IVG de volta ao debate político. Será bom para a nossa democracia?

Alexandra Tavares de Moura, ex-deputada e secretária nacional das Mulheres Socialistas

A demonstração de desrespeito pelo resultado de um referendo não é, nem mais nem menos, do que o desrespeito pela Constituição da República Portuguesa. Se assim é para a IVG, como será um governo da AD no que toca aos direitos, às liberdades e às garantias que até hoje foram conquistadas?

Já lá vão uns anos desde que se referendou, pela segunda vez, a interrupção voluntária da gravidez. Em 11 de fevereiro de 2007, tardiamente quando comparado com a maioria dos países europeus que aprovaram a IVG nas décadas de 70 e 80, o governo da altura conseguiu regular o acesso à interrupção voluntária da gravidez.

Não sei se se lembram, mas o debate do lado do “NÃO” centrava-se não na garantia do direito à saúde da mulher (que recorria a qualquer lugar para o fazer), não no direito à liberdade de escolha, mas sim nos pressupostos de que iria aumentar o número de IVGs praticadas (fato que os números atuais desmentem) e no argumento de que os portugueses não quereriam gastar os seus impostos para “financiar abortos” (o que prova que as finanças se devem sobrepor a direitos).

Em 2015, o PSD/CDS-PP (uma AD mascarada) voltou a introduzir taxas moderadoras para a realização das IVGs, bem como a obrigatoriedade de consultas com psicólogos e técnicos de serviço social e abriu as portas a que médicos objetores de consciência pudessem participar nas várias fases do aconselhamento. Felizmente, António Costa, tal como havia prometido, revogou esta legislação em 2016.

Claro está que, novamente, em plena campanha eleitoral, reaparece este tema, na voz da atual AD, liderada por Luís Montenegro, que como líder de bancada em 2015 impôs disciplina de voto para consagrar as alterações referidas. Dito isto, e estando o tema, querendo-se ou não, no debate desta campanha legislativa, devemos esclarecer:

  • Sempre que a direita conservadora chega ao poder, as mulheres perdem direitos! Basta ler com atenção as propostas da AD na área da igualdade para perceber que não há qualquer avanço, nem medidas, nem metas, nem objetivos.
  • O programa da AD não menciona em lado algum que se pretende referendar a IVG, logo a notícia de que Paulo Núncio considera que se deve voltar a referendar a IVG é claramente uma demonstração de que o programa não é sério e que há uma agenda escondida em total desrespeito pela escolha realizada no referendo em 2007. O que estamos a mostrar com um posicionamento destes? Que na política vale tudo! Dizer e desdizer. Acrescentar ao debate o que não é explicito em programas eleitorais e que são sufragados.
  • A demonstração de desrespeito pelo resultado de um referendo não é, nem mais nem menos, do que o desrespeito pela Constituição da República Portuguesa. Se assim é para a IVG, como será um governo da AD no que toca aos direitos, às liberdades e às garantias que até hoje foram conquistadas? Parece-me evidente que o tema é colocado desta forma na agenda de campanha propositadamente. A AD não teve coragem política para assumir que é isto que quer e, por isso, um reputado membro do CDS encontra o espaço e o timing certo para trazer a discussão de volta à mesa!

Estar e Fazer política desta forma só retira confiança e crédito à democracia, à Assembleia da República, aos eleitos. Afinal, para que serve votar num referendo se, uns anos depois, se volta a referendar? Não, obrigada!

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