Direita e Esquerda são, metaforicamente, dois conceitos de natureza política. Sem de modo algum pretender analisar o que as distingue, vou apenas contar como estas duas palavras apareceram na cena política.
Esquerda e direita são noções fundamentais para nos orientarmos. Desde a colocação dos talheres à mesa, calçarmos os sapatos e, bem mais importante, para aprendermos a escrever é preciso distinguir entre esquerda.
Se a criança não tiver adquirido o sentido de lateralidade, isto é, saber qual a mão esquerda, qual a direita, saber calçar os sapatos, terá muito mais dificuldade em aprender a ler e escrever do que outra criança que já domine a lateralidade. Daí ser tão importante a pré-escola. No meu tempo, não havia a pré-escola. Era na família que se aprendia. E nas mestras! Mal uma criança aprendia a andar ia para a mestra. As Mestras, desempenharam um papel importantíssimo. Só o facto de ensinarem a fazer o sinal da cruz contribuiu para as crianças distinguirem a esquerda e a direita e assim adquirirem a noção de lateralidade que lhes ia facilitar a aprendizagem da escrita.
Mas esta situação originava uma grande discriminação entre as crianças. Lembro-me dos das pinhas que, ao fim duns meses, abandonavam a escola. Não abrangiam, ou não abrangem, como se dizia naquele tempo. Com a pré-primária, hoje, todas as crianças estão em pé de igualdade, quando começam a aprender a escrita. Mas não era propriamente disto que eu queria falar. Mas, quando se começa a escrever, a mão leva-nos muitas vezes por caminhos de moleiro, em vez de irmos a direito pela estrada.
Direita e Esquerda são, metaforicamente, dois conceitos de natureza política. Sem de modo algum pretender analisar o que as distingue, vou apenas contar como estas duas palavras apareceram na cena política. Recuemos até 1789, ano do início da Revolução Francesa. A França atravessa uma grave crise: fome, descontrolo da dívida do próprio rei, altos impostos pagos apenas pelo povo, enquanto a nobreza e o clero estavam isentos, provocam um grande descontentamento.
O rei convoca os Estados Gerais, ou seja, a reunião dos representantes dos três estados sociais: clero, nobreza e povo, também chamado o Terceiro Estado. Reuniam-se separadamente, a nobreza numa sala, o clero noutra e o povo não tinha sala. Os seus representantes eram em maior número que os do clero e da nobreza juntos, mas dispunham de menos votos que os outros dois estados.
Desta vez, não estavam dispostos a aceitar esta situação. Reúnem-se numa sala, declaram-se Assembleia dos Comuns à semelhança do que acontecia em Inglaterra e recusam reunir-se separados dos outros estados. Convidam o clero e a nobreza a reunirem-se com eles. O impasse vai durando. Aos poucos, alguns membros do clero vão-se juntando ao povo.
A nobreza continua reunida na sua sala. Os «comuns» querem reunir uma Assembleia Nacional e, para o impedir, o rei fecha a sala de reuniões. Então, os «comuns» reúnem-se na sala do jogo da péla, um jogo semelhante ao ténis e juram não se separarem enquanto a França não tiver uma Constituição. É este o início da Revolução Francesa. O Rei proíbe os três estados de reunirem em conjunto, mas, aos poucos, os nobres vão-se juntando aos comuns até que o rei cede e forma-se a Assembleia Nacional Constituinte, agora todos na mesma sala e votando de acordo com o princípio um «homem um voto». Estamos a 4 de agosto de 1789.
Os constituintes começam a discutir a abolição de privilégios, que tinha durado séculos. Em vez de direitos só para alguns, direitos para todos. No final do mês de agosto, adotam-se os últimos artigos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Mas houve um tema que levantou grande polémica: qual o papel do rei perante as deliberações da Assembleia Nacional? Conservaria o direito de veto ou a Assembleia seria soberana? Os argumentos choviam tanto a favor do rei como a favor da Assembleia. As duas posições tinham a sua lógica. No dia em que este tema era votado, os deputados que eram contra o direito de veto do rei sentaram-se naturalmente à esquerda do presidente da sessão; os deputados que eram a favor foram para o lado direito. E assim se mantiveram sempre em todas as reuniões. Ainda hoje é o esquema adotado por muitos parlamentos incluindo a nossa Assembleia da República e pelo único parlamento transnacional eleito do mundo, o Parlamento Europeu.
E assim nasceram politicamente a esquerda e a direita, que representam posições antagónicas. Quando foi votada a morte de Luís XVI na assembleia de 18 de janeiro de 1783, a esquerda votou a favor e a direita votou contra. Por curiosidade: houve apenas a diferença de um voto entre as duas posições.