A Arte da Política. José Sócrates e a estratégia da distração

Sílvia Mangerona, Professora de Ciência Politica, Politóloga

A coluna de opinião a Arte da Política é da autoria da politóloga Sílvia Mangerona

Mas aos jornalistas também cabe, por indicação deontológica, a luta contra as “tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar” e é, por isso, “obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos”. Será ao abrigo deste 3º ponto do Código Deontológico dos Jornalistas que fará sentido virar as costas a José Sócrates se continuar a aproveitar o tempo de antena que a importância do julgamento lhe confere para realizar ataques ao jornalismo e aos jornalistas. Estas manobras de distração seriam até admissíveis se não resvalassem para a falta de educação, para o insulto e para ridicularização pessoal.

O Julgamento da Operação Marquês começou e já tem 53 sessões marcadas até o final deste ano. Dezenas de arguidos e centenas de testemunhas irão ser ouvidas, mas é o ex-primeiro-ministro quem capitaliza a principal atenção mediática. Onze anos depois da sua detenção, José Sócrates muda de estratégia substituindo os princípios básicos de boa comunicação pelo ruído e pelo insulto indiscriminado ao qual também os jornalistas não ficaram a salvo. É a conhecida técnica da distração: a mais conhecida estratégia para desviar a atenção do público das questões importantes e dos factos que conduziram a este processo.

Como é expectável, tendo em conta a dimensão e a relevância do caso da Operação Marquês, todos os microfones e todas as câmaras estão apontadas para José Sócrates. Pela primeira vez um ex-primeiro-ministro é suspeito de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Um complexo e enorme processo com 21 arguidos que serão julgados por 117 crimes.

Todos os dias, minutos antes do início das sessões no Campus de Justiça, os jornalistas perfilam para ouvir aquele que, neste momento, tem mais contas a prestar ao país. Mas não tem sido tarefa fácil. José Sócrates tem repetido com os jornalistas a mesma indisposição e indelicadeza que tem protagonizado na sala de audiência. Por técnica ou desespero as acusações aos jornalistas têm sido uma constante.

Sabemos que a comunicação constrói realidades e “o sistema mediático alimenta-se de permanentes construções da realidade”. No livro – Comunicação Riscos e Oportunidades-, publicado em 2016, o autor Luís Paulo Rodrigues afirma que “o jornalismo – que consideramos a disciplina da comunicação que nos dá a conhecer fielmente o que acontece na sociedade – vive, afinal, da criação sistemática de uma versão da realidade”. De facto, a possibilidade de criar versões da realidade é uma capacidade presente em cada um de nós, inerente à própria condição humana e muitas vezes uma defesa para conforto ou sobrevivência pessoal e/ou coletiva.

O relato da realidade é sempre produto de uma interpretação, mais ou menos depurada, do relator. Ainda assim, cabe aos jornalistas por dever deontológico “… relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.” Este 1º ponto do Código Deontológico dos Jornalistas é claro na indicação do dever de relatar a realidade com precisão, transparência e lisura.

Mas aos jornalistas também cabe, por indicação deontológica, a luta contra as “tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar” e é, por isso, “obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos”. Será ao abrigo deste 3º ponto do Código Deontológico dos Jornalistas que fará sentido virar as costas a José Sócrates se continuar a aproveitar o tempo de antena que a importância do julgamento lhe confere para realizar ataques ao jornalismo e aos jornalistas. Estas manobras de distração seriam até admissíveis se não resvalassem para a falta de educação, para o insulto e para ridicularização pessoal.

Por muitas manobras distrativas que aplique, José Sócrates tem que responder a todas as questões que o Ministério Público e o coletivo de juízes lhe colocam. E perante os jornalistas, é bom que comece a responder a algumas questões com mais urbanidade e colaboração ou ficará sem um único microfone disponível para apresentar a sua versão.

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