A ARTE DA POLÍTICA. Responsabilidade política e eleições

Sílvia Mangerona, Politóloga e Professora universitária

A ARTE DA POLÍTICA é uma coluna de opinião da autoria da politóloga Sílvia Mangerona.

Nos últimos dias, depois do acidente do elevador da Glória, muito se tem escrito e falado de responsabilidade política. A pergunta que se impõe é: o que é afinal a responsabilidade política e de que forma este conceito se relaciona com as eleições?

Responsabilidade significa “obrigação de responder pelas ações próprias, pelas dos outros ou pelas coisas confiadas”. No mesmo sentido, a responsabilidade política é uma dimensão intrínseca ao cumprimento de um cargo político e uma exigência a quem (temporariamente) o ocupa. E a isso “ninguém foge” ou ninguém deve fugir.

A responsabilidade política tem uma pegada teórica no campo jurídico-político muito relevante e é um dos conceitos mais polémicos nas democracias liberais ocidentais. A transferência de poder – pelos representados – no momento do voto, incorpora automaticamente a responsabilidade política nos representantes eleitos. Assim, a prática política implica sempre responsabilidade: responsabilidade de prestar contas perante os que detêm a sede do poder – o eleitorado.

A representação política personaliza a vontade da comunidade. Os cidadãos, através do voto, delegam poderes nos representantes políticos e por isso as eleições são momentos fundamentais num Estado de Direito Democrático. As eleições livres e universais são a expressão da vontade do eleitorado e constituem uma oportunidade de manifestar a satisfação ou insatisfação sobre os líderes que governam.

No entanto, as eleições e os eleitores não podem ser os “tribunais” nem os “juízes” dos casos complexos e/ou com implicações judiciais. Aos eleitores caberá o direito e o dever de escolher tendo em conta as preferências ideológicas ou programáticas e também escolher entre o perfil de cada candidato. As eleições não devem ser refúgio de legitimidade para ultrapassar incumprimentos ou ilegalidades, nem tentativas de branqueamento ético ou barómetro de responsabilidade política.

A responsabilidade política é inerente ao cargo político (partidário ou público) e o seu respaldo está na lei e nas instituições que a fiscalizam. Sem aferição dos factos, sem verificação explícita do cumprimento da lei e sem imputação da responsabilidade pelos órgãos competentes, parte do Estado de Direito sucumbe à ruína e o eleitorado não pode, nem deve ser empurrado sistematicamente para o “escrutínio” da legalidade – como foi nas últimas eleições legislativas.

Esta semana, perante a tragédia que assolou a capital, o Senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, atribuiu responsabilidade política a Carlos Moedas e afirmou que a demissão do Presidente da Câmara de Lisboa seria desnecessária por estarmos próximos de eleições autárquicas. Esta declaração foi, no mínimo, estranha, tendo em conta que o atual Presidente da República é, também, um distinto Constitucionalista. Por isso, saberá muito bem a diferença entre ação e omissão; entre responsabilidade e culpa; entre responsabilidade objetiva e subjetiva; entre responsabilidade política, civil, criminal e disciplinar.

Assim sendo, confesso que foi com alguma incredulidade que ouvi o Presidente da República atribuir, tão prematuramente, a responsabilidade política a Carlos Moedas e, ao mesmo tempo, remeter a consequência para o próximo ato eleitoral. Como se apenas estivesse em causa a confiança ou simpatia do eleitorado para a permanência no poder. Tratou-se, portanto, creio, de uma associação anacrónica e irresponsável. Por enquanto, nada na tragédia do elevador da Glória se pode ou deve relacionar com as próximas eleições. Nem tudo se pode resumir à contagem dos votos e, muito menos, às estratégias partidárias para os garantir.

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