Impreterivelmente, chegados a Setembro, dá-se o regresso às aulas. Expectativas, ilusões, receios, sonhos sonhados e sonhos adiados, fazem o clamor da rentrée scolaire.
Neste artigo recuperamos alguns pensamentos do Professor Nuno Crato, que continua a ser uma figura influente na promoção da ciência e da educação em Portugal, contribuindo para o debate sobre a melhoria dos sistemas educacionais e da formação de professores.
Nostalgia da sala de aula, recordações revividas com o fulgor de sentir que, quando se é professor, ensinar é uma missão, uma vocação e não, simplesmente, uma profissão.
Tarefa ambiciosa, implica muito trabalho, muito empenho, exige o desdobramento do que se pode e deve fazer, face a todos os contratempos impostos pela “poderosa máquina” coordenadora e bloqueadora duma formação integral, científica, humana e ética, implicando um ensinar a aprender a saber estar numa sala de aula, numa escola, a saber ser uma Pessoa com dignidade, empenhada em adquirir conhecimentos, desenvolver as suas capacidades cognitivas, colaborar com os outros, quer sejam discentes ou docentes, na certeza de que é o futuro do jovem aprendiz, o aluno, que está em jogo e não pode nem deve correr riscos.
Ser aluno é um desafio e uma enorme responsabilidade, implica estudar, como é óbvio, sendo essa a sua profissão. Ser assíduo às aulas, estar muito atento ao que nelas é ministrado, recorrer à sua memória, associação de ideias, desenvolver as suas capacidades de trabalho, articulando com um imenso desejo de aprender, de saber, de querer crescer, ser mais e melhor.

Pode algum leitor admitir que este texto seja um exagero, haverá também alguns pais ou educadores que “condenem ou abominem” esta terminologia, porém, as últimas décadas foram pródigas em nos revelarem as falácias dum facilitismo demagógico e ideológico que deflagrou na área da educação.
Estas reflexões conduziram-me à leitura do livro “Aprender” de Nuno Crato, lançado em 2024, pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

«Aprender porquê e para quê? Há décadas que se discute o que esperamos do nosso sistema de ensino e se é possível melhorá-lo. Este ensaio regressa ao tema, mas a partir dos desenvolvimentos científicos que podem ajudar a educação, na área das ciências cognitivas, dos estudos estatísticos, da economia da educação e das análises comparativas internacionais.
Nestas páginas, defende-se um currículo ambicioso, centrado no conhecimento e não em competências vagas. Explica-se a necessidade de uma avaliação válida, frequente e rigorosa e defendem-se apoios aos alunos que revelam maiores dificuldades. Elogiam-se os professores e a aprendizagem. Porque o amor ao saber ainda vive entre nós, é possível avançarmos para um ensino informado pela experiência, pelos dados e pela ciência.»
O conhecimento é importante e conhecer não é fácil. É preciso conhecimento para saber procurar mais conhecimento, “o homem aprende na proporção do que sabe, sabe nada, nada aprende, sabe muito, muito mais aprenderá…”.
«Recordemos que a memória é um recurso demasiado útil para ser desperdiçado, a memória também ajuda a compreender. (…) Quanto mais se souber de uma matéria, melhor se compreenderá outra. O conhecimento é, não só a base de outros conhecimentos como também da capacidade de desenvolver competências. As “skills”, novas competências nascidas nas últimas duas décadas do século passado, serão um complemento prático do saber teórico, todavia basear um curriculum exclusivamente em competências é muito redutor e insuficiente. O ensino básico da formação dos estudantes deve ser o conhecimento e não as competências». (…)
Um «facto curioso, no estudo PISA, que inclui mais de meio milhão de alunos e representa 29 milhões de estudantes de 72 países, os fatores mais positivos para os bons resultados são os associados à condução da aula pelo professor. Os mais negativos são os associados à iniciativa dos alunos na exploração dos conceitos científicos e na condução das experiências».
Porque se fazem testes, para que servem os exames?
«A resposta simples é esta: fazem-se testes para conhecer o estado da educação, ou seja, os progressos alcançados pelos jovens. Centenas de estudos em sala de aula têm confirmado a importância do efeito de teste. (…) Perguntar, testar, perguntar de novo obriga o aluno a pensar, a recupera a informação que, naturalmente, está meio perdida na sua memória de longo prazo e ainda não consolidada. Essa recuperação é um fator de aprendizagem muito poderoso. Obriga a olear o cérebro, a clarificar as ideias, a aprender. Afinal, a ideia da inutilidade dos testes vai não só contra a racionalidade e a experiência docente como também contra a ciência moderna.»
Mergulhados numa bricolagem pedagógica envolta em terminologia woke, urge ponderar e reflectir com profundidade sobre a estratégia (des)educativa que vem assolando o nosso país, a Europa e o Ocidente.
Nuno Crato é um matemático e educador português, conhecido pelas suas contribuições à matemática aplicada e à política educacional em Portugal. Foi presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (2004–2010), presidente do Taguspark (2010–2011) e Ministro da Educação e Ciência (2011–2015).
Publicou alguns trabalhos com reflexões sobre a sua experiência, nomeadamente «Everything starts with the curriculum», ResearchED 4, fevereiro 2019; «Curriculum and education reforms in Portugal: An analysis on why and how students’ knowledge and skills improved», in F. Reimers (Ed.) Audacious Education Purposes, Springer 2019, e «Math curriculum matters: Statistical evidence and the Portuguese experience» European Mathematical Society Magazine 124, 49–56.
Coordenou o livro Improving a Country’s Education: PISA 2018 Results in 10 Countries (Springer 2021) e coeditou Data-Driven Policy Impact Evaluation (Springer 2019).
Divulgador científico e colaborador em educação, alguns dos seus livros estão publicados em várias línguas e países, incluindo o Reino Unido, Espanha, Itália e Brasil, nomeadamente A Matemática das Coisas (SPM/Gradiva 2008) e Figuring It Out (Springer 2010). Pelos seus trabalhos, recebeu prémios da Sociedade Europeia de Matemática (2003) e da Comissão Europeia (2007). Foi agraciado como Comendador (2008) e Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2016), e com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública (2022).
É um autor prolífico, tendo escrito mais de uma dezena de livros sobre matemática e educação, além de colaborar com a imprensa, rádio e televisão.
Nuno Crato continua a ser uma figura influente na promoção da ciência e da educação em Portugal, contribuindo para o debate sobre a melhoria dos sistemas educacionais e da formação de professores.


