo em que “sobrevalorizamos” a ciência, nomeadamente na “capacidade que tem em alterar a própria consciência”.

 Como se pode enfrentar a ideia da maternidade desencantada?

Este tema vai ser apresentado na Universidade da Vida2024 ( UVD), para nos ajudar a refletir sobre como as sociedades ditas evoluídas pensam hoje a maternidade. Gostaria de citar uma frase da jornalista Aziliz Le Corre, com a qual me identifico e talvez seja a melhor maneira de definir maternidade desencantada:

“Hoje, vivemos numa cultura onde existem movimentos de desencanto para com a maternidade, os quais promovem os discursos “sem filhos”. Defendem uma filosofia desconstrucionista que tem como objetivo – sob o pretexto da defesa do indivíduo – desfazer a nossa teia civilizacional que assenta na célula familiar.

Acredito que a única forma de enfrentar esta ideia duma maternidade desencantada, é voltar a olhar para quem somos, a quem devemos a vida, que importância tem a família com pai, mãe, avós, irmão, tios, e até amigos para a sociedade.

Acredito que, mesmo para quem teve uma experiencia triste do seu passado,  pode quebrar esse trauma e ser parte duma solução onde só o ser humano pode construir um mundo melhor. Uma vida é sempre um dom para a Humanidade, que se reinventa em cada dia. Precisamos de desejar curar as feridas, para que as suas cicatrizes sejam marcas de fortaleza e vitória.

Olhar o mistério que só a mulher tem intrínseco no seu ser e desejar amá-lo e valorizá-lo. Para isso tem de amar o seu corpo como algo especial, capaz de gerar vida na sua vida.

Levar e respeitar o homem e pai, parte integrante desse mistério, porque sem ele não existe maternidade e dar-lhe o valor que só ele pode ter enquanto pai. Precisamos de valorizar o papel do homem e chamá-lo a ser responsável. “A criança que abre os olhos para o mundo, abre os olhos do mundo. A sua sede de conhecimento e a sua capacidade inesgotável de admiração recordam-nos, à sua maneira, que nada é impossível.”

Apostar na Vida! a formação de bioética da Universidade da Vida 2024 vai decorrer no CCB, de 23 de abril a 7 de maio

“Não estar no mundo” é sobre o aborto?

 Não é apenas o aborto que faz “não estar no mundo”, mas todas as formas em que não olhamos cada vida como única e irrepetível, como parte fundamental do equilíbrio do mundo, na aceitação da fragilidade que é a única forma de desenvolver a fortaleza, na capacidade de criar e cuidar novas formas de valorizar a vida dos outros e a própria.

Vivemos um tempo em que sobrevalorizamos a ciência, nomeadamente na capacidade que tem em alterar a própria consciência do que é a lei natural, aquela que é a mais perfeita de todas as leis.

“A técnica confere a ilusão de desafiar o tempo, a morte. Sustenta a ilusão de que podemos e devemos controlar tudo, e até que o risco pode desaparecer”, disse a Blanche Streb, a coordenadora da UVD.

Esta consciência errada de quem somos, vai nos tratando como objetos que dependem apenas do querer, do desejo e até do capricho de alguns. Como se a vida fosse algo fora do mundo, onde tudo o que é criado torna-se previsível e descartável. Como se apagasse o mistério de cada vida e a sua importância.

Quando olhamos a nossa humanidade, podemos constatar que apesar de sempre haver riscos na vida, vemos um escalar de desencanto, de solidão, de falta de sentido, o que leva a que muitos sofram, simplesmente porque são desvalorizados, descartados da responsabilidade de todos. Como se a morte fosse mais forte que a vida.

Precisamos de voltar a olhar a nossa existência como algo cheio de sentido, independentemente da sua circunstância,  na capacidade em criar relações, em compreender que só em relação o homem pode ser feliz, e ser parte dessa construção que herdamos e desejamos transmitir as novas gerações.

Temos que olhar o mundo e maravilharmo-nos com tanto que nos dá para ser felizes, mesmo que doa. E o tanto que espera de nós.

Que impacto tem o aborto para mulher e a sociedade?

O impacto mais direto é a própria desvalorização do seu ser mulher. Por isso vemos tantas jovens que não se dão ao respeito, quando se deixam usar por prazer, que não gostam da sua condição feminina, que não acreditam que podem ser amadas, pelo seu namorado, pelo seu marido.

E onde fica a liberdade da mulher na escolha do seu corpo?

Nós mulheres não queremos ser escravas duma falsa liberdade.  Queremos e desejamos ser tratadas pelo somos: mulheres. Queremos que valorizem a nossa dignidade, tal como a dos homens, mas na diferença.

Precisamos de não ter complexo de ser mulheres.  Somos. E isso basta para encontrarmos equilíbrio e sentido.

As “barrigas de aluguer” são uma alternativa à infertilidade?

“A maternidade de substituição não é nem humanista, nem feminista, nem progressista” segundo a Blanche Streb.

De maneira nenhuma as “barrigas de aluguer” são alternativa à infertilidade. Já estamos habituados,  quando alguns sectores da sociedade querem introduzir novos conceitos, que mesmo sabendo-os errados, mas desvalorizando, usam  formas de camuflar a verdade com a mentira.

Mas não são alternativa porquê?

As “barrigas de aluguer” são um atentado contra os direitos da mulher, são uma forma de a explorar. É comprar a miséria e fazer negócios gigantescos, não apenas à custa da mulher que se sujeita a tratamentos e outras violências impostas,  mas também ao filho gerado, de forma tão estranha que nunca saberá quem são afinal os seus pais. Tudo gira à volta dum negócio de compra e venda. É uma injustiça, porque é uma forma de amputação da sua geneologia, da sua história.

Gostaria de forma positiva deixar um olhar de esperança: a humanidade, sempre passou por auto-atentados onde prevalece a lei do mais forte, mas também em cada época decaída surgem novos protagonistas, que diante das ruínas são capazes de reconstruir com  determinação e entusiasmo, porque fazem parte da solução e nunca do problema.

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