Sucessão de Marcelo: Mais Dúvidas e Cenários do que Certezas

José Filipe Pinto, Professor Catedrático de Ciência Política

A elevada probabilidade de, em 2026, ser necessária uma segunda volta faz com que quatro dos candidatos – Marques Mendes, Gouveia e Melo, António José Seguro, e André Ventura– procurem, com denodo, marcar presença nessa volta, embora por motivos diferentes. Assim, os três primeiros esperam vir a tirar proveito do eleitorado que votou em candidatos que não passaram à segunda volta e um deles, António José Seguro, alimenta a esperança de vir a recuperar o espírito – e os votos – da geringonça.

1.A circunstância de o atual Presidente da República estar a concluir o segundo mandato consecutivo e, por força do ponto 1 do artigo 123.º da Constituição, não ser “admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo” fez com que corrida à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa tenha começado muito antes do prazo previsto para a apresentação oficial das candidaturas.

A regra da vida habitual num país onde todos os Presidentes foram reeleitos, o que faz com que os candidatos que se consideram em condições de virem a ocupar a cadeira da presidência apostem todas as fichas na eleição em que o incumbente será forçado a deixar o Palácio de Belém. Por isso, não admira o elevado número de candidaturas à eleição de 18 de janeiro de 2026, até porque não se pode dizer que a Constituição seja demasiado exigente no que concerne à apresentação de candidaturas presidenciais. Na verdade, de acordo com o ponto 1 do artigo 124.º da Constituição Portuguesa, “as candidaturas para Presidente da República são propostas por um mínimo de 7 500 e um máximo de 15 000 cidadãos eleitores”.

2.A análise das candidaturas presidenciais revela a existência de três tipos de candidatos. Assim, André Ventura, António Filipe, Catarina Martins e Jorge Pinto, mesmo que não o admitam, são candidatos partidários, ou seja, as respetivas candidaturas emanam dos partidos a que pertencem ou estão intrinsecamente ligadas a eles. Por outro lado, Marques Mendes e António José Seguro e mesmo Cotrim de Figueiredo, apesar da pertença partidária, apresentaram as respetivas candidaturas, antes de saberem se os seus partidos os apoiavam. Aliás, o surgimento de figuras ligadas ao PSD, como apoiantes tanto de Seguro como de Cotrim, prova que Marques Mendes não colhe o apoio de todo o partido. Aliás, o mesmo se passa com Seguro, pois vários rostos importantes do Partido Socialista não se coibiram de lhe recusar publicamente o apoio. Finalmente, Gouveia e Melo, malgrado alguma indefinição inicial, acabou por se apresentar como independente ou suprapartidário.

3.A circunstância de ser candidato partidário ou ser apenas apoiado pelo partido faz toda a diferença, tanto no gizar da estratégia da pré-campanha e da campanha propriamente dita, como no que diz respeito ao pagamento das despesas das mesmas. Assim, os candidatos de um partido sabem que podem contar com este para assumir as despesas da campanha, se os donativos não forem suficientes e a percentagem de votos não lhes permitir o direito à subvenção estatal.

No livro “Os Presidentes da República no Portugal Democrático. Eleições, Dinheiros e Vetos”, publicado em 2016, apresentei as contas de todas as campanhas presidenciais realizadas até então e os montantes assumidos pelos partidos que apresentaram candidatos foi, por norma, muito elevado. Por exemplo, o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) viram-se forçados a abrir muito os cordões à bolsa, assumindo a responsabilidade de despesas em nome do direito ao mediatismo usado pelos seus candidatos para agitarem as principais bandeiras do partido.

4. Na eleição que se avizinha, a proliferação de candidatos deixa antever uma assinalável dispersão de votos e, como tal, a segunda volta parece inevitável. Algo que só aconteceu em 1986, quando Freitas do Amaral venceu a primeira volta, mas sem maioria absoluta e, na segunda volta, viria a ser derrotado por Mário Soares, muito por conta dos sapos que o PCP de Álvaro Cunhal se viu forçado a engolir para impedir a eleição do candidato da Aliança Democrática (AD). Uma reviravolta só possível graças aos votos do PCP, cujo candidato, Ângelo Veloso, desistiu a favor de Salgado Zenha, que lograria 1.185.867 de votos. Sem o apoio do PCP, Mário Soares não teria recuperado a enorme desvantagem da primeira volta – 1.185.914 votos.

5. Ora, a elevada probabilidade de, em 2026, ser necessária uma segunda volta faz com que quatro dos candidatos – Marques Mendes, Gouveia e Melo, António José Seguro, e André Ventura– procurem, com denodo, marcar presença nessa volta, embora por motivos diferentes. Assim, os três primeiros esperam vir a tirar proveito do eleitorado que votou em candidatos que não passaram à segunda volta e um deles, António José Seguro, alimenta a esperança de vir a recuperar o espírito – e os votos – da geringonça.

Quanto a André Ventura, a sua ambição política passa por liderar o executivo e, além disso, sabe que tem muita dificuldade em lograr apoios para além do eleitorado do Chega e, como tal, não desconhece que, a exemplo do que se tem passado com Marine Le Pen em França, não será Presidente da República. Por isso, pretende passar à segunda volta como forma de consolidar o eleitorado do Chega e afirmar o partido como principal força de oposição ou ao Governo – situação por si desejada – ou ao sistema – como um mal menor.

6. Face ao exposto, não parece abusivo concluir que os cenários e as dúvidas levam a palma às certezas. Relativamente às segundas, tendo em conta as sondagens, apesar de as mesmas não serem sinónimo de certezas, dou por adquirido que haverá segunda volta e que Jorge Pinto, António Filipe, Catarina Martins e Cotrim de Figueiredo não marcarão presença nesse ato, embora a figura e a mensagem de Cotrim estejam a colher peso eleitoral, sobretudo junto dos mais jovens, e, como tal, a sua votação irá ultrapassar largamente a do respetivo partido.

Ainda no âmbito das certezas, acrescentarei que André Ventura não será o próximo Presidente da República e que a esquerda não terá dois candidatos na segunda volta. Quanto às dúvidas, a principal prende-se com o duo de candidatos que passará à segunda volta, embora Gouveia e Melo e Marques Mendes – por esta ou outra ordem – se apresentem como os mais bem colocados para tal. Uma dúvida que levanta vários cenários, pois não sendo garantida a transferência de votos, uma vez que os candidatos não são donos dos votos de quem votou em si, há que ter em conta o elemento ideológico. Numa conjuntura em que a tendência de voto à direita supera o voto à esquerda, não é garantido que a segunda volta venha a contar com um candidato de cada um destes pólos, tal como não é muito previsível que ambos pertençam à direita. Por isso, levanta-se a dúvida sobre a real dimensão dos apoios que Gouveia e Melo, o dito candidato independente, conseguirá arregimentar.

Dúvidas e cenários quotidianamente dissecados pelas equipas que coadjuvam os principais candidatos a Belém, na esperança de dissiparem as dúvidas e construírem cenários de sucesso. Pelo menos a um tempo. Preferentemente a dois tempos.

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