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Sandra Barão Nobre: “Não há biblioterapia sem diálogo acerca do que se lê”

Pedro Gaspar

Sandra Barão Nobre autora dos livros Ler para Viver – Como a biblioterapia pode melhorar as nossas vidas (Nascente, 2024), Uma Volta ao Mundo com Leitores (Relógio D’Água, 2017) e Três Vezes Irão: Viagens Anotadas (Edições Húmus, 2021), é licenciada em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa,  desde 2016 dedica-se em exclusivo à Biblioterapia, como profissional independente.

A biblioterapeuta nasceu em França em 1972, viveu desde 1980 em Portimão, mas é em Matosinhos ou no Porto, categoricamente, que se sente em casa na sua casa.  Mostra valências versáteis no trabalho que desenvolve e viaja pelo mundo fora, sempre de máquina fotográfica na mão, documentando pessoas e cidades, vidas em imagens e em palavras. A adquirir sempre pequenos grandes tesouros. E confessa, «não posso passar sem livros e adoro viajar. Em 2014 fiz uma volta ao mundo de mochila às costas. Aprender continuamente é o meu maior estímulo».

A sua vida profissional passou pela Porto Editora, TVI, Vodafone, Fundação Serralves, entre outras, até que resolveu abraçar projectos por conta própria, onde revela, enfaticamente, que se sente muito mais feliz e realizada. Durante 12 anos foi gestora de conteúdos na maior livraria virtual portuguesa, a WOOK.
Dinamiza ações de formação sobre biblioterapia, acompanha clientes particulares e corporativos com esta terapia, coordena projetos biblioterapêuticos em várias instituições (estabelecimentos de ensino, empresas, associações, hospitais).

Explica que a etimologia da palavra Biblioterapia advém da junção de dois elementos de origem grega, “Biblíon”, que significa livro e “Therapeía”, ora então, declaradamente, terapia. «A Biblioterapia é uma prática que explora o impacto de carácter psicológico e emocional que as histórias têm no ser humano e procura pôr em marcha o potencial transformador que essas histórias encerram», afirma Sandra Barão Nobre.

Susana Barão Nobre. Foto: FILIPE PALMA

Como é ser biblioterapeuta?
Ser biblioterapeuta é um privilégio, uma responsabilidade, um exercício de criatividade e proactividade constante e, também, de gestão meticulosa. Ser biblioterapeuta é ter poucos dias rotineiros e percorrer o país de lés a lés em actividades em bibliotecas municipais, escolas, empresas ou hospitais, e a participar em eventos literários (festivais, palestras, congressos). Tenho sido feliz neste percurso de quase nove anos, com os altos e baixos normais e com muitas aprendizagens feitas. Estou profundamente grata a todas as pessoas e entidades que têm confiado no meu trabalho desde 2016. Sem elas não estaria aqui, no exercício desta profissão fora do comum.

Num mundo cada vez mais frenético, que livros “receitaria” aos mais jovens? Ou é bem mais do que uma simples recomendação de livros?
Para tentar alcançar tanto os jovens que têm hábitos de leitura regulares como os que possam não tê-los, faço duas recomendações de leitura acessível e de géneros distintos, sem prescindir da qualidade literária: “A Morte de Ivan Ilyich”, de Lev Tolstoi, para que despertem o quanto antes para os perigos de perder as rédeas da própria vida, de deixar-se ir numa corrente de comodismo, indulgência e falta de propósito da qual, por vezes, se desperta demasiado tarde; e “A Arte de Bem Descansar”, de Claudia Hammond, para prevenir quadros de exaustão. Este livro baseia-se num estudo sobre hábitos de descanso, realizado em 135 países e com dezoito mil participantes. Os resultados permitiram estabelecer uma hierarquia das dez actividades cujo carácter relaxante é justificado cientificamente (e a leitura é uma delas). No fim do livro é apresentada uma receita perfeita para descansar.
Mas sim, a biblioterapia vai muito além da mera recomendação de livros ou a mera mediação literária. Para que seja implementado de forma eficaz, o método biblioterapêutico implica que o mediador conheça em profundidade as pessoas com as quais está a trabalhar, tenha bem identificadas as suas necessidades e os seus objectivos, faça recomendações de leitura personalizadas e que essas leituras sejam depois “digeridas” através de diálogos regulares. Não há biblioterapia sem diálogo acerca do que se lê.

O biblioterapeuta é um mediador para que o leitor seja orientado até alcançar o seu propósito?
Sim, o biblioterapeuta, para além de ser o responsável pela recomendação das leituras mais adequadas ao perfil, às necessidades e aos objectivos dos seus clientes, é quem vai, mediante o diálogo, orientar a exploração do potencial transformador que essas leituras encerram e ajudar a implementar essas mudanças.

No seu livro “Ler Para Viver” diz “reconstruir o meu caminho até à biblioterapia implica reconhecer, abraçar e agradecer o que não pude controlar”. Adapta essa filosofia para tudo?
Essa é a primeira frase do texto que serve de introdução ao livro. Nesse texto procuro juntar as peças do puzzle que me trouxe até aqui, à profissão que exerço hoje. E, nesse caminho, houve, de facto, muita coisa que não pude controlar: ter nascido numa família de contadores de histórias, ter pais leitores, ter nascido em França — um país com uma relação fortíssima com os livros e a leitura — porque os meus pais decidiram emigrar, e por aí adiante. Isto é, houve, no meu percurso inicial, decisões que determinaram a minha relação com a leitura que não dependeram de escolhas minhas.
Também gosto de assumir o papel da sorte e do azar nas nossas vidas. Por vezes fazemos tudo bem e tudo corre mal; outras vezes, não nos esforçamos assim tanto e as coisas até vão correndo de feição. É por isso, também, que os conceitos de sincronicidade e serendipidade me dizem tanto. Hoje, já adulta, quando as principais decisões acerca da minha vida pessoal e profissional parecem estar, acima de tudo, nas minhas mãos — ainda que possamos questionar os limites do livre arbítrio e, na verdade, haja muito poucas coisas que possamos fazer sem depender de outros — ainda assumo que há aspectos que não posso controlar. Alguns até vêm por bem e sou grata por eles.

Acha que os médicos poderão prescrever receitas ou tratamentos de forma profícua?
Não gosto muito dos termos “receita” e/ou “tratamento” aplicados à biblioterapia, mesmo na sua vertente clínica — o termo “cuidado” é mais adequado, creio —, mas sim, assumo que os médicos podem aplicar biblioterapia de forma eficaz se forem leitores e se conhecerem bem os textos que recomendam aos seus pacientes. Aliás, a biblioterapia deve muito à medicina. Na sua prática mais sistematizada e científica, que começou entre os séculos XVIII e XIX, a biblioterapia estruturou-se, primeiro, pelas mãos dos médicos e de outros profissionais de saúde.

Foi uma humilde surpresa o seu livro estar no Plano Nacional de Leitura? Acredita que, com a cadência certa, mais portugueses serão abrangidos pelo seu mote?
Sendo o Plano Nacional de Leitura um dos principais agentes para a formação de leitores e a promoção do livro e da leitura em Portugal, foi com alegria (mais do que humildade, assumo) que vi o meu livro destacado como sugestão de leitura no âmbito do Consultório Literário que o PNL montou na última edição do Festival Literário Internacional de Óbidos. Estou-lhe muito, muito grata! No respeitante a ter mais portugueses a “Ler Para Viver”, há razões para algum optimismo, a acreditar nos dados divulgados pela APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, no passado mês de Setembro: os jovens entre os 15 e os 25 anos são os que mais compraram e leram livros em Portugal entre 2023 e 2024, um crescimento que pode vir a confirmar uma mudança de atitude, pela positiva, relativamente à leitura. Todos os que actuam nesta área esperam que os números se consolidem e continuem a crescer.

Com que autores gostaria de ser perder numa ilha deserta?
Com qualquer autora ou autor que tenha assumido publicamente uma posição de clara condenação e repúdio do genocídio em curso em Gaza e que tenha, no mínimo, vindo apelar publicamente ao cessar fogo. Há grandes silêncios no meio literário português que me custa imenso entender, quando noutros países a comunidade literária (e artística) tomou uma posição, nem que seja para pedir aos seus governos que abandonem posturas hipócritas. Perante a enormidade da tragédia humanitária e a mais gritante injustiça infligida a milhares de inocentes — a maioria mulheres e crianças —, a complexidade do conflito não me parece um argumento válido para justificar o silêncio português.

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