Nos Estados Unidos o sistema de cotas para mulheres na política é, à partida, “descartado” pela existência de eleições primárias.
Homens e mulheres podem, teoricamente, avançar com as suas candidaturas “sem aparente discriminação”, defende Ana Cavalieri, investigadora em política americana.
Verifica-se no entanto que mulheres casadas com filhos tendem a ser mais conservadoras e a votar no partido Republicano. Mulheres solteiras votam, em maioria, nos Democratas e candidatam-se mais a cargos políticos.
O que não invalida o facto de mulheres Republicanas terem “forte protagonismo” na política americana, como é o caso recente de Nikki Haley ou da veterana Condoleezza Rice.
A participação das mulheres na vida ativa política nos EUA, quanto à ocupação de cargos de representação democrática relevantes, de forma geral, regista as “mesmas dinâmicas que se observam na Europa continental”, segundo Ana Cavalieri, especialista de política americana e investigadora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, ao Estado com Arte Magazine.
Ou seja, quando o Partido Democrata, tendencialmente de esquerda, tem um bom resultado eleitoral, o número de mulheres eleitas para Representantes ou Senadores do Congresso dos EUA aumenta, mas quando existe uma ‘onda vermelha’, e o Partido Republicano, tendencialmente de direita, obtém uma vitória eleitoral, a percentagem de mulheres no Congresso diminui.
Existem razões “operacionais, ideológicas e de proclividade temperamental que, conjugadas entre si e adaptadas às especificidades dos processos eleitorais na realidade dos EUA, justificam e determinam esta oscilação,” adianta Ana Cavalieri.
As mulheres, “refletindo uma curva de distribuição estatística diferente da dos homens”, explica a especialista, “sentem mais reticência em entrar num processo que não só pode envolver sacrifícios elevados à sua estabilidade familiar, como também despoletam um grau de exposição agressivo, de incessantes ataques pessoais que são muito difíceis de gerir.” Pelo que, à partida, haverá mais homens dispostos a participar do que mulheres.
Como é que isto se traduz em mais mulheres serem eleitas pelo partido Democrata do que pelo partido Republicano? “É um erro considerar ´mulheres´ como um grupo político monolítico cujas preferências se alinham de acordo com os mesmos fatores. Sabemos que mulheres casadas e com filhos tendem, por exemplo, a ter preferências e tipos de participação políticas diferentes das mulheres solteiras e sem filhos,” justifica a investigadora.
Mulheres tradicionais rurais no associativismo cívico vs mulheres urbanas no partido Democrata
Mulheres casadas e com filhos tendem – regra geral – a serem mais conservadoras e a votar ‘Republicano’. Mulheres casadas e com filhos, que vivem fora das grandes cidades, que priorizam os seus filhos e vida familiar, diz Ana Cavalieri, “preferem – regra geral –organizar-se, participar e manifestar-se politicamente através de associações e agências da sociedade civil”.
Já as mulheres solteiras, ou casadas e com filhos, que vivem em centros urbanos e são “fortemente dedicadas à sua carreira profissional, entram mais na política partidária tradicional.” Mulheres solteiras votam, em maioria, nos Democratas. “Apenas por estes fatores seria já aparente o porquê da discrepância entre os números de mulheres eleitas pelo partido Republicano vis-à-vis partido Democrata” justifica a docente.
“Políticas de identidade’ vs colorblind approach’
Mas a isto acrescem razões ideológicas importantes que explicam, também, esta diferença. “Os Democratas, adotando uma filosofia pós-modernista e de inter-secionalidade, conhecidas como ‘políticas de identidade’ dão muito relevância a características identitárias – ex: raça, sexo, e outros – dos seus candidatos,” comenta Cavalieri.
Um exemplo recente – mas não ligado a eleições – foi a nomeação de Ketanji Brown Jackson para o Supremo Tribunal dos EUA, fruto de uma escolha de Joe Biden em que ele se comprometeu em apenas considerar mulheres negras para a posição.
Os Republicanos são ideologicamente contra este tipo de considerações identitárias, privilegiando a tradicional ‘colorblind approach’ – que os democratas rejeitam, alegando perpetuar ‘discriminações estruturais do sistema’.
Todos estes dados não invalidam o fato de mulheres Republicanas terem “forte protagonismo” na política americana, como é o caso de Nikki Haley, Condoleezza Rice, Susan Collins, Lisa Murkowski, e outras mulheres.
Sistema de cotas “é descartado” nos EUA
Ao contrário da maior parte dos sistemas partidários Europeus, em que candidatos parlamentares constam de listas partidárias e os deputados são eleitos de acordo com a sequência disposta nessas listas, os candidatos Democratas e Republicanos disputam eleições populares ‘primárias’ para, num primeiro momento, selecionar o nomeado de cada partido, que depois irá disputar a eleição geral com os nomeados do outro partido ou candidatos independentes.
“Um sistema de cotas é, portanto, à partida descartado”. Homens e mulheres podem avançar com as suas candidaturas, sem discriminação, e o eleitorado decide – direta ou indiretamente – quem será o nomeado, sendo certo que os comités centrais dos partidos frequentemente revelam uma preferência tácita por determinados candidatos.
Ana Cavalieri sustenta que a participação da mulher na politica americana é exigente, uma vez que as campanhas eleitorais norte-americanas – tanto as primárias, como gerais – “são processos extremamente árduos, que levam candidatos à exaustão física e mental, de uma logística que tende a suspender a vida pessoal e profissional de quem decide encetar neste processo.”


