As eleições na Alemanha e o futuro da Europa

José Padrão Mendes, Médico intensivista e Neurologista

A CDU, antigo partido de Angela Merkel, agora liderado por Friedrich Merz, ganhou as eleições realizadas na Alemanha, ontem, dia 23 de fevereiro .

Numa noite histórica por diversas razões, talvez a vitória da CDU seja a menos relevante. 

A chamada extrema-direita alemã, representada pela AfD (Alternativa pela Alemanha) obteve um resultado histórico.

Pela primeira vez desde o final da segunda guerra mundial um partido deste espectro político atingiu uma votação superior a 20% na Alemanha, ou seja um quinto dos alemães votaram num partido que, para muitos, é quase um herdeiro do partido Nacional Socialista Alemão, ou seja, um partido herdeiro do nazismo.

Nas últimas semanas multiplicaram-se as manifestações contra a extrema-direita na Alemanha. Para muitos a história parece repetir-se. Não nos podemos esquecer que há 100 anos o Nazismo foi escolhido democraticamente pelos alemães.

O SPD do antigo chanceler, Olaf Scholz, ficou em terceiro lugar com o pior resultado dos últimos 130 anos de existência deste partido. Um rude golpe num partido histórico alemão, essencial tanto na manobra política alemã como na própria manobra política europeia. Scholz sai vergado a uma derrota humilhante, um dos partidos históricos do sistema é ultrapassado pelo partido da extrema-direita e o SPD arrisca-se a ter de fazer uma longa travessia no deserto para recuperar destes resultados.

Com estes resultados, o desfecho parece ser inevitável, uma coligação entre a CDU e o SPD para conseguir alcançar um governo estável. Uma coligação do bloco central que terá uma maior probabilidade de trazer estabilidade, mas terá o grande problema de dar a oposição à AfD. Uma coligação tripartida, com a CDU, o SPD e os Verdes parece ser mais improvável, mas na politica tudo pode acontecer.

Nestas eleições também se bateram recordes de participação. Confrmou-se que os alemães ansiavam por mudanças. Das pessoas chamadas a votar, 84% exerceram o seu direito de voto. Nas últimas eleições, em 2021, tinham ido às urnas 76,6% dos eleitores.

Mas nestes últimos anos muitos eventos ocorreram que explicam estes resultados. Houve uma pandemia que nos fez repensar e muito as prioridades na nossa vida e uma guerra no coração da Europa que fez com que a energia na Alemanha ficasse três ou quatro vezes mais cara e a inflação disparasse.

Também a mudança política na América teve a sua influência. Mas o que mais influenciou este resultado foi a crescente onda anti-imigração que assola a Europa, com especial incidência na Alemanha.

Não nos podemos esquecer que foi sob a governação de Angela Merkel e, em consequência da primavera árabe com o máximo expoente na crise Síria, que a Alemanha abriu as portas à imigração do médio oriente. Foi há quase 15 anos que começou uma crise humanitária no Médio Oriente com a revolta Síria e a Alemanha rapidamente acedeu a receber de braços abertos os refugiados do conflito.

Todos, sem exceção, pensaram que seria uma situação win-win para todos. A Alemanha com a população envelhecida, com falta de mão de obra conseguia ir buscar jovens trabalhadores com certa facilidade e a população fustigada pela guerra poderia encontrar uma terra que a acolhesse.

Mas a integração não decorreu como se esperava. O choque cultural foi demasiado grande. Culturas, religiões e formas de ver a vida diametralmente opostas chocaram demasiadas vezes. Muitos pensaram, tal como Angela Merkel quando disse “Wir schaffen das” (“Nós conseguimos”), que integrar 1 milhão de imigrantes num país de 80 milhões não seria assim tão complicado, mas a realidade demonstrou ser outra. O ponto de viragem foi a passagem de ano de 2015 para 2016, quando mais de 200 mulheres apresentaram queixa por assédio sexual e 2 por violações ocorridas na noite de 31 de dezembro com os piores eventos a ocorrerem na cidade de Colónia. Essas queixas visaram essencialmente homens vindos do médio oriente e criou tanta comoção social que desde essa altura o sentimento anti-imigração tem-se vindo a desenvolver.

Quem aproveitou para surfar essa onda foi mesmo a AfD, partido recente, gerado de uma excisão da própria CDU de Merkel, criado em 2013 por professores de economia e finanças como uma resposta à crise da dívida soberana da Europa e do Euro. Ou seja um partido eurocético, nacionalista que defendia e defende a saída da Alemanha do Euro e da Europa.

Mas com o tempo e o surgimento das questões de imigração e do islão foi-se tornando cada vez mais conservador, tendendo para a extrema-direita e centrando a sua política contra os imigrantes. Muitos dos fundadores iniciais do partido desfiliaram-se e não se reveem mais no que o partido se tornou.

Desde o fim da pandemia até ao momento presente que a Alemanha tem apresentado um crescimento económico anémico, estando em recessão há 2 anos. Não houve um aumento do desemprego, mas os salários reais diminuíram devido à crise de inflação decorrente da guerra na Ucrania. Os alemães vivem pior hoje que há 5 anos. Grandes empresas industriais, outrora grandes referentes a nível mundial nas suas áreas e motores económicos da economia alemã e europeia, tais como BASF, Siemens, Bayer, Volkswagen ou Bosch, encontram-se com graves problemas devido ao aumento dos preços da energia, à falta de produtividade da economia alemã, à falta de mão de obra e à concorrência chinesa.

Despedimentos, encarecimento de produtos e deslocalizações de fábricas têm sido uma constante nos últimos anos.

Todo este clima social e económico foi o caldo de cultivo ideal para o grito de revolta da população que terminou no voto da AfD como segundo partido mais votado na Alemanha. Outros partidos de direita, com ideias também de direita, liberais economicamente, mas que não tinham ideias tão radicais para com a imigração ficaram de fora do parlamento alemão.

Neste caso concreto falo de um dos grandes perdedores da noite, que foi o FDP (Partido Democrático Livre), que integrou o anterior governo e que nestas eleições nem conseguiu eleger deputados. O FDP sofreu também por ter feito cair o anterior governo ao roer a corda da coligação. O FDP, partido liberal, não queria aumentar a despesa e a dívida pública alemã, nem que fosse para fazer investimentos estratégicos no país, como em infraestruturas, na digitalização da economia e da administração pública assim como em investimentos na economia verde.

Esta cegueira ideológica levou-os a ficar fora do parlamento e a fazer com que a Alemanha não tenha orçamento nacional aprovado para 2025.

Um dos temas do momento e das eleições foi a guerra na Ucrânia, que já fez em fevereiro 3 anos. É um tema sensível, com vozes de todos os quadrantes a referirem que se tem de gastar e investir mais em defesa. A guerra na Ucrânia tem levado a um aumento importante nos gastos de defesa da Europa, mas muitos países ainda não cumprem com a meta de 2% do PIB investidos em defesa.

A CDU é a favor de aumentar a despesa nessa matéria assim como de garantir um maior apoio, não só financeiro, mas também militar à Ucrânia. É uma guerra que já está a cansar muitos europeus, principalmente alemães, que já há 3 anos que aguentam com as consequências. Na Alemanha associa-se a guerra da Ucrânia com o estancamento da economia e a inflação. Logo terminar com a guerra e, principalmente, com as suas consequências é uma das tendências políticas atuais. O facto de o presidente dos EUA estar a encetar negociações com a Rússia sem a participação da Europa também coloca a política alemã numa posição delicada porque, de certa maneira, não consideram importantes os países europeus em geral e a Alemanha em particular nesta questão.

Os EUA consideram neste momento a Europa irrelevante em matéria de defesa, uma situação que a CDU deseja mudar.

Destas eleições também houve uma diminuição na votação no partido “Os Verdes”. É uma tendência que acompanha o voto na extrema-direita. Em todos os países em que os votos na extrema-direita aumentaram existe uma tendência de diminuição nos votos em partidos ecologistas ou partidos com programas baseados na defesa do ambiente. Este é um tema particularmente sensível para a Alemanha, devido à sua grande indústria automóvel que ainda produz a grande maioria dos seus automóveis com motores de combustão.

A UE queria já em 2035 proibir a venda de qualquer carro novo movido a combustíveis fósseis. Mas numa década a indústria alemã não se consegue adaptar, além disso essa mudança acarretaria uma mudança radical, profunda e estrutural na economia, estrutura económica e estrutura do mercado de trabalho para a qual a sociedade alemã não se encontra preparada. A AfD também usou destes receios de mudança para ganhar votos, pois um dos seus mantras nestas eleições foi não cumprir com a legislação europeia no que toca a meio ambiente e restrições ao uso de combustíveis fosseis. A AfD pretende devolver a soberania ambiental aos países europeus e que as leis originadas na europa sejam retificadas no parlamento de cada país.

As eleições de 23 de fevereiro podem marcar uma mudança de paradigma na Alemanha e em toda a Europa. Por um lado, pode ser que o cordão sanitário imposto à extrema-direita na Alemanha caía. Isso não significa que a AfD faça parte de um governo alemão, mas pode ser que algumas leis em matérias especificas como Migração e Ambiente sejam aprovadas com o seu voto. Por outro lado o investimento em projetos e leis que defendam o ambiente fica de alguma forma colocado em segundo plano, sendo a prioridade o investimento em defesa e a recuperação económica.

A paisagem política está a mudar na Europa, essencialmente devido ao crescimento dos populismos tanto de esquerda como de direita, à polarização da sociedade e à eleição de Donald Trump nos EUA. A Europa terá de enfrentar os seus medos e enveredar por mudanças estruturais difíceis para evitar a ascensão dos extremismos.

O estado social na Europa está a ser colocado em risco e a concorrência chinesa está a destruir os cimentos da industria europeia, apenas com politicas corajosas e reformas certeiras poderemos reverter esta situação. Esperemos que a Alemanha seja o farol nesta Europa tao necessitada de orientação.

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