Luís Montenegro, que mostrou o seu conservadorismo quando era líder da bancada do PSD no tempo da troika, põe agora em prática a verdadeira génese do seu pensamento.
Começou por transformar a alteração do programa de Cidadania num desígnio nacional. Anunciou-o com pompa e circunstância no congresso do partido. Seguiram-se as mudanças ao Código do Trabalho que, acima de tudo, revelam a convicção de que o trabalhador deve cumprir mais horas (pelo mesmo preço, claro), com facilidades acrescidas nos despedimentos e inevitável perda de “regalias”.
Decidiram retirar a obrigatoriedade da proteção social das trabalhadoras domésticas, o que trará uma poupança imediata para alguns mas, a médio e longo prazo, resultará em maior despesa para o Estado, ou seja, para todos nós. Alteraram também a norma da presunção de laboriosidade nas plataformas digitais, justificando-se com uma transposição europeia… mas usando a transposição para limitar a lei em vigor.
Outra consequência previsível será a diminuição das contribuições para a Segurança Social, objetivo antigo de quem ambiciona criar sistemas privados paralelos ao sistema público.
Este é um retrocesso grave nos direitos laborais, mas sobretudo um retrocesso na garantia de que as mulheres tenham contribuições adequadas ao trabalho que prestam e, por consequência, reformas mais justas e menos dependentes de subsídios.
Ao conjunto das cem propostas de alteração ao Código do Trabalho chamam-lhe reforma “ambiciosa, profunda e modernizante”. Mas vejamos o que significa esta ambição: é “ambiciosa” porque revoga a falta por luto gestacional, uma conquista recente fruto do esforço da sociedade civil e da Assembleia da República; é “profunda” porque limita a dispensa para amamentação até a criança perfazer dois anos, contrariando recomendações da Organização Mundial da Saúde; e ainda burocratiza: de seis em seis meses é preciso provar a amamentação, manobra clara para travar o uso do direito e ocupar os médicos com declarações desnecessárias.
É “moderna” porque mexe no horário flexível “nomeadamente em caso de trabalho noturno ou prestado habitualmente aos fins de semana e feriados”, prejudicando a conciliação entre vida profissional e familiar e obrigando muitas famílias a não ter filhos ou a que um dos elementos – normalmente a mulher – fique em casa, favorecendo o padrão da “família tradicional”.
Podem repetir até à exaustão que a reforma é ambiciosa, profunda e moderna. Mas não reconheço modernidade em medidas que desrespeitam quem vive apenas do seu rendimento, quem luta por uma vida digna e se esfalfa todos os dias para dar aos filhos a dignidade que o próprio não tem.
O que esta reforma revela, acima de tudo, é a intenção de construir uma sociedade com mais pobres, mais dependentes de apoios mínimos e com menos direitos. Profunda, sim, porque retrocede em direitos das mulheres e das crianças. Ambiciosa, sim, porque procura impor a narrativa de que a economia se sobrepõe à igualdade. Moderna? Moderna é uma sociedade que avança na proteção e na justiça social. E essa está, infelizmente, cada vez mais distante.


