‘Joel, Joel, por favor, pára lá de correr… já estou tonta só de te ver dar tanta volta! Ainda cais e te magoas…!’
dizia-lhe a avó com carinho, preocupada que estava com a sua saúde, quando ele era pequenino e ficava à sua guarda, enquanto os pais iam trabalhar.
Joel nascera prematuro, fora crescendo devagarinho e os pais tinham achado melhor que ele ficasse à guarda da avó, em vez de ir para a creche. Contudo, Joel não parava quieto, e em dias de chuva, aproveitava o longo corredor do velho casarão dos avós, para correr todo o tempo até se cansar.
Mais tarde, na escola, diziam que ele parecia ter ‘bicho carpinteiro’. Fazia os trabalhos num instante e depois pedia à professora para ir para o recreio correr, correr, correr… os colegas riam-se e puseram-lhe até a alcunha de ‘o corredor’! Embora não fosse um grande aluno, logo que pôde escolher, resolveu seguir desporto e assim fez toda a sua vida ligada ao atletismo, a par do ensino de Educação Física. Corria diariamente, com chuva, ou com sol, e foi ganhando várias maratonas, nacionais e internacionais.
Um dia, porém, na véspera dos seus 30 anos, de manhã bem cedo, antes de ir para o trabalho na escola onde lecionava, foi correr como sempre fazia, e deu uma queda aparatosa: escorregou na estrada gelada, bateu com a cabeça e depois de longo tempo desmaiado e caído na berma da estrada, passou um carro com duas pessoas e vendo- o, de pronto pararam para o socorrer.
Joel estava então para casar, mas esse sonho de felicidade esboroou- se, bem como toda a carreira profissional, quando após várias cirurgias sem sucesso acabou por ficar numa cadeira de rodas…foi um tempo muito doloroso e difícil, física e psicologicamente. Joel não conseguia resignar-se. De início revoltou- se: ‘…mas por quê? Por que razão me havia de acontecer isto a mim???’
Esperava um milagre, que todos lhe diziam que podia acontecer, mas ele não vinha…
Os anos passaram, os pais envelheceram, cada vez era mais difícil cuidar de Joel em casa, e quando a mãe morreu, o pai teve de internar o filho num lar. Visitava-o diariamente e a pedido de Joel, o pai, embora com esforço e pedindo ajuda, pois já não era criança nenhuma e as forças também lhe iam faltando, levava-o até ao jardim em dias de sol, ou em dias de chuva, empurrava a sua cadeira de rodas ao longo do enorme corredor do lar…para trás e para a frente…
O corredor era afinal um espaço com reminiscências distantes…
ninguém percebia por que motivo logo de manhã cedo Joel chamava uma enfermeira ou uma auxiliar, para o levar até ao fundo do corredor…e ao fim do dia, repetia esse pedido…
Aos poucos, porém, outros residentes do lar, em circunstâncias semelhantes, começaram a juntar- se a Joel… e achavam piada, parecia um jogo interminável…até que um dia ele lhes propôs fazerem uma corrida de cadeiras de rodas no corredor…só precisavam de voluntários para empurrarem as cadeiras. Falaram com a diretora do lar, uma mulher jovem, alegre e compreensiva, e esta de imediato acolheu entusiasmada, aquele pedido… faltavam, porém, braços fortes para empurrarem as cadeiras dos ‘corredores’ durante os preparativos da maratona!
Joel lembrou- se então, que poderiam escrever uma carta a jovens universitários ou alunos do Secundário das escolas onde tinha trabalhado … e se assim pensou, melhor o fez! E em breve, começou a receber respostas de jovens estudantes disponíveis… também alguns professores, amigos e antigos colegas de Joel se juntaram e assim, aos sábados e domingos, com ajuda de voluntários começaram os treinos!
Finalmente, chegou o grande dia da maratona no corredor! Havia balões pendurados em cada porta e um frémito de entusiasmo e expectativa percorria aquela casa, como há muito não se via…
Joel venceu, ficou feliz com os aplausos de outros doentes e seus visitantes, mas sobretudo sentia no seu íntimo a alegria profunda de perceber que a vida ainda fazia sentido ao ver que levara alegria a tanta gente no lar e motivara tantos jovens a entrarem naquela onda de solidariedade.
Ao fim do dia, ao cruzar- se com uma outra jovem também doente e ali residente, que sempre trazia uma flor no cabelo e a todos sorria com doçura, ouviu dela estas palavras:
– ‘ Estas a ver, Joel? Querias um milagre… e ele aconteceu… diferente do que esperavas, é certo… mas o que hoje aqui aconteceu foi um verdadeiro milagre… agora já sabes por que razão estás vivo! Mudaste a vida de todos nós e fazes-nos falta aqui no lar!’