O Instante atómico e a Paz no Mundo. A bomba atómica de Nagasaki

Ricardo Formigo

Desde o início do seu pontificado que o Papa Leão XIV tem sido uma voz sonante no apelo à paz. Recentemente, na mensagem ao Bispo de Hiroshima pelos 80 anos dos bombardeamentos o papa volta a insistir no caminho da paz, uma paz que é desarmada e desarmante, humilde e preserverante.

Este ano, em pleno Jubileu da Esperança, comemoram-se os 80 anos da queda das bombas atómicas no Japão: a 6 de agosto, a bomba Little Boy devastou a cidade de Hiroshima e poucos dias mais tarde, a 9 de agosto, caiu a bomba atómica Fat Man em Nagasaki, dia de Santa Teresa Benedita da Cruz

Sabia-se, devido a rumores, que tinha havido um ataque aéreo em Hiroshima, mas a verdadeira magnitude dos danos tinha sido abafada. A guerra na Europa tinha terminado em maio de 1945, com a Batalha de Berlim que marcou o fim do domínio nazi na Europa. No entanto, a guerra continuou no Pacífico. Certo de que era necessário pôr um fim à guerra o mais depressa possível, o governo americano decidiu lançar duas bombas: uma para mostrar que tinham esse poder e outra para mostrar que não tinham medo de o usar. A tecnologia desenvolvida pelo cientista Oppenheimer, o fogo de Prometeu libertado, utilizada para devastar estas duas cidades, fez com que o Japão não tivesse outra alternativa senão render-se.

A cidade de Nagasaki, muito antes da bomba atómica, já era uma cidade destinada ao sacrifício: uma cidade de santos, mártires e samurais. A 15 de agosto de 1549, São Francisco Xavier, o Apóstolo do Japão, chega ao Extremo Oriente e começa a evangelizar. Em pouco mais de 50 anos, o país do sol nascente foi um excelente exemplo de evangelização durante os Descobrimentos. Em 1597, São Paulo Miki, um dos primeiros padres jesuítas japonês, foi crucificado juntamente com os seus companheiros em Nagasaki, na colina de Nishizaka. Segundo a tradição, morreram dando glória a Deus, cantando o Te Deum.

De 1644 a 1853, o Japão viveu o período Sakoku, no qual ninguém entrava nem saía do arquipélago e o cristianismo era uma religião perseguida. Os descendentes dos primeiros cristãos tiveram então de viver escondidos, praticando os atos de fé, ministrando o sacramento do batismo, rezando e mantendo objetos religiosos para a devoção privada. Segundo a lenda, sete gerações depois um sacerdote voltaria a pisar a terra do Japão. Para o reconhecer, os cristãos escondidos (chamados Kakure Kirishitan) sabiam que teriam de fazer três perguntas: “Onde é que o teu chefe vive?”, “És casado?” e “Quem é aquela senhora?”. Se o inquirido respondesse corretamente às três perguntas, os cristãos poderiam revelar-se. Foi o que aconteceu em 1863 quando o Padre Petitjean chegou ao Japão e encontrou aqueles que durante anos viveram a fé sob a perseguição do imperador, tal como os primeiros cristãos em Roma.

O sangue dos mártires é semente de cristãos. O martírio não é circunstância desconhecida do cristão, nem é algo que faz parte apenas da História antiga em que os cristãos morriam no Coliseu de Roma, devorados pelas feras de Nero. Também na Segunda Guerra Mundial se conheceram os mártires. A 9 de agosto (do ano de 1942), Edith Stein, nascida judia e que se tornou Santa Teresa Benedita da Cruz, morrendo como carmelita e mártir nas câmaras de gás em Auschwitz, deu testemunho da sua fé. Um ano depois, o austríaco Franz Jagerstatter, objetor de consciência que se recusou a lutar por Hitler, morreu na guilhotina. A história deste homem e da sua mulher é magnificamente levada aos ecrãs no filme Uma Vida Escondida (2019) de Terrence Malick.

Para conhecer melhor o impacto da bomba atómica em Nagasaki é necessário ler as páginas escritas por Takashi Paulo Nagai, médico japonês que se converteu ao cristianismo e que conheceu a fé através da sua mulher, Midori Moriyama, descendente de mártires, que perdeu a vida na queda da bomba atómica. A clareza de Takashi, temperada pela dor e pela perda, de que o sofrimento dos habitantes de Nagasaki podia redimir o mundo pelos pecados cometidos contra a humanidade na Segunda Guerra Mundial, bem como a crença de que o bombardeamento de Nagasaki traria um ponto final na guerra, são visíveis na sua autobiografia, Aquilo que nunca morre.

“Aquela bomba atómica colocou um ponto final na Segunda Guerra Mundial. A de Hiroshima, que viera antes, ainda era só uma vírgula.”1

“Parem as guerras!”, gritou para as cinzas. “Parem as guerras para sempre! Que as cicatrizes deixadas pela bomba atómica em Nagasaki sejam o ponto final dos conflitos entre os homens!”2

No dia 23 de novembro de 1945, nas ruínas da catedral do bairro cristão de Urakami, a maior igreja do Extremo Oriente até à bomba, Takashi, autoridade incontestável dos sobreviventes da cidade, falou aos seus conterrâneos:

Não foi de certeza o equipamento aéreo americano a escolher o nosso bairro. Eu acredito que foi Deus, a sua providência, a escolher Urakami e a fazer com que a bomba caísse exatamente por cima das nossas casas. Não existe, portanto, uma relação entre a aniquilação de Nagasaki e o fim da guerra? Não foi Nagasaki a vítima escolhida, o cordeiro imolado, para ser a oferta perfeita sobre o altar, depois de todos os pecados cometidos pelas nações na Segunda Guerra Mundial?3

Toda a vida de Takashi tinha sido reduzida a pó. A sua amada mulher estava morta, os seus alunos estavam reduzidos a ossos, o hospital onde trabalhara era apenas ruínas, as suas investigações no campo da radiologia eram cinzas. “Para que viverei daqui em diante?” – é esta a pergunta que Takashi faz a si próprio, não cancelando um grande sofrimento.

Uma vida inteira que se transforma em cinza!
Não conseguia suportar uma vida sem sentido! Tinha de encontrar algo que não perece. Tinha de se agarrar àquilo que nunca morre. O tempo passa, o espaço desvanece-se, os seres vivos morrem, mas nós temos de viver a vida para preservar o que não perece, o que não morre.

“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar”. Compreendera que aquilo que ultrapassa o tempo e o espaço e permanece para sempre é a Palavra de Jesus Cristo que é Deus. A vida na Sua Palavra, a vida com a Sua palavra, a vida que ama Deus e que é amada por Deus, a vida sobrenatural, a vida do espírito: é esta a vida verdadeira que um homem deve viver.4

Desde o início do seu pontificado que o Papa Leão XIV tem sido uma voz sonante no apelo à paz. Recentemente, na mensagem ao Bispo de Hiroshima pelos 80 anos dos bombardeamentos o papa volta a insistir no caminho da paz, uma paz que é desarmada e desarmante, humilde e preserverante.5

(1) Takashi Paulo Nagai, Aquilo que nunca morre;
(2) ibid;
(3) Takashi Paulo Nagai, Pensamentos do Nyokodo;
(4) Takashi Paulo Nagai, Aquilo que nunca morre;
(5) https://www.vatican.va/content/leo-xiv/en/messages/pont-messages/2025/documents/20250714-messaggio-hiroshima-nagasaki.html;

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