“As Massas”, um tema muito querido a Ortega y Gasset

Susana Mexia, Professora de Filosofia

Ortega y Gasset, um filósofo pouco estudado no nosso mundo hodierno, um percursor ou “profeta” dos tempos que nos envolvem e circundam, um livro a ler, uma teoria a ponderar. Quer se goste ou não, é sempre uma perspectiva válida a acrescentar ao nosso conhecimento e assim, poderemos confrontar a definição orteguiana de “homem massa”, com a qual, seguramente, não nos identificaremos.

José Ortega y Gasset nasceu em Madrid, no dia 9 de Maio de 1883, numa família ligada ao jornalismo e à política. Em 1897, depois de concluir o bacharelado em Málaga, começou os seus estudos universitários, primeiro em Deusto, Bilbau, e depois na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Central de Madrid.
Entre 1905 e 1907, estudou em várias cidades alemãs, como Leipzig, Nuremberga, Berlim e Marburgo, onde contactou com pensadores neo-kantianos.

De regresso a Espanha, foi nomeado professor de Psicologia, Lógica e Ética na Escola Superior do Magistério de Madrid e, em 1910, assumiu a cátedra de Metafísica na Universidade Central.

Se até 1910 a sua vida permaneceu na esfera privada, a partir dessa data começa a vida pública de Don José Ortega y Gasset, dividida entre ensino universitário e actividades culturais e políticas extra-académicas.
Em 1916 foi co-fundador do jornal El Sol; e em 1923, no ano do início da ditadura do general Primo de Rivera, fundou e dirigiu a Revista de Occidente.

Com o início da guerra civil espanhola, em julho de 1936, Ortega iniciou uma fase de angústia vital (mais concretamente, medo) que o levou a percorrer o mundo. Primeiro viajou até Paris e Países Baixos, onde deu palestras em Leiden, Haia e Amsterdão. Mais tarde foi para a Argentina, e em 1942, estabeleceu-se em Portugal, onde escreveu a sua obra: Origem e Epílogo da Filosofia. Tendo regressado definitivamente a Espanha viria a falecer em Madrid a 18 de outubro de 1955.

O seu pensamento influenciou diversas áreas do saber, em sua memória, o jornal espanhol El País concede o Prémio Ortega y Gasset anualmente àqueles que se destacam no campo do jornalismo e da comunicação.

«É uma paisagem de puerilidade exemplar aquela que o mundo nos mostra agora. Na escola, quando alguém dá a notícia de que o professor saiu, a turba infantil encabrita-se e indisciplina-se. Cada qual sente o prazer de se libertar da pressão imposta pela presença do professor, de tirar o jugo das normas, de se pôr de pernas para o ar, de se sentir dono do próprio destino. Mas como, tirada a norma que fixava as ocupações e as tarefas, a turba infantil não tem trabalho próprio, uma ocupação formal, uma tarefa com sentido, continuidade e trajetória, resulta que não pode executar mais do que uma coisa, a cambalhota. É deplorável o frívolo espetáculo que os povos menores nos dão.»

A massa é o homem médio, medíocre. Não tem a ver com classe social, mas com algumas classes de homens. A multidão ou massa social é a reunião das massas. Ganham poder e passam a ter a qualidade de ser genérico.
O homem massa ascendeu aos postos que eram reservados às minorias. Suplantou-as. E esse é um grande perigo eminente para a civilização. As massas acreditam que podem ditar os rumos da sociedade, através de suas aspirações e gostos universais.

O nobre é por natureza um ser esforçado, procura ser melhor, busca a excelência. Pauta-se pela disciplina, pelos deveres e não pelos direitos. O homem massa, ao contrário, é vulgar e inerte, vive da sua própria perpétua imanência, mas quer suplantar os nobres. É o espírito do tempo decadente. O ser mediano sempre existiu, mas este, outrora, era mais dócil, percebia qual era o seu lugar e reconhecia as suas incapacidades. Agora tornou-se, fatalmente, um motorista desgovernado. Nem os factos, nem as pessoas o seguram. Ele cria o seu próprio mundo e fabrica a sua única verdade.

Nenhuma estrutura exterior ao homem massa lhe causa sensação de limite. Ele só se escuta a si. Fechou-se! Não reconhece nenhum tipo de transcendência. Sente-se soberano em sua vida. O homem vulgar difere do homem excelente, pois este exige muito de si mesmo, e percebe as suas limitações.

O paradoxo do século XX é que a existência, o mundo, abriu enormes possibilidades ao homem médio, mas não se importa com as consequências. Sente-se perfeito. É vaidoso. É vulgar. E impõe a sua vulgaridade como direito, como norma.
O autor coloca a questão e avança com a sua minuciosa e exaustiva resposta ao problema que tem subjacente:
«Quem Manda no Mundo?
A civilização europeia, produziu automaticamente a rebelião das massas. No seu anverso. O facto desta rebelião apresenta um cariz ótimo; já o dissemos: a rebelião das massas e o crescimento fabuloso da vida humana no nosso tempo são precisamente a mesma coisa. Mas o reverso do mesmo fenómeno é tremebundo; visto por essa face, a rebelião das massas identifica-se totalmente com a desmoralização radical da humanidade. (…)
O mundo sofre hoje uma grave desmoralização que se manifesta, entre outros sintomas, por uma desaforada rebelião das massas, e tem a sua origem na desmoralização da Europa. (…)

A questão é esta: a Europa ficou sem moral. Não é que o homem massa despreze uma antiquada em prol de outra emergente, mas que o centro do seu regime vital consiste precisamente na aspiração a viver sem se submeter a moral alguma. O imoralismo tornou-se extremamente barato, e todos se gabam de o praticar».

«O meu livro A Rebelião das Massas começou a publicar-se em 1927, mas boa parte das suas ideias já estão antecipadas noutro anterior, aparecido em 1921 sob o título de Espanha Invertebrada. Trata-se, pois, de ideias, de entrevisões que datam de há trinta anos. Trata-se, portanto, de ideias já muito velhas, e o que me surpreende é que aquele livro continue hoje a ser mais lido do que nunca. Traduzido nas mais diversas línguas, creio que até à data se vendeu mais de meio milhão de exemplares. Ora bem, isso não me envaidece nada. Pelo contrário, o favor que esse livro encontrou em todas as pessoas, acreditam, significa para mim uma objecção contra as pessoas, pois revela que naqueles anos ninguém soube ver melhor do que eu e em obra mais madura e perfeita o que começava a suceder. Porque acontece que o meu volume intitulado A Rebelião das Massas nunca teve, pela minha parte, a pretensão de ser um livro ilustre. Mais ainda: nunca teve sequer a pretensão de ser um livro. É simplesmente uma série de artigos publicados num jornal popular de grande circulação: El Sol».

«A autoridade que o meu livro, sem eu o pretender, adquiriu no mundo, deve-se a que se faziam algumas profecias graves que a estas horas, desgraçadamente, se cumpriram.
As pessoas sentiram sempre admiração, quando se mistura o respeito e a inquietação, por esses homens estranhos que previam o futuro. Porque o futuro é a região do tempo onde nós, os homens, na realidade vivemos. A vida, não esqueçamos, é um trabalho que se faz andando para a frente. O que nos importa e inquieta é o que se pode passar no momento que está para vir, o imediato, ou o longínquo. O homem está a todo o instante projetado sobre esse vazio pavoroso que é o porvir. Ora bem, digo que o futuro, o porvir é uma coisa vazia diante de nós, porque é a dimensão problemática da nossa vida. Nunca sabemos o que nos vai trazer, o que nos vai acontecer. É o essencialmente inseguro».

Recordemos que o objetivo da sua filosofia é encontrar o ser fundamental do mundo. Este “ser fundamental” é radicalmente diferente de qualquer ser contingente, intra-mundano ou “homem massa”; e também é diferente do sujeito que nos é “dado” (expressão com a qual Ortega se refere ao conteúdo de nossa consciência).

O conteúdo da nossa consciência é, por definição, fragmentário pelo que não pode abranger o significado do mundo e da sua existência. O único conhecimento para abordar esta questão será exclusivamente o filosófico.

Nele a Filosofia está ligada à palavra circunstância, daí a sua famosa expressão: «eu, sou eu e a minha circunstância, e se eu não a puder salvar, então não me posso salvar».

A vida humana é uma realidade radical, isto é, aquela em que todas as outras realidades aparecem e emergem, incluindo qualquer sistema filosófico, real ou possível. Para cada ser humano, a vida assume uma forma concreta, não se compreende a vida tomada como algo geral ou como espécie de ser transcendental.

“Ela é a minha realidade radical na medida em que ela é condição sine qua non, ou seja, necessária, para que todas as outras realidades humanas se desenvolvam. Essa realidade, cujo fundamento é a própria vida está imersa e rodeada por circunstâncias várias.”

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