“Manipulação” política da mulher, “poucas adaptações” no discurso, e a “batalha” pelas cotas afasta mulheres

Marta Roque

As Leis de Paridade deram alguma margem para as mulheres em cargos de poder, mas foram apenas “uma porta de entrada”, para um “mero acesso numérico a um mundo que continua desenhado à imagem dos homens.”

“Poucas adaptações” no discurso político, no funcionamento dos partidos e das instituições, assim como a “manipulação política da mulher” e a “batalha” pelas “cotas”, são questões que ainda dominam a cena política num meio predominantemente masculino.

No ano em que se comemoram os 50 anos da Revolução dos Cravos há uma queda de representatividade de mulheres na política em cargos de poder, apesar de o esforço na formação de governos paritários, com o último governo socialista a  ser o primeiro paritário, bem como  a tentativa de o atual governo da AD, estar perto da paridade. Mas o mesmo não se consegue atingir ao nível partidário e muito menos a nível autárquico.

As deputadas representam 33,6% do Parlamento. A 10 de março foram eleitas apenas 76 deputadas, ou seja, um terço dos deputados no Parlamento — menos do que em 2022. É um regresso aos valores de 2015. Em 2019, foram eleitas 86, o máximo histórico de mulheres no parlamento.

Também em Presidente de Câmara nas eleições autárquicas em 2017 as mulheres ficam-se pelos 10%, descida, o que se acentuou nas últimas eleições de 2021, que passou para 9%.

A pouca representatividade de mulheres nos cargos de poder deve-se à crise da política da esquerda?

Eva Macedo, investigadora em políticas de igualdade de género e docente universitária, ao Estado com Arte Magazine, diz não ter elementos para afirmar se há uma “crise” na esquerda. A redução de mulheres em cargos de poder deve-se, no seu entender, a uma alternância democrática para a direita, “fruto do cansaço e dos indícios de corrupção, que se mostraram infundados, afinal”.

“O cenário político que se está a redesenhar deixou de ser essencialmente bipartidário e emergiram forças políticas novas, com discursos muito diferentes do habitual, em democracia.” Explica numa evidente referência à 3ª força política,  o Chega, a atingir 50 deputados na AR nas eleições a 10 de março.

“Com este novo cenário, começaram a questionar-se direitos e conceitos que a sociedade tinha por adquiridos e sedimentados”, a investigadora refere que tem vindo a alertar para o risco crescente: igualdade entre mulheres e homens, maior participação das mulheres no espaço público, repartição equitativa de tarefas domésticas e direitos reprodutivos.

Eva Macedo, Professora Universitária e investigadora em políticas de igualdade de género

Afinal, o que falta ao discurso político para atrair mais mulheres? Eva Macedo responde “quase tudo.”

Considera que houve “poucas adaptações” no discurso político e no funcionamento dos partidos e das instituições. Abriu-se alguma margem para a entrada de mulheres com as Leis de Paridade, “foram uma porta de entrada, mas o que aconteceu foi o mero acesso numérico a um mundo que continua desenhado à imagem e medida dos homens.”

Este é um problema transversal a todos os partidos políticos.

 

Mulher é “manipulada na política”

Aline Hall de Beuvink , docente universitária, a primeira mulher Vice-Presidente do PPM

Aline Hall de Beuvink , a primeira mulher Vice-Presidente do PPM e Professora de História de História de Arte e Património na Universidade Autónoma de Lisboa, ao Estado com Arte Magazine, assume que é “comumente aceite o facto de ser obrigatório colocar um terço de mulheres nas listas para órgãos eletivos”, quer na Assembleia da República, ou para eleições autárquicas e europeias e que isso “beneficiou-as a nível de representatividade numérica.”

Tanto à esquerda como à direita, esse número “é por vezes manipulado”, adianta a investigadora de História. “Já vi muitas vezes mulheres “desistirem” do cargo quando são eleitas para o homem que vem a seguir na lista poder ocupar esse mesmo cargo. Isto é normalmente negociado antes, com a promessa de uma assessoria ou outro lugar do género.”

Ou seja, o homem acaba por ser preponderante em número. Também acontece a mulher servir interesses eletivos, “não pelo seu intelecto ou qualidade intrínseca do seu trabalho, mas porque pode ser representativa de uma parte da sociedade, principalmente se ela, para além de mulher, for um exemplo de uma qualquer “minoria”: religião, cor, sexo, deficiência motora ou física.”

Considera que a mulher “acaba por ser usada para captar uma determinada franja com o intuito absoluto de obter determinados votos – e nisso a esquerda é pródiga”. Se dúvidas houvesse, continua a Historiadora, “é lembrar a cabeça de lista do Livre para as eleições à Assembleia da República em 2019. A manipulação política da mulher em nada a dignifica. Infelizmente, estamos numa fase em que, como sociedade e como país, ainda há muito para fazer e evoluir,” admite Hall de Beuvink.

Igualmente, explica, acresce a esta “manipulação o palco de intrigas em que a política é próspera, e como facilmente a mulher é atacada pela forma, mais do que pelo conteúdo. Talvez por isso vejamos poucas mulheres na política, de forma mais ativa, do que poderíamos ver”.

Para Aline Hall de Beuvink não é tanto por ser um mundo de homens, diz que já não o é há muito tempo, mas porque, “continuamente, as mulheres têm de batalhar mais que eles em todas as frentes: para provar que merecem estar naquele lugar, para mostrar que não estão lá apenas por uma “cota”, para atestar que raciocinam pela própria cabeça e têm pensamento político.”

O caminho “ainda é longo”, refere a dirigente do PPM, “não é fácil, lutar contra a misoginia e o preconceito ainda é, a par do trabalho político per se, uma das obrigatoriedades de quem se dedica à política, mas tem de ser feito. E as mulheres estão à altura de o fazer”, justifica a Historiadora.

Eva Macedo frisa que recentemente surgiu “outro problema mais grave: algumas direitas pretendem ressuscitar papéis de género, remeter a esfera doméstica às mulheres, negar igualdade às pessoas LGBTQIA+.”

Acresce ainda um outro problema, adianta Eva Macedo, conhecido na semana passada, segundo uma sondagem publicada pelo Expresso, quase metade dos portugueses afirma que viveria bem sob uma liderança forte, sem eleições e sem parlamento. “Ou seja, em ditadura,” diz a investigadora.

São contextos novos, ainda não estudados, imprevisíveis e que trazem questões e reflexões que se impõe realizar em Portugal.” Conclui que os 50 anos do 25 de abril são” o momento certo para recordar a urgência da Democracia e da Liberdade.”

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