Pedro era agora um homem muito diferente! Ao longo dos últimos dois anos de doença do filho – Pedrinho – o mais novo de quatro rapazes, o pai muito se transformara, quase sem se dar conta…
Aquele homem de negócios, trabalhador compulsivo, focado em si próprio, sobretudo no seu sucesso e nos resultados da sua empresa, frio, autoritário, um gestor pouco sensível aos problemas dos outros, mudara muito…
Cristina, sua mulher, fora para Fátima a pé, para lá estar naquele 13 de maio…levava o filho no coração.
Sabia que o seu marido faria tudo pelo melhor…
Aproximava-se o dia 15, dia dos anos do querido filho Pedrinho. Faria 9 anos… se lá chegasse…e no dia seguinte começaria o transplante de medula, se os valores das análises assim o permitissem…mas as coisas não pareciam estar a correr bem…
Pedrinho estava de novo internado no serviço de Oncologia, e para ele, apesar de tanto sofrimento de há dois anos a esta parte e mesmo sabendo que a sua vida estava em jogo, o que mais o entristecia era mesmo fazer anos e não ter a família consigo, nem os amigos da escola para lhe fazerem festa…ficara tristíssimo por saber que ia ser internado em vésperas de fazer anos…
Naquela tarde porém, depois de o terem visto através de um vidro apenas, o pai Pedro quis contar à restante família, avós, tios e primos, a ideia que andava a congeminar e a surpresa que queria preparar ao filho…porque ele bem percebia agora, que nas famílias numerosas se dividem as tristezas e se somam as alegrias…
Com efeito, recentemente, dera conta de um jovem que estava suspenso por cordas a fazer a lavagem e limpeza dos vidros do edifício onde trabalhava e ao vê-lo , lembrara-se de já ter visto algo semelhante num anúncio de televisão , precisamente com crianças doentes de cancro… e talvez ele próprio pudesse fazer isso, ou algo de melhor ainda …!?
Fora esperá-lo à porta do prédio, falara com ele e pedira-lhe ajuda!
Sem mais delongas, explicara-lhe a situação do filho. Queria ser ele o alpinista, pelo menos uma vez, vestir-se de Super-Homem e fazer uma surpresa ao filho através dos vidros … poderia emprestar- lhe o material? Seria possível no dia 15 maio, véspera do transplante do filho, ir com ele ao hospital e pelo lado exterior das janelas do quarto, ajudá-lo a fazer- lhe uma surpresa que o alegrasse naquele seu dia de anos? Claro, que pediria autorização à empresa de limpeza de vidros, pagaria o que fosse necessário e primeiro ainda, iria pedir autorização à direção do hospital…
O alpinista era um jovem beirão, nascido e criado nas faldas da Serra da Estrela, um aventureiro de 28 anos. Comovido com o pedido, de imediato acedera, se o patrão da empresa de limpeza o permitisse e o hospital também, mas explicou-lhe que seria muito arriscado o pai fazer aquele trabalho e seria melhor ser ele próprio, sozinho, pois já estava habituado. E não queria cobrar-lhes nada, porque ele próprio era sobrevivente de uma leucemia em criança.
Contou-lhe que viera para Lisboa, com dez anos, para ser tratado e estivera internado em Lisboa, no IPO, e graças a Deus e à equipa fantástica que o tratara, salvara- se, quando já ninguém esperava… Depois, completara o liceu junto à Serra da Estrela, habituara-se a passear na serra em todas as estações do ano, e já adulto, viera estudar Filosofia em Lisboa.
A doença fizera-o interessar-se por temas mais sérios… como tentar perceber o sentido da vida e da dor, a procura de uma missão, a descoberta das ‘causas finais’ e em Aristóteles e St. Agostinho encontrara luzes e alimento para a sua sede de respostas. Paralelamente, sempre que podia, participava em excursões e escaladas… era como se a atração das alturas e o alpinismo fossem confirmação da sua sede de olhar o Alto e subir mais além… entretanto, como tinha de ‘olhar para a terra’ e ganhar o pão de cada dia, descobrira os anúncios daquela empresa de limpezas verticais, limpeza exterior de prédios altos sem recurso a andaimes e a pedirem operários e oferecera-se.
Confidenciou-lhe então que estava muito satisfeito com aquele trabalho e já fizera também várias escaladas em tempo de férias aos picos da Europa e acalentava o sonho de um dia ainda poder subir ao monte Everest…
Naquele dia, Pedro, resolutamente, não parou de fazer contactos e propostas… nada parecia fácil. O dono da empresa de limpeza vertical disse logo que não à ideia de Pedro, não o autorizou, mas permitiu dispensar o alpinista nesse dia e que ele fizesse o serviço usando os seus materiais, mas como um trabalho privado. A entrevista com a direção do hospital também não foi fácil, mas acabaram por autorizar o alpinista a aparecer junto à janela do quarto de Pedrinho desde que não houvesse ruído, nem música, para não perturbar os restantes doentes …depois Pedro foi alugar um fato de Super-homem para o alpinista e preparar bandeiras, balões e faixas personalizadas de parabéns ao Pedrinho com fotos dele, da família e dos amigos, mais um grande envelope surpresa com um convite para um jogo do seu clube de futebol favorito …
E no dia 15 de maio, a família juntou se à porta do hospital para ver o trabalho do alpinista. Vestido de Super-Homem, levando às costas uma pequena mochila, e já presos os cabos e envolto nas cordas, o rapaz começou a subida até ao sétimo andar… pelo telemóvel ia contando lá para baixo, as reações de Pedrinho, quando lhe apareceu junto da janela e ele o viu. A seu lado estavam duas enfermeiras e um médico…Pedrinho ficou muito surpreendido, depois percebeu e ria-se feliz…enquanto o alpinista lançava balões, desdobrava faixas de parabéns com fotos da família que prendeu nas janelas e lhe mostrou o grande convite surpresa que estava no envelope… depois o Homem- Homem fez umas cambalhotas, despediu-se com um aceno e voltou a descer…
15 de maio era o dia de anos do Pedrinho. Era também o dia internacional da Família, alguém se lembrara… e no hospital aquela família numerosa reunida no exterior, todos vestidos com t-shirts de parabéns ao Pedrinho, não passara despercebida…
Nessa manhã, contudo, os médicos estavam apreensivos quanto à possibilidade de fazerem o transplante no dia seguinte… as análises não estavam bem…ao fim da tarde porém, telefonaram aos pais, dizendo que o filho estivera todo o dia muito feliz, adormecera sem agitações, e inexplicavelmente, os valores das análises tinham melhorado bastante, o que permitiria avançar com o transplante no dia seguinte.
Cristina e Pedro abraçaram-se, esperançados, e apressaram-se a telefonar ao alpinista a agradecer-lhe…(no seu intimo, Cristina olhou para o Céu, com gratidão ).