Um risco para a democracia

Lina Lopes, Deputada do Grupo Parlamentar do PSD

A democracia não pode ser dada por certa. A democracia exige progresso para se legitimar. Ora, Portugal progrediu em termos absolutos, comparando-se com o que era há anos atrás. Mas em termos relativos, em comparação com os outros países europeus, o país está a regredir.

Vivendo em democracia tendemos a tomá-la por certa e natural, e a esquecer que, como qualquer outro regime político, a democracia está sujeita a riscos. Riscos que podem ser internos ou externos. E a melhor forma de lidar com os externos será evitar que os internos se avolumem e escapem à nossa capacidade de os controlar.

Antecipando as comemorações do próximo ano, devo dizer que o risco a que me refiro foi identificado em abril de 1974. E parece-me hoje que estamos a demorar demasiado tempo a corrigi-lo.

O plano de ação dos militares dos militares de abril (Programa do MFA) pode ser sintetizado por três palavras – Descolonização, Democratização e Desenvolvimento. São os célebres três “D”s.

O primeiro “D”, o processo de descolonização, está irreversivelmente fechado e entregue aos manuais da história.  O segundo “D” foi resolvido pela mudança de regime operada através da Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal e secreto. Assim, Portugal, de um país colonialista e ditatorial, passou a ser um país “normal” no contexto europeu.

Portanto, os dois primeiros “D”s – Descolonização e Democratização – puderam ser alcançados no essencial através da negociação e da ação políticas.

O terceiro “D”, porém, exigiu outro tipo de recursos. Mas o país soube obtê-los e – é incontestável – Portugal deu um salto gigantesco no seu nível de desenvolvimento. Ultrapassou o analfabetismo crónico, a mortalidade infantil elevada, a desigualdade extrema entre homens e mulheres, o acesso restrito à saúde, às reformas, ao saneamento, etc., etc.

Porém, o terceiro “D” tem uma dinâmica diferente dos dois primeiros. O desenvolvimento não é algo que se alcance de forma definitiva ou que permaneça durante um período longo sem necessidade de constante revisão e atualização. E hoje as comparações entre países europeus é recorrente e inevitável.

Quando hoje comparamos o funcionamento da nossa democracia com a de outros países podemos não encontrar grandes motivos de preocupação, mas se compararmos o nosso nível de vida, os nossos salários, as nossas reformas, as nossas oportunidades de lazer, o acesso à habitação, sobretudo dos nossos filhos, o desenvolvimento do interior do país, o risco de pobreza, a redução crítica da natalidade, as desigualdades de oportunidade, etc., com a realidade de outros países europeus, ficamos com a sensação de que algo ficou por cumprir. Falta cumprir o terceiro “D” de abril!

Não digo que nada foi feito para o cumprir. Digo, sim, que o que foi feito não foi suficiente.

E isto é um risco para a democracia. A democracia não pode ser dada por certa. A democracia exige progresso para se legitimar. Ora, Portugal progrediu em termos absolutos, comparando-se com o que era há anos atrás. Mas em termos relativos, em comparação com os outros países europeus, o país está a regredir.

E isto cria desalento e deceção, e mina o apoio das pessoas a um regime que não se esforça por cumprir a suas aspirações a uma vida melhor, deixando-as vulneráveis a todo o tipo de radicalismos e populismos com as suas soluções mágicas e autoritárias.

Por isso, está na altura de os líderes políticos se empenharem em afastar o risco que a estagnação representa para a democracia e de voltarem a esforçar-se por recolocar o país no rumo do progresso e do desenvolvimento.

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