Como era altamente previsível, malgrado o teor caustico de muitas críticas, tanto do Chega como do PS, durante o debate, a moção do PCP foi rejeitada, pois apenas contou com os votos favoráveis do próprio partido, do Livre e do BE. No entanto, esta rejeição convida a outras reflexões sobre o sistema político português, designadamente sobre a Constituição.
Muito antes de o programa do XXV Governo Constitucional ser conhecido, já Paulo Raimundo, na qualidade de Secretário-geral do PCP, anunciava que o partido iria apresentar uma moção de rejeição ao mesmo. Como argumento para rejeitar o que desconhecia, Paulo Raimundo limitou-se a repetir aquela que é a versão pouco atualizada da conhecida cassete dos tempos de Álvaro Cunhal e que, provavelmente por excesso de uso, tem cada vez menos ouvintes. Daí que o PCP seja o novo «partido do táxi» e com um dos lugares vagos para acomodar a ideologia marxista-leninista.
O PCP sabia, igualmente com muita antecedência, que a sua moção de rejeição iria fazer jus ao nome e ser rejeitada. Só que Paulo Raimundo quis marcar terreno numa conjuntura em que se aproxima aquela que é a grande – e cada vez mais derradeira – batalha do PCP, ou seja, as autárquicas. Uma eleição na qual o partido ambiciona recuperar alguns dos bastiões perdidos por conta do apoio à geringonça costista. Além disso, a circunstância de o Bloco de Esquerda estar reduzido a um lugar parlamentar e, como tal não poder apresentar uma moção de rejeição, uma vez que não dispõe de grupo parlamentar, concedeu palco ao PCP que só teve de se antecipar ao Livre.
Verdade que o PCP não pode ser acusado de violar a Constituição. De facto, a Lei Suprema portuguesa admite não apenas a apresentação de moções de rejeição ao programa do Governo – artigo 192.º, ponto 3 – como de censura – artigo 194.º – sendo que a aprovação quer de uma, quer de outra implica a demissão do Governo – artigo 195.º, ponto 1, alíneas d) e f).
Como era altamente previsível, malgrado o teor caustico de muitas críticas tanto do Chega como do PS durante o debate, a moção do PCP foi rejeitada, pois apenas contou com os votos favoráveis do próprio partido, do Livre e do BE. No entanto, esta rejeição convida a outras reflexões sobre o sistema político português, designadamente sobre a Constituição.
De facto, Portugal vive uma conjuntura em que a oitava revisão da Constituição aprovada em 1976 está longe de colher unanimidade, pois é vista como uma ameaça à democracia por parte da extrema-esquerda, da esquerda liberal e da ala mais à esquerda do PS e até de alguns setores do PSD. Uma interpretação que não subscrevo por vários motivos, um dos quais se prende com a temática em análise.
Assim, ao contrário do que se passa noutros países, nomeadamente em Espanha e na Alemanha, a moção de censura prevista na nossa Constituição não é construtiva, ou seja, o partido ou os signatários que a apresentam não são obrigados a ter uma alternativa viável de Governo, se a moção for aprovada e o Governo cair. Dito doutra forma: em Portugal, basta arregimentar o número de deputados suficiente para derrubar o Governo, mesmo que os signatários não disponham de outra solução governativa e, como previsto constitucionalmente, passem a batata quente para as mãos do Presidente da República.
Afinal, é bem mais fácil derrubar do que construir! Sendo verdade que, no caso de não aprovação, esses signatários não poderão apresentar outra moção de censura durante a sessão legislativa – artigo 194º, ponto 3 – não é menos verdade que a vida parlamentar se tem encarregado de provar que a larga maioria das moções de censura não surte qualquer efeito prático, para além do tempo de antena concedido aos signatários.
À guisa de conclusão importa dizer que aqueles que se consideram lídimos defensores da Constituição e recusam qualquer revisão sob o pretexto de que a democracia fica em perigo sabem muito bem que existem limites materiais de revisão – artigo 288.º – que asseguram que nenhuma revisão pode alterar o ADN da Constituição.
A democracia, na sua ânsia de liberdade, acaba por acolher atos que não prestigiam o funcionamento das instituições.