Quais são afinal as prioridades de Leão XIV?

Pedro Gil, Consultor de Comunicação

No dia seguinte à sua eleição, o novo Papa Leão XIV leu aos cardeais que o elegeram a sua primeira homilia. Uma homilia preparada. Uma homilia a ajustar o foco, a fazer pontaria.

Ao fim de quatro meses como Papa, não é simples responder à pergunta. Seria, se tivesse dito: “as minhas prioridades são estas”. Mas não disse. Temos de as desvendar.

Sabemos que escolheu o nome Leão para se ligar a Leão XIII, o Papa que, no século XIX, procurou as respostas da fé, frescas, convincentes e transformadoras, para as mudanças da revolução industrial, que agora têm paralelo sobretudo nos acelerados progressos tecnológicos.

Sabemos também que apelou à paz, à unidade, ao diálogo logo na primeira mensagem à varanda de São Pedro.
Sabemos que na primeira reunião de trabalho com todos os cardeais pediu melhor comunicação da Igreja e reuniões regulares dos chefes de departamento, uma espécie de conselho de ministros do governo da Igreja.

Temos depois o seu perfil: homem da paz, do sorriso tranquilo, da humildade simples, da escuta atenta. Desempenha a função com um à vontade distendido, como se já a exercesse há muito tempo. Cuida com sensatez da alma e também do corpo: até à eleição ia semanalmente ao ginásio, com “personal trainer”.

Fala-se que visitará a Turquia para os 1 700 anos do decisivo concílio que eliminou dúvidas e pôs todos os cristãos a reconhecer que Jesus é Deus, plenamente Deus, inquestionavelmente Deus, e a dizer dele que é “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro”. Fala-se também que irá ao Líbano, e que virá a Fátima. Veremos. Este ano publicará o seu primeiro documento extenso. Leremos. Junte-se ainda as palavras ditas (e não ditas), sinais, vestes e atitudes, e temos o esboço de um retrato.

Não esqueçamos, porém que no dia seguinte à eleição, 9 de maio, leu aos cardeais eleitores a sua primeira homilia. Uma homilia preparada, a ajustar o foco, a fazer pontaria, dizendo ao que vem, e as dificuldades previsíveis.

A missão: falar do inaceitável
Para que existe a Igreja? Para que serve afinal o Papa? Para partilhar um só tesouro: Jesus é o Messias, o filho de Deus vivo. Mas será isso importante? É messias: o homem esperado para inaugurar uma nova era de paz. É “filho de Deus vivo”: é realmente o Deus único, feito homem.

Num país de tradição católica desvitalizada, como Portugal, a frase pode soar gasta, sem nada para dar. No entanto, a notícia é extraordinária. Sendo Deus bondade e nunca uma ameaça para homem, não estamos condenados ao mal, à vingança, à inveja, à solidão, à violência, ao abuso, à corrupção, à traição, ao ódio, à tristeza, à depressão. Jesus tornou-se o único salvador desses males.

Deus quer ser próximo e por isso se mostrou como criança, adolescente, homem maduro, e, após regressar da morte, num corpo humano para lá de toda a limitação. Agora já não se pode dizer: “de Deus não se sabe nada”; e caducou a queixa irónica: “se Deus quer que o conheçamos, devia fazer um esforço por se dar a conhecer”. Agora Jesus é um “tutorial” da arte de viver.

A Igreja, e o Papa, servem para voltar a tornar fresca e atraente esta notícia. Mas vão encontrar duas resistências.

A resistência dos vários círculos do poder

Jesus foi polémico, criticado pelos instalados na sociedade religiosa e política. Autossuficiente e orgulhoso do seu poder, esse mundo «considera Jesus uma pessoa totalmente desprovida de importância, quando muito uma personagem curiosa, capaz de suscitar admiração com a sua maneira invulgar de falar e agir. Por isso, quando a sua presença se tornar incómoda, devido aos pedidos de honestidade e às exigências morais que solicita, este “mundo” não hesitará em rejeitá-lo e eliminá-lo.»

Também hoje não faltam «contextos em que a fé cristã é considerada uma coisa absurda, para pessoas fracas e pouco inteligentes; contextos nos quais em vez dela se preferem outras seguranças, como a tecnologia, o dinheiro, o sucesso, o poder e o prazer.»

Nestes ambientes não é fácil conversar sobre Deus, «quem acredita vê-se ridicularizado, contrastado, desprezado, ou, quando muito, suportado e digno de pena. No entanto, precisamente por isso, são lugares onde a missão se torna urgente, porque a falta de fé, muitas vezes, traz consigo dramas como a perda do sentido da vida, o esquecimento da misericórdia, a violação – sob as mais dramáticas formas – da dignidade da pessoa, a crise da família e tantas outras feridas das quais a nossa sociedade sofre, e não pouco.»

A resistência das pessoas comuns e até dos… crentes
Além dos poderosos, no tempo de Jesus não faltou também a resistência de muitas “pessoas comuns”. «Para elas, o Nazareno não é um “charlatão”: é um homem justo, corajoso, que fala bem e que diz coisas certas, como outros grandes profetas da história de Israel. Por isso, seguem-no, pelo menos enquanto podem fazê-lo sem demasiados riscos ou inconvenientes. Porém, porque essas pessoas o consideram apenas um homem, no momento do perigo, durante a Paixão, também elas o abandonam e vão embora, desiludidas.»
Que diria uma sondagem que hoje perguntasse “Quem é Jesus Cristo?” e oferecesse três opções: a) alguém especial, acima dos homens mas abaixo de Deus; b) um homem como os outros; c) perfeito Deus e perfeito homem?

Leão XIV tem consciência de que, para muitos, Jesus, embora apreciado, é reduzido a mais um líder carismático ou super-homem, «e isto não apenas entre os não crentes, mas também entre muitos batizados, que acabam por viver, a este nível, num ateísmo prático.»

Onde buscar forças
Leão XIV olha para esta realidade sem lamento, com realismo: é o mundo confiado à Igreja.
Importa voltar a estrear a espantosa surpresa por serem verdade as palavras de Pedro a Jesus: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo».
«É essencial fazê-lo, primeiramente, na nossa relação pessoal com Ele, no empenho em percorrer um caminho quotidiano de conversão.» «Digo isto, em primeiro lugar, para mim mesmo, como Sucessor de Pedro, ao iniciar esta minha missão».
O seu programa é claro: «desaparecer para que Cristo permaneça, fazer-se pequeno para que Ele seja conhecido», «gastar-se até ao limite para que a ninguém falte a oportunidade de O conhecer e amar.»

Seja Apoiante

O Estado com Arte Magazine é uma publicação on-line que vive do apoio dos seus leitores. Se gostou deste artigo dê o seu donativo aqui:

PT50 0035 0183 0005 6967 3007 2

Partilhar

Talvez goste de..

Apoie o Jornalismo Independente

Pelo rigor e verdade Jornalistica