Morreram os cinco tripulantes do submarino Titan. Após dias de incerteza, tentativas de salvamento e ciclos noticiosos, uma implosão selou o destino de cinco seres humanos.
Em termos frios e sumários, foi isto que aconteceu. Cinco pessoas perderam a vida de uma forma trágica e um pouco irónica já que foram ao fundo do mar para ver os destroços de um navio com um nome parecido que também selou o destino de outras pessoas.
Só que não caro leitor. Infelizmente e por razões evitáveis e nefastas, não foi apenas isto que aconteceu.
Quero começar pelo mais obvio. A morte é terrível e mesmo para quem acredita em algo depois disso, a experiência do fim de uma vida é sempre inimaginável e impossível de comunicar já que o experienciado não volta.
Depois há a politização da morte e as narrativas que daí se constroem para ou se autopromover ou para granjear “likes” à volta da indignação digital, que pela sua natureza de conteúdos rápidos, se torna fugaz e ridícula.
Nos mesmos dias que estas pessoas desapareceram, houve um naufrágio que resultou na morte de centenas de pessoas ao largo da Grécia.
É aqui que se dá o início de mais um episódio da fast indignation. Um pouco por todo o lado, nas redes sociais de comentadores políticos até ao Instagram da Amnistia.pt, espalha-se a injustiça do tempo de antena que estes acontecimentos tiveram na imprensa nacional e internacional.
A mensagem desta onda digital é de que um naufrágio onde morreram centenas de pessoas merecia mais ou pelo menos a mesma atenção do que as cinco que na sua excentricidade foram numa aventura que lhes custou a vida.
Eu podia explicar, através dos vários índices de valores noticiosos como a de Galtung e Ruge, que as más notícias espalham-se mais depressa, o sangue vende mais e a raridade dos maus acontecimentos são mais virais.
Do mesmo modo a incerteza sobre uma possibilidade como a sobrevivência em situações limite, vende mais e por vezes torna-se matéria que até pode ser adaptada para filmes e séries, se tiver um desfecho positivo.
Aliás isso já aconteceu, é só lembrar a história de Jessica McClure, a menina que em 1987 captou a atenção do mundo ocidental por, com pouco mais de um ano de idade ficou presa num poço durante mais de 50 horas. Claro está, houve uma adaptação para filme com Beau Bridges.
Este acontecimento dominou a actualidade de então, e de certeza que ofuscou outras calamidades e situações horríveis.
Eis o problema. Estes cinco milionários representam a elite, e uma elite aborrecida que pode gastar milhões e desperdiçar o que quiser em aventuras desnecessárias enquanto outros morrem, porque procuram alguma dignidade nas suas vidas perante a miséria e falta de condições que os faz arriscar por algo melhor.
Esta espécie de identificação com os náufragos paquistaneses levou já a muitas reclamações nomeadamente na rede social Twitter onde a culpa é do capitalismo, passando a ideia que os cinco do Titan eram ricos (curiosamente dois eram paquistaneses), e portanto dispensáveis. Ou então que gente rica como estes é a culpada pela tentativa de migração arriscada de quem não tem nada.
Seja como for, a culpa é de alguém que não nossa. E a indignação que é viral, desaparece à mesma velocidade com que apareceu e levou uma extensa quantidade de pessoas a projectar os seus dejectos emocionais para cima de um pequeno número de pessoas que resolveu fazer um passeio aquático que correu mal.
É obvio que os naufrágios de migrantes à procura de melhores vidas é horrível, é desumano, e o facto de parecerem estatística e não lhes ser dado muito tempo de antena contribui para a dessensibilização.
Mas usar a morte de uns para se indignar da morte de outros e fazer até publicidade como é o caso da Amnistia.pt é incrivelmente errado. Mais do que a politização da morte, é o marketing dela.
Estamos zangados caro leitor. Incendiamos a fleuma uns dos outros, porque nas nossas vidas não há catarses suficientes para colmatar o que sentimos com aquilo que nos acontece, seja lá o que isso for já que é diferente para cada um de nós. Mas o que fica é a vontade de culpar alguém e não perceber que as notícias vivem, e na realidade são, a novidade. Quanto mais raro for o acontecimento mais viral se vai tornar.
Em nome desta raiva colectiva pronta a disparar na irracionalidade que a caracteriza, elogiamos e amplificamos as plataformas que alimentam a nossa vontade negativa, nem que para isso se tenha de atacar o destaque de uma notícia sobre a outra.
A morte é terrível. A morte do nosso discernimento leva-nos à azafama que nos torna prisioneiros da necessidade de culpar. Este não é um caminho eficaz.
Querer mudanças sem se mudar é uma total hipocrisia rumo a um pântano que impede a empatia com cinco pessoas que tinham imenso dinheiro e agora não têm nada.
Morrem eles e morre um pouco de nós.


