Macau: O Eixo Insubstituível na Parceria Estratégica entre Portugal e a China

Bernardo Mendia, Secretary General at Portugal-China Chamber of Commerce & Industry - CCILC | President of the Board of Directors at PHKCCI

A relação económica entre Portugal e a China atingiu uma maturidade notável. Celebram-se este ano duas décadas de uma parceria estratégica que evoluiu de um comércio bilateral de bens tradicionais para um ecossistema complexo de investimentos de capital paciente e de longo prazo em sectores vitais da economia nacional. Contudo, num panorama geopolítico global cada vez mais complexo e fragmentado, a relação bilateral carece de um elemento catalisador que transcenda a mera lógica transaccional. Esse elemento existe e é historicamente único: a Região Administrativa Especial de Macau.

A singularidade de Macau não reside apenas nos 450 anos de história e administração portuguesa, que terminaram de forma exemplar com a retrocessão em 1999, assegurada do lado português pelo saudoso General Vasco Rocha Vieira. A sua verdadeira proposta de valor para o futuro da relação Luso-Chinesa é tridimensional: funciona como um activo de soft power incomparável, uma plataforma institucional única e um laboratório de confiança mútua. Enquanto a União Europeia e a China navegam um relacionamento por vezes conturbado, Macau permanece um espaço de diálogo privilegiado, onde a língua portuguesa, os laços culturais e as relações pessoais facilitam a compreensão e abrem portas que noutros contextos permanecem fechadas.

Os mecanismos institucionais sediados em Macau são a prova tangível deste valor. O Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Forum Macau), criado em 2003, é a pedra angular desta arquitectura. Mais do que um fórum de discussão, tem potenciado fluxos comerciais e projectos de cooperação triangular. O Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa, por exemplo, tem capacidade para financiar infra-estruturas e projectos em países lusófonos, abrindo oportunidades para empresas portuguesas com know-how e presença nessas geografias.

O tecido empresarial e financeiro em Macau sustenta esta função de ponte. A presença da delegação da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) desde 1992, e a operação centenária do Banco Nacional Ultramarino, não são relíquias do passado, mas sim operadores activos na facilitação de negócios. Estes actores providenciam a inteligência de mercado, a intermediação de confiança e a liquidez necessárias para materializar intenções em crescimento económico.

O desafio estratégico para Portugal é, pois, claro: deixar de ver Macau como um símbolo histórico e passá-lo a operacionalizar como uma plataforma estratégica para a diversificação e sofisticação da sua relação económica com a China. Isto implica uma abordagem em três níveis:

1. Acelerador de Exportações: Macau deve ser a porta de entrada para a colocação dos produtos portugueses de valor acrescentado no mercado chinês, e sobretudo no vasto ecossistema da Grande Baía. A participação na Feira Internacional de Importações da China (CIIE) e a integração em plataformas de e-commerce como Tmall Global ou JD.com devem ser prioritárias, com Macau a funcionar como hub logístico e de marketing para sectores como o vinho, o azeite, a cortiça e os têxteis-lar.

2. Hub de Triangularidade: A visão não se pode cingir ao eixo bilateral. O potencial mais disruptivo de Macau está na sua capacidade de facilitar parcerias triangulares entre China, Portugal e terceiros mercados, particularmente os da CPLP. Portugal, com a sua dupla pertença europeia e lusófona, pode posicionar-se como o parceiro ideal para consórcios que concorram a projectos de infra-estruturas em África ou América Latina, financiados por instituições chinesas e com o selo de qualidade e standards europeus que Portugal garante.

3. Portal de Inovação e Talento: A delegação da CCILC em Changsha e as geminações entre cidades (Porto-Macau, Lisboa-Xangai) devem ser aproveitadas para ir além do comércio. É crucial fomentar parcerias universitárias em áreas críticas como a Inteligência Artificial, a biotecnologia e a transição energética, criando programas de mobilidade para estudantes e investigadores e atraindo investimento chinês para parques industriais verdes e digitais em Portugal.

Para que esta visão não se perca em declarações de intenções, é imperioso criar mecanismos de execução robustos. A proposta de criação de um Grupo de Acompanhamento Técnico Luso-Chinês, com representantes dos governos e do sector empresarial de ambos os países, é um passo crucial para definir roadmaps concretos, métricas de sucesso e responsabilidades.

Num mundo em reconfiguração, a relação especial que Portugal mantém com a China através de Macau é um trunfo estratégico que Bruxelas deve reconhecer e que Portugal deve saber jogar com inteligência. Não se trata de escolher lados, mas de maximizar uma vantagem comparativa única para criar prosperidade e relevância estratégica. Ignorar este potencial seria um custo de oportunidade histórico.

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