Legislativas 2024. Esquerda “aproveita” aborto para “condicionar o discurso”

Marta Roque

O tema do aborto surge no debate da campanha das legislativas, depois de na semana passada Paulo Núncio ter defendido a realização de um novo referendo sobre a Interrupção Voluntaria da Gravidez ( IGV), numa conferência organizada pela Federação Portuguesa pela Vida.

Se para a direita o aborto não é consensual, já à esquerda a discussão do aborto é assunto do passado e “é preciso aumentar o prazo do aborto para as 12 semanas”, segundo Mariana Mortágua.

Luís Montenegro disse que a posição de Paulo Núncio, a favor de um novo referendo sobre a IGV, apenas pode “comprometer e vincular” o vice-presidente do CDS-PP. Esse assunto é um assunto que está absolutamente arrumado. Nós não vamos ter nenhuma intervenção nesse domínio na próxima legislatura”, declarou Luís Montenegro aos jornalistas, na Costa da Caparica, no concelho de Almada, distrito de Setúbal, antes de um almoço de campanha da Aliança Democrática (AD).

Mas nos partidos à direita o assunto do aborto não é consensual. Rita Matias, deputada do Chega, num vídeo a que o Estado com Arte Magazine teve acesso, diz que foi a esquerda que” se aproveitou do tema para condicionar o discurso”. Revela que André Ventura “não quer criminalizar mulheres” e que “mais do que ter políticas, temos de ir para o terreno e reverter o que a esquerda fez.”

A jovem deputada do Chega de 22 anos afirma que a esquerda “tomou conta das universidades e das escolas, criou uma cultura anti-vida, anti-mulheres, anti-crianças.” Assume que “não adianta ter uma maioria parlamentar para reverter a lei do aborto, porque numa próxima legislatura partidos como o Livre, BE e PAN podem mudar a lei, que querem alargar o aborto de 10 para as 12 semanas.”

O programa do Chega apresenta algumas medidas de apoio à mulher grávida, dedica um capítulo à valorização da família e jovens, porque acreditam que a questão do aborto “tem de ser vista como um enquadramento do reforço das familias e das condições sócio-economicas dos jovens”. Uma das medidas de apoio consiste num fundo de emergência para atender às emergências sociais que levam as mulheres ao aborto.

As medidas do Chega pretendem combater a infertilidade através de programas de diagnóstico como o Fertility Care, ao invés das técnicas de PMA defendidas no programa da AD, que segundo Pedro Frazão, deputado do Chega, destroem mais de 6000 embriões.

Eva Brás Pinho, militante da JSD, ajudou a criar ainda mais divisões sobre o tema polémico do aborto nas redes sociais. Na página do Instagram em vídeo diz que a AD “respeita os direitos das mulheres e jamais aceitaremos andar para trás.” O vídeo foi mal visto por apoiantes do CDS como a enfermeira Sara Sepúlveda que, na pagina do Facebook, questiona a direção do partido por “numa das eleições mais relevantes para o destino de Portugal, os temas da defesa da vida e especificamente o tema do aborto – da morte de inocentes das futuras gerações – tenha sido relegado ao esquecimento.“

O tema à esquerda está “resolvido” com Mariana Mortágua a afirmar que “é preciso ir além do que já foi feito e estender o prazo legal para interromper a gravidez até às 12 semanas.” Defende ainda que “é o prazo que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), recomendado pelo consenso médico e científico, é o prazo que garante segurança para as mulheres.”

Alexandra Tavares de Moura, ex-deputada do PS e secretária nacional das Mulheres Socialistas, em artigo de opinião ao Estado com Arte Magazine, escreve que nas propostas da AD “na área da igualdade não há qualquer avanço, nem medidas, nem metas, nem objetivos.”

Considera que o programa da AD não menciona “em lado algum que se pretende referendar a IVG, logo a notícia de que Paulo Núncio considera que se deve voltar a referendar a IVG é claramente uma demonstração de que o programa não é sério” e que há uma agenda “escondida em total desrespeito pela escolha realizada” no referendo em 2007. Ou seja,  com um posicionamento destes na política “vale tudo.”

No programa Circulatura do Quadrado, na TVI, ontem à noite, António Lobo Xavier admite que a questão do aborto deve ser revista não do ponto de vista de Paulo Núncio, mas na questão dos objetores de consciência. O Estado com Arte Magazine contactou Nuno Melo, mas até ao fim desta edição não tivemos resposta.

Pouca adesão ao Referendo de 2007, foi vinculativo?

Sofia Guedes, Professora de ética e fundadora da Plataforma Pensar&Debater, associação de formação em bioética, ao Estado com Arte Magazine considera que o Referendo de 2007, tal como o de 1998 não foi vinculativo, porque não chegou a 50% de votação. “É como se não tivesse existido. Mas ninguém conseguiu valer-se da verdade.”

Como mulher e mãe preocupa-a a ideia de que a sociedade já não reconhece o valor único da maternidade. “Fala-se em gravidez, sem identificar que nela existe uma mãe que gera um filho; como se o que está a acontecer em si, fosse uma doença, um problema de saúde e não a única possibilidade de dar vida.”

Reconhece que o facto de se referendar a vida foi “um grande erro”, Sofia Guedes só se apercebeu disso “depois de muito pensar.” Mas evita fazer juízos de valor: “quem sou eu para dizer que se pode matar um ser humano tão pequeno e frágil? “

Sobre se é um tema arrumado na sociedade portuguesa responde que “tendemos a esquecer o mal, quando ele se torna lei, porque uma lei supostamente é uma forma de proteção. Só que neste caso o mal está na aprovação da morte dum bebé. Aquele pequeno ser em risco ( um bebé) está a ser o mote de guerra e divisão entre políticos que em tempo de eleições não interessa falar de coisas que afinal incomodam profundamente as consciências”, conclui a docente.

Mais de 250 mil abortos foram realizados por opção da mulher desde 2007, segundo o estudo “A realidade do aborto em Portugal”, da Federação Portuguesa pela Vida. De acordo com estudo, desde a entrada em vigor da lei de 2007, 195 mil mulheres “passaram pelo drama do aborto em Portugal.” A investigação sobre o aborto reúne informações sobre o “contexto, factos, números e considerações”, estudados até 17 de outubro de 2023.

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