Ainda é tabu falar de saúde mental nos media na era digital. Existe uma perigosa relação dos workaholics, viciados no trabalho e o burnout. Viver pelo perfecionismo numa profissão altamente desgastante, trabalhar para a notícia na hora, chegar a tempo do prime time, provoca casos de burnout.
Nos media “há sede de protagonismo” que leva a um perfeccionismo imposto muitas vezes pelos próprios jornalistas e por um sector que vive do imediato. Segundo o último estudo de saúde mental em jornalismo metade dos jornalistas portugueses está em risco de burnout.
Em Portugal refletem-se os mesmos problemas que noutros países do mundo, mas além disso, também é das profissões em que se verifica que as mulheres menos filhos têm (1,04) e em que a vida familiar é mais afetada.
O Estado com Arte Magazine falou com jornalistas e antigos jornalistas para conhecer como estão os media de saúde mental.
Falta abrir caminho à consciencialização ao burnout no jornalismo, defende Bernardo Simões de Almeida, jornalista free-lancer. “A falta de recursos humanos nas redações, o respeito pela classe jornalista, que há décadas enfrenta uma vida precária, baseada em recibos verdes e mal pagos, leva muitos estagiários e profissionais a sujeitarem-se, em nome da profissão, a condições de excesso de trabalho,” justifica o jornalista.
A vida no jornalismo também é vista por muitos jornalistas como uma vida solitária, pouco dada a “assentar com vida familiar”. Porque exige grande dedicação e “adaptar-se a uma cultura de empresa”, o que implica em grande parte prescindir de princípios pessoais, e isso causa stress adicional, conta Margarida, nome fictício, ao Estado com Arte Magazine.
O caso mediático mais recente é de Luísa Correia, de 28 anos, ex-jornalista da SIC Notícias, viu-se obrigada a mudar de vida após o corpo ter acusado stress a um excesso de trabalho. Esteve 8 meses de baixa, agora decidiu ir para a Suécia.
Bernardo Simões de Almeida, jornalista, viveu burnout na conciliação de jornalismo e a vida familiar. Para Bernardo uma das maiores dificuldades nas redações é aprender a lidar com a pressão de produzir informação, a precariedade do sector, a necessidade de fazer dinheiro, com a necessidade de contar histórias e a veracidade dos factos, apresentar noticias em tempo útil, o timing da publicação para fazer sentido na altura em que saem as notícias, pode levar ao burnout.
Pica de trabalhar sob pressão: a dopamina
A pica de trabalhar sob pressão nos meios televisivos e na imprensa dá uma verdadeira “adrenalina, é viciante”, explica Margarida, jornalista de televisão durante 24 anos. A dopamina, um neurotransmissor responsável por levar informações para várias partes do corpo que quando é liberado provoca a sensação de prazer e aumenta a motivação. “É uma recompensa rápida, para quem vive da publicação da informação em direto. Há muita sede da visibilidade e do protagonismo”, entre os estagiários e os jornalistas seniores, diz Margarida ao Estado com Arte Magazine.
A pica que dá trabalhar sob pressão é uma “adrenalina, é viciante, a dopamina, é uma recompensa rápida, é o motor de muita gente, mas é preciso ter algum cuidado, na juventude aguentamos algumas diretas, mas com o tempo custa mais.”
Recorda que chegava a entrar às 5 da manha para sair as 13h, mas porque queria empenhar-se fazia dois turnos e saía às 19h. “Andava morta. Ninguém me pedia nada, mas era workaholic, perfecionista.” “É gratificante veres coisas pensadas por ti a resultar no ar. Não gostava de dar a cara, gostava de ser o cérebro.”
Esta sede de protagonismo leva a um perfeccionismo imposto muitas vezes pelos próprios jornalistas e por um sector que vive do imediato.
“Ninguém me pedia nada, mas era workaholic, perfecionista,” justifica a jornalista.
De workaholic ao burnout
De uma vida de workaholic, perfecionista, ao burnout vai um passo, que o diga Margarida que ao Estado com Arte Magazine diz que sempre ambicionou ir para jornalismo televisivo, ali esteve durante 24 anos, até ter tido o burnout e nessa altura mudou de área profissional.
Margarida, tinha o sonho utópico de ser como a Lois Lane, a namorada do super-homem, jornalista que trabalhava no Daily Planet, jornal nova-iorquino, ia sempre a correr atrás das notícias. No fundo, Margarida assume que teve sempre a ideia de ter vocação para escrever.
“Sempre me apaixonei pela imagem em movimento,” recorda, e que por isso no final da licenciatura de jornalismo, decidiu que queria ir para TV. Para os estagiários “o máximo é aparecer,” como toda a gente que entra no mercado de trabalho em jornalismo.
“Acabei o curso com 22 anos, nem fui à viagem de finalistas, queria começar a trabalhar.” Margarida fez estágio na TVI, na altura o diretor de informação era o José Pedro Barreto, mas o seu primeiro mestre foi o jornalista Miguel Ganhão Pereira que lhe ensinou a colocação de voz, o treino jornalístico. Deu-lhe os grandes temas para trabalhar.
“Na altura o tema em destaque era o referendo ao aborto. Perguntou-me com que tema deveria abrir o jornal, Margarida sugeriu reportagem com a opinião das várias comunidades religiosas e da sociedade portuguesa sobre o que pensavam quanto ao aborto. O Miguel confiava em mim, era uma excelente pessoa, foi o 1º mestre.”
Quando soube da notícia da morte do seu “mestre” Margarida ficou a “bater mal” com a morte do pivot da TVI, apesar de à época já não estar no canal de Queluz, ficou impressionada com todo o mistério que envolveu o suicídio do famoso pivot da TVI.
Manteve-se na estação do canal 4 até à entrada de José Eduardo Moniz, que na altura fez uma grande reestruturação nos quadros da TVI. Margarida recorda que teve apoio de um jornalista sénior para ir para o CNL. “Conheci boas pessoas”.
Esteve na informação 6 anos, entre TVI, Canal de Notícias de Lisboa (CNL) e SicNotícias. Mas chegou à conclusão que apesar de considerar fascinante a isenção jornalística, gosta mais do lado da criatividade. Sentiu necessidade de passar para o infotainment, um género híbrido de informação e entretenimento com formato surpresa. “Sou mais criativa do que burocrática.” Gostava de fazer guiões escritos, planos de programação, criatividade nos programas do Goucha e Fátima Lopes no day time. No entretenimento a produção de informação é mais complexa, histórias de vida; saúde mental, alienação parental, etc.
Segundo o médico intensivista e neurologista José Padrão Mendes o circuito de recompensa no cérebro está formatado para ter êxito e sucesso no trabalho, e de cada vez que essas pessoas são elogiadas ou bem remuneradas pelo seu trabalho, aumenta mais a sua dependência do trabalho, devido a essa “injeção de dopamina” que recebem. “Muitas vezes tratar uma pessoa viciada em trabalho mais difícil que tratar uma pessoa viciada em álcool ou outras drogas, pois os seus pares, família e amigos não veem esse excesso de trabalho como um problema. Muitas vezes até incentivam a pessoa a trabalhar mais”, esclarece o médico. E sem ter o apoio social ou familiar é muito difícil combater este problema.
Margarida recorda um episódio em que podia ter morrido numa Renault 4L, “estava em reportagem em Fátima de regresso a Lisboa. O repórter de imagem ia a guiar, ligou-me o editor a dizer que precisava da peça para o jornal da noite e acelerámos para chegar a tempo. Foi então que um pneu careca se rebentou e por um triz não tivémos um grande acidente. O condutor, depois do acidente, jurou que nunca mais acelerava daquela maneira, porque estar vivo era bem mais importante” – Margarida revela-me que este episódio poderia ser a metáfora perfeita para a entrega incondicional ao trabalho que muitas vezes leva ao burnout. Foi aí que percebi que nunca mais fazia isto”.
Quando Margarida teve o burnout resolveu sair da TVI.
O que é burnout?
José Padrão Mendes explica que quando falamos de burnout, falamos no esgotamento nervoso, um problema que afeta cada vez mais pessoas na nossa sociedade, incidindo principalmente em jovens e mulheres.
Atualmente, estamos quase habituados a utilizar o termo síndrome de burnout no sentido de um diagnóstico de uma doença mental. No entanto, a síndrome de burnout é um termo relativamente novo, sem tradição médica – ao contrário, por exemplo, da depressão, que já era descrita pelos gregos antigos.
De acordo com a definição mais difundida, a síndrome de burnout refere-se a um estado de exaustão persistente resultante de uma sobrecarga prolongada, caracterizado pelas três caraterísticas seguintes: exaustão emocional, aumento da irritabilidade e do distanciamento interpessoal, perda (auto-avaliada) de desempenho pessoal.
Como se vive um burnout?
“Em pandemia trabalhei com redução de equipa, tinha de entregar trabalhos de um dia para o outro com 25 páginas. Acordava não sabia onde estava, acordava desmemoriada. O médico psiquiatra pediu-me para tirar 6 meses de baixa, nesta altura tive de dormir muito para recuperar do cansaço, tinha momentos de paragens mental em que não conseguia ter reação.” Teve de tomar medicação para dormir.
Ao fim de 3 meses voltou ao trabalho, não aguentou a pressão e teve de sair do jornalismo. Há 2 anos passou para o trabalho em agências de comunicação.
Testemunho de burnout de Margarida: “Depois do burnout (e já antes) a minha rotina; o que me faz “limpar a cabeça” é o passeio matinal às 7 da manhã com o cão, no meio da natureza, pois ajuda-me a estar em paz comigo; a zerar o ritmo acelerado a que a profissão obriga. Também me ajuda meditar de vez em quando, dar prioridade à minha sanidade mental, em detrimento de vitórias profissionais /validação profissional. Uma das coisas que passei a saber fazer após burnout foi justamente reconhecer os indícios subtis de possíveis novos burnouts, como estar a falar com alguém, conhecer bem a pessoa e não me lembrar do nome dela; ou abrir uma pasta no PC e esquecer-me a meio o que ia fazer. Enfim, cada pessoa tem os seus indícios particulares que tem de saber travar logo. E sobretudo aprendi que não há ordenado suficientemente alto que seja mais importante que a saúde mental. De que me serve ter dinheiro se não consigo sair da cama nem tenho vontade de fazer nada? Há uma certa higiene mental que se aprende a ter e ser acompanhada medicamente também ajuda muito. Se bem que somos nós mesmos que temos de nos acarinhar / auto-cuidar. O que remete para a questão do amor-próprio. Tenho para mim que só quando nos pomos em primeiro lugar (e isto implica dormir e descansar o suficiente) é que ganhamos respeito por nós próprios e estamos capazes de dizer alguns “Nãos” que antes não conseguíamos dizer à entidade patronal.
A vida continua
Apesar de tudo o que viveu não está fora de questão voltar ao jornalismo. ”Se for mal pago e a trabalhar por 2 não quero voltar. Mas se puder pagar as contas sim. Afinal foi esta a formação que recebi. Tenho saudades enormes de fazer reportagem. Mas não aconselharia um filho meu a ser jornalista.
Os jovens estão motivados pela visibilidade inicial e o deslumbramento em TV, mas isso passa. “O que se mantém são coisas diferentes. Não pensem que aparecer e alguém conhecer a vossa cara ou cumprimentar no meio da rua é o máximo que vos pode acontecer.”
O jornalismo é muito mais do que isso, “é reportar a verdade, seja em informação ou entretenimento. Isso é o mais gratificante. Às vezes no day time conseguia ajudar as pessoas, a parte humana, ajudar um alcoólico a fazer desintoxicação. A fazer a diferença na vida de alguém é gratificante.
Existe a ideia errada no jornalismo, entre os estagiários há muita sede da visibilidade e do protagonismo.
Sobre a crise da Global Media, Margarida garante que a crise do jornalismo não vem de agora, vem de há muitos anos, porque “não há escoamento no mercado para tanta oferta de jornalistas”.
“Aguentar” a pressão mediática
Em TV “é certo e sabido que há droga mais nuns sectores do que noutros. O alcoolismo era uma cultura, produtoras audiovisuais. Entre o álcool, “ganzas” e cocaína passa-se muita coisa,” diz Margarida. A cocaína é consumida em cargos de topo de decisão rápida, conta a jornalista, porque “dá destreza mental, aumenta a velocidade de raciocínio. Mas claro não é exclusivo da TV, nem do jornalismo”. O meio jornalístico, por tradição, é um meio boémio, muitas coisas se decidem em jantares pós-laborais, um pouco solitário, um pouco artístico.
Margarida caracteriza a vida no jornalismo como uma vida solitária, pouco dada a casamentos e a “assentar com vida familiar”. Porque afinal exige “adaptar-se a uma cultura empresa, o que implica fazer muitas coisas que vão contra os nossos princípios.”
Anos sabáticos para recuperar do esforço sozinho
Miguel Satúrio Pires, antigo jornalista e consultor de comunicação, ao Estado com Arte Magazine diz que nunca pediu apoio clínico, nunca foi acompanhado por nenhum médico, foi “lidando com os seus demónios sozinho”, talvez por arrogância da sua parte, assume. Nos momentos de esgotamento tira ano sabático, para fazer grandes viagens pelo mundo, e assim tentar desligar do esforço desmedido ao trabalho.
Licenciado em Ciências da Comunicação, jornalista e mais tarde consultor de comunicação enfrentou dois momentos de exaustão na sua carreira de jornalista.
Miguel gosta de escrever, foi consultor de comunicação da BCW, agência de comunicação do grupo WPP, onde também assumiu a área de media training para clientes da agência, assim como deu formação a nível interno no campo da assessoria mediática.
A leitura de jornais foi sempre um hábito em casa, os jornais eram um elemento constante nas mesas de casa, lia o Expresso no colo do avô. Para além de os bisavós serem jornalistas, “as letras foram comuns ao longo da vida”.
Antes de terminar a universidade foi estagiar para o Brasil em comunicação de Hoteis, quando em 1995 volta para Portugal para ir estagiar para a RTP, fez a campanha de eleições presidenciais em que ganhou o Guterres, foi para o jornal da noite 24h. Fazia reportagens, peças de fecho, tudo. Esteve seis meses na RTP.
Tinha faculdade o dia todo ia para RTP a 4 e saía as 2h da manhã, tinha entre os 19 e os 20 anos “era novo não me cansava”. Fez o curso do Cenjor, Centro Protocolar de Jornalistas, no último semestre da licenciatura. Foi para editora um ano, fez uma breve passagem pelo Diabo conheceu o Esteves Pereira, marido da Vera Lagoa. A chefe de redação era Isménia Abreu. Fazia reportagens de sociedade e política. Na antiga Ferreira e Bento, um grupo de 6 revistas como a Rotas&Destinos, foi Editor de Economia fui editor de economia do Semana Informática e director de revistas de TI do grupo Ferreira & Bento/Cofina nomeadamente a VDi e a PCW (Personal Computer World).
Era jovem, vivia sem horários, mas na altura de fechos das revistas os horários estendiam-se. A difícil conciliação com a vida familiar aumentava com o nascimento de 1 filha e posteriormente o segundo filho. Tinha sobrecarga de trabalho no fecho, recorda que nesta altura o grupo Ferreira e Bento foi comprado pelo grupo Cofina, Miguel acaba por sair passados 6 anos.
Tornou-se jornalista free-lancer trabalhou para o grupo Impresa, foi co-autor do Guia de Viagens do Expresso, em 2010. “Durante 15 anos dediquei-me a grandes projectos o que levava a períodos de trabalho muito intenso. O 1º período crítico deste percurso foi um guia mundial para um operador turístico, que levou 1 ano a ser desenvolvido. Entre viagens e desenvolvimento de conteúdos foi uma época de vida muito exigente.“
Depois da conclusão deste projecto esteve quase 2 anos em viagem a tentar recuperar de cansaço extremo. “Tirei férias, fui fazer grandes viagens Austrália, Argentina… precisava de desligar.” Continuavam a mandar-me trabalhos, mas demorava dias para fazer um artigo. “É aqui que sinto que fui baixo.”
Miguel voltou a fazer trabalhos para o DN e Público. Seguiram-se outros 2 livros para a Galp energia que lhe causaram grande desgaste, no entanto identifica como um dos trabalhos que lhe deu mais gozo fazer.
“O 1º livro, com menos exigência de timmings, estendeu-se mais no tempo, o 2º foi o que mais custou fazer (com timming mais apertado). Perceber a história industrial do país e iniciar a cronologia de finais do séc. XIX até à atualidade, traçar linha histórica sobre a economia do país, ter acesso a arquivos que quase ninguém tem.”
Trabalhava em acto contínuo num atelier perto da AR, uma mezzanine (com 2 andares) e um jardim com 300m2. Foram 4 anos neste projecto non stop. “Cumpro os prazos à risca, sou muito britânico.”
Esteve sem dormir mais de 48 horas durante o período deste livro. Aguentou à base de cafés e de um “recuperar longo e penoso. Acabei por ir para os EUA e Brasil. Esgotaram-se-me as letras.”
Clinicamente nunca foi acompanhado, fui lidando com os meus demónios sozinho. Quem sofria mais era quem estava à minha volta. “Num estado de cansaço e de esgotamento total não somos os melhores seres humanos do mundo. A única forma de recuperar era com descanso absoluto. Abandonei o jornalismo, cansei-me. Fui a 100% para consultoria estratégica durante 7 anos que também saíram do pêlo.”
Deixou de trabalhar em novembro do ano passado, em 2023. Neste momento vive de rendimentos, tem subsídio de desemprego, reconhece que “já não tinha nada para dar à empresa” nem a empresa a Miguel.
O consultor de comunicação está novamente a passar um ano sabático. Recentemente tirou uma pós-graduação em recursos humanos, “para perceber o que fizeram bem ou mal comigo.”
No esgotamento não tinha força para o mais básico, quando ia dormir tinha a cabeça a carburar e quando conseguia a dormir a sensação de cansaço era absoluto. O período de repouso não era repouso. A cabeça estava cheia de informação que entrava e não saía. Acha que se consegue superar por si próprio.
Aos jovens jornalistas aconselha a não descurarem a saúde mental, “façam um trabalho bem alicerçado, mas cheguem ao final do dia felizes.”
Burnout: um problema sub-diagnosticado e generalizado no Jornalismo
De acordo com um estudo recentemente publicado sobre o esgotamento no jornalismo local dos EUA, realizado pelo Center for Innovation and Sustainability in Local Media da UNC Hussman School of Journalism and Media, na Carolina do Norte, cerca de 70% dos 500 jornalistas inquiridos já sofreram de esgotamento; os profissionais de comunicação social mais jovens, com menos de 45 anos, bem como as mulheres e principalmente mães, são particularmente propensos ao esgotamento.
“O esgotamento é a resposta psicológica a condições de trabalho crónicas que afectam a saúde mental e física”, escrevem as investigadoras Elizabeth Thompson e Katelyn Chedraoui. O estudo revela as consequências de uma década de despedimentos e de mudanças no jornalismo local norte-americano: “Durante estes anos turbulentos, os jornalistas tiveram muitas vezes de lidar com uma carga de trabalho mais pesada, com horários mais longos e irregulares, ao mesmo tempo que os seus rendimentos diminuíam”, concluem. Quase três em cada quatro dos inquiridos já pensaram em abandonar o seu emprego. O que os poderia motivar a ficar? Um melhor salário (39%).
O último estudo a demonstrar que metade dos jornalistas portugueses está em risco de burn out (Metade dos jornalistas portugueses em risco de burnout (jn.pt). Em Portugal refletem-se os mesmos problemas que noutros países do mundo, mas além disso também é das profissões em que se verifica que as mulheres menos filhos têm (1,04) e em que a vida familiar é mais afetada. É mesmo a mais baixa das carreiras analisadas pelo Observatório para a Condições de Vida e Trabalho-, está abaixo da média nacional de 1,38 filhos por mulher, esclarece o médico intensivista José Padrão Mendes ao Estado com Arte Magazine.
Muitos também sofrem assédio por parte das chefias e mais de metade faz mais de 40 horas semanais de trabalho e mais de 10 horas noturnas. Também metade sente-se inseguro com toda a precariedade que envolve a profissão no nosso país. E muitos, mais de 60%, não sente apoio para a resolução de questões éticas e das rotinas laborais. E mais uma vez são as mulheres que mais sofrem.
Segundo Padrão Mendes “a narrativa no jornalismo tem de mudar urgentemente: Um jornalista da velha guarda é quase sobre-humano: é homem, totalmente objetivo e neutro, vive acima das coisas e das situações mundanas, não tem opiniões próprias – e não tem problemas. Mas isso choca totalmente com realidade do trabalho. O problema é que esta cultura continua a ser cultivada, as pessoas continuam a ser postas de lado.”
Aproximadamente 60% de todos os inquiridos, especialmente os jornalistas mais jovens, pensaram repetidamente em abandonar o seu emprego nos últimos doze meses. – Estudo do Centro para a Inovação e Sustentabilidade nos Media Locais da Escola de Jornalismo e Media Hussman.
Ainda é tabu falar sobre problemas de saúde mental num contexto de trabalho. “Embora cada vez mais pessoas estejam a falar sobre as suas experiências, enquanto as pessoas que falam sobre estas questões estejam a ser vistas de forma negativa pelos empregadores, ainda estamos longe de quebrar o tabu.”
Os jovens jornalistas estão constantemente acompanhados pelo pensamento de não fazer o suficiente e, portanto, de alguma forma falhar, defende o médico. Para além da carga de trabalho, os jovens jornalistas, em particular, estão sob pressão para se promoverem: uma presença no Twitter, Instagram e LinkedIn tornou-se potencialmente mais importante para muitos empregadores. Isto leva naturalmente a que os jovens jornalistas, em particular, sejam informados de que têm de estar constantemente presentes na Internet, por exemplo, para partilhar o seu trabalho ou publicar uma opinião sobre um determinado tema.
São poucos os jovens jornalistas que conseguem escapar à pressão para atuar nas redes sociais. Não é de admirar, porque, sobretudo nas redacções mais pequenas, continua a aplicar-se o que um experiente chefe de departamento descreveu um dia, um pouco envergonhado, num seminário no Reuters Institute, em Oxford: “Se não aguentas o calor, sai da cozinha”. Por outras palavras, se nos tornamos jornalistas, temos de ser capazes de aguentar. A sessão era sobre burnout. O tema tinha sido incluído no programa porque os editores seniores e executivos o tinham mencionado repetidamente como um dos maiores desafios para as suas redacções nas rondas confidenciais – e não principalmente no que diz respeito a missões de risco no país e no estrangeiro.
Argumentaram que o stress causado pela transformação digital era extremamente elevado: “Como podemos gerir o jornalismo digital e os processos de mudança 24 horas por dia, sete dias por semana, sem deixar a equipa à mercê do esgotamento?” Foi assim que o editor-chefe de um jornal diário britânico de renome se expressou. Num inquérito publicado pelo Reuters Institute em 2019, 62% dos executivos dos meios de comunicação social afirmaram que o burnout nas suas equipas era uma questão importante para eles.
Por um lado, esta é uma boa notícia, pois mostra que os chefes estão cada vez mais a reconhecer o problema e a levá-lo a sério.
“No jornalismo, sempre tivemos de ser rápidos e precisos ao mesmo tempo, estávamos expostos à concorrência, por vezes colocávamo-nos em perigo, tínhamos de processar más imagens e não tínhamos grande liberdade para organizar o nosso trabalho. Quando havia um incêndio, havia um incêndio. Mas atualmente, o que outrora caracterizava o bom jornalismo já não é, muitas vezes, suficientemente bom. Atualmente, os bons redactores também têm de entregar vídeos ou faixas de áudio, adaptar-se constantemente a novos fluxos de trabalho e produzir para diferentes plataformas. Para além disso, muitos estão expostos a um constante bombardeamento de comentários de ódio,” segundo o inquérito da Reuters.
Por isso, é importante formar os gestores da indústria dos media em conformidade. Têm de aprender a ler os sinais de sobrecarga – nos seus empregados e em si próprios. A ajuda profissional deve ser oferecida de forma mais sistemática. O assunto merece mais atenção. “No decurso do debate “Me Too”, muitas jornalistas ousaram falar pela primeira vez sobre o assédio sexual e a violência de que foram vítimas no trabalho. Foi um passo importante. Também tem de se tornar aceitável que os colegas que consideram outros aspectos do seu trabalho um pesadelo o revelem. Os jornalistas retiram muita energia da sua missão, pensam que são especiais. Mas, perante o excesso de trabalho, são apenas humanos,” defende Padrão Mendes.