A pergunta de um jovem: o que é o 25 de Abril? a Adelino Gomes desencadeou um testemunho real da revolução dos cravos por um dos jornalistas que mais de perto acompanhou Salgueiro Maia nas operações do golpe de estado de 1974.
Adelino Gomes viveu “o dia mais feliz” da sua vida com a proclamação da liberdade de expressão e de imprensa no 25 de abril.
A partilha do jornalista aconteceu perante uma audiência de cerca de 100 alunos na Escola Rafael Bordalo Pinheiro, esta sexta-feira, nas Caldas da Rainha. Numa conferência com a participação dos jornalistas Francisco Gomes do Jornal das Caldas, Fátima Ferreira da Gazeta das Caldas, Dina Aleixo da Lusa e Alexandra Barata do Jornal de Noticias (JN). Uma iniciativa do Turismo do Centro de Portugal, e dos Municípios das Caldas da Rainha e de Óbidos.
Foi graças a ajuda de dois jovens repórteres que emprestaram o microfone a Adelino Gomes que pode fazer a reportagem do 25 abril no Largo do Carmo. “O maior acto de grande generosidade” da sua vida como jornalista que recorda até hoje. Adelino Gomes, jornalista da Rádio Renascença em 1974, relata aos jovens como se passou o golpe de Estado do 25 de abril, que mudou o regime ditatorial de 48 anos de uma forma pacífica para uma nova democracia.
O jornalista pediu boleia à coluna de Salgueiro Maia, que tinha vindo de Santarém e que seguia do Largo do Carmo para o Terreiro do Paço. Adelino Gomes andou na escola com Salgueiro Maia, em Leiria, não se viam desde o 7º ano (antigo 12º ano) altura em que Maia foi para a Academia Militar e o jornalista foi para o curso de Direito em Lisboa. “Tratávamo-nos por tu.”
“Dei-lhe um abraço e perguntei-lhe de que lado estava. Respondeu-me: não tiveste de ir para o estrangeiro por causa de uma coisa que escreveste na Rádio Renascença?” Adelino Gomes não fazia ideia que o militar soubesse destes acontecimentos. Confirmou que era verdade.
Maia disse-lhe que para que “ninguém mais tenha de sair do país por aquilo que diz, escreve ou pensa.”
“Para mim esta foi a definição da liberdade de imprensa, a frase do Salgueiro Maia.” Não era possível a democracia sem a liberdade de expressão.” E a liberdade o que é? “É a liberdade de expressão, do pensamento, e a liberdade de manifestação, é a mãe de todas as liberdades. O que interessa ter liberdade se não pudéssemos contar aos outros o que se passa? Então vivíamos no tempo das trevas. Andávamos a bater com a cabeça na parede, porque não sabíamos nada do que se passava.”
Salgueiro Maia, comandante daquela coluna, recebe instruções do comando para dividir a coluna em 2 partes: uma para neutralizar a legião portuguesa, organização armada, e a outra parte que fosse para o Largo do Carmo onde estaria o Presidente do Conselho e o Chefe de Estado.
Adelino Gomes perguntou-lhe: “podemos ir contigo? Sim, claro”, responde Maia. Arranjaram uma viatura, uma Unimog para os jornalistas. “Às 10.45 estou em cima do Unimog com os outros jornalistas na coluna que ia para o Carmo. Aparecem 2 jovens a correr, traziam um gravador e um microfone para fazerem reportagem do golpe de estado. Milhares de pessoas estavam ali na praça de comércio, estava tudo em silêncio, “como estiveram na ditadura”, explica Adelino Gomes.
Quando a coluna começou a andar gritavam: “vitória, abaixo o fascismo.” Um coro imenso de gente às 10.45 h diziam: “Viva a liberdade, Eu sou comunista,” isto não se podia dizer. Outros diziam: Partido socialista! “Foi a liberdade de expressão do pensamento às 10.45h. Nunca mais se calou até à rendição do Marcelo Caetano. Estranheza de estar a ver sem decreto, sem cair o regime. Foi o nascer de uma coisa que foi proibida durante 48 anos por iniciativa e impulso genuíno de milhares de pessoas: jovens, trabalhadores de Almada, do Barreiro que vinham trabalhar, e senhoras da limpeza. Uma senhora da limpeza disse ao Salgueiro Maia que tinha de ir trabalhar. Que lhe disse: não se preocupe. Lembre-se deste dia que vai ser feriado.”
Maia já sabia que ia ganhar, tinha a “convicção da vitória”. Adelino afirma que “o nascimento da liberdade de imprensa surgiu com o povo de Lisboa que proclamou a liberdade de expressão de facto e não de jure, praticando a liberdade de expressão. As pessoas nunca mais se calaram até hoje”, testemunha o jornalista.
“Ajudei os tais 2 jovens a subir para Unimog, tomei a iniciativa de pedir o microfone mal educadamente, de forma exagerada pedi o microfone. Naquele momento aparece a rádio clube português, mas a TV ainda não estava. Eles foram tão generosos que disseram-me: toma lá o microfone.”
“Às 10.45 h começou a liberdade de expressão para mim. Tinha recomeçado a exercer a minha profissão. O Salgueiro Maia pôs a G3, com cano para baixo, virou as costas ao inimigo que estava 50 metros atrás, isto é de um herói, de um comandante,” recorda Adelino.
“O que querem saber?”, pergunta Maia, Adelino explica aos jovens que teve de fazer o contraditório, “a verdade tem tantos lados, nós estamos a representar os nossos ouvintes.”
“Temos todas as viaturas do exército blindadas connosco”, responde Maia. Há um jovem alferes que diz “e temos o povo”. Maia reformula a resposta: “além do povo de cujo apoio de quem nunca duvidamos, temos todas as viaturas blindadas do exército português connosco.”
“Foi aí que o povo entrou no golpe de estado, transformando o golpe de estado no princípio de revolução. O povo já faz parte disto, faz parte da minha coluna. Se olharem para as fotos no Largo do Carmo, o povo já é o exército, já são mais do que a coluna. Estava na hora do prof Marcelo se render porque já não tinha hipótese: para além dos militares está aqui o povo.”
“O que senti? Foi o dia mais feliz da minha vida não apenas como cidadão, mas enquanto jornalista. A minha liberdade de expressão nasce no momento do microfone: o povo , eu como jornalista, acabei com a censura da rádio onde trabalhava.” Adelino Gomes tinha acabado de praticar a liberdade na rádio onde estava proibido de trabalhar, a Rádio Renascença.