Elza Lucena, é mãe de dois filhos, o mais novo de 4 anos sofre de abusos e maus tratos por parte do pai, segundo a mãe, que fez queixa na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens no Porto, em dezembro.
O Juiz do Tribunal de Menores do Porto depois de inicialmente ter dado a guarda das responsabilidades parentais à mãe, em fevereiro decidiu arquivar o processo, “sem investigação”, tendo aplicado a multa de 500 euros de cada vez que a mãe não entregasse o filho ao pai. A advogada da mãe acusa o Estado português de “fechar os olhos” a casos de abusos de crianças.
Este Podcast é patrocinado pelo grupo de mães Defender as Crianças.
Desde os 2 anos de idade que Elza suspeita de abusos físicos do pai ao seu filho, quis por isso avançar com regulação do poder paternal. Alertada por médica de família e pela advogada Maysa Consentino fez denúncia na CPCJ quando o filho tinha 3 anos, em dezembro de 2024. Elza conta que o filho quando vinha das visitas ao pai estava “nervoso, fazia necessidades na roupa, tinha pavor de tomar banho, queria beijar as mulheres na boca.”
As agressões físicas são visíveis, “deslocaram o cotovelo da criança”, diz a mãe, que por mais que tentasse dialogar com o pai, este negava e chamava a criança de mentiroso. “O meu filho tinha atitudes sexualizadas que não eram de crianças, queria beijar qualquer mulher,” afirma Elza ao Podcast “Justiça às cegas”.
A mãe garante que o filho tinha esta rotina sempre que vinha do pai. A criança passou a contar a outras pessoas, educadoras e auxiliares da creche, que “quem ensinava a beijar era a madrasta”, a mulher que vive com o pai da criança.
Na audiência a 28 janeiro o Juiz no Tribunal J5 no Porto. determinou que por enquanto o pai não levaria o filho, só falavam por vídeo chamadas. Mas em conferência de pais em 25 de fevereiro o Juiz do Tribunal de Menores do Porto decidiu arquivar o processo, “sem investigação”, e aplicou a multa de 500 euros de cada vez que a mãe não entregasse o filho ao pai.
“Houve falta de interesse em investigar o caso, a mãe não foi ouvida, as testemunhas não foram ouvidas. Foi arquivado e aplicaram a multa.”, explica Elza.
“Quero proteger o meu filho, tem 4 anos e foi abusado. O meu filho é inocente, tem de ser protegido.”
Elza diz que esta situação “acontece com muitas pessoas”, e que “não posso ficar calada.”
A advogada de Elza, Maysa Consentino, diz ao Podcast Justiça às cegas que o “progenitor entrou com pedido de incumprimento por parte da mãe.” Entretanto mudou o juiz, mas continua o processo aparado, não houve investigação. Na conferência de pais que decorreu esta terça feira o processo seguirá para alegações, mas a Juíza decidiu que a Elsa “se está em incumprimento pode a qualquer momento tirar a guarda da mãe e a guarda passar para o pai.”
O processo crime foi metido em janeiro pela advogada de Elza no DIAP, mas apenas encaminharam as crianças e Elza para a psicologia forense. A advogada já solicitou uma audiência com a procuradora, uma vez que o Tribunal de menores J5, no Porto, solicitou informações e “nada foi feito” sobre esta investigação. A advogada da mãe acusa o Estado português de “fechar os olhos” a casos de abusos de crianças.
Do ponto de vista clínico
Daniela Cosme, psicóloga clínica, e psicoterapeuta especializada em relações abusivas, diz que “é importante entender a responsabilidade que um juiz assume quando não protege uma criança. A criança deve estar sempre no centro do processo. Uma criança tocada, abusada sexualmente pelas figuras de referência, que a deveriam proteger, causa danos psicológicos, comportamentais e físicos irreversíveis.”
No caso apresentado podcast Justiça às cegas aponta-se para uma madrasta. “No entanto, deve-se compreender que a criança está inserida numa dinâmica familiar, onde existe um pai que não protege, que é negligente e conivente com o abuso da madrasta. E tal como a sabedoria popular diz, tanto é criminoso o que vai à horta como aquele que fica à porta.”
Daniela Cosme revela que os problemas desta criança vão-se ampliar sobretudo na pré-adolescência e na adolescência. “Os danos psicológicos causados pelo abuso sexual são devastadores, comparáveis ao stress pós-traumático sofrido por sobreviventes de tortura ou do Holocausto. Portanto, isto não é uma brincadeira é algo muito serio. E assim os Juízes devem tratar estes casos, com seriedade.”
As dinâmicas familiares abusivas deixam danos irrevisíveis que a criança não tem saída. Ou ela se identifica com o agressor: a criança interioriza que, para deixar de ser vulnerável, precisa de assumir o papel do agressor — “se eu for o agressor, deixo de ser a vítima”, justifica a psicóloga clínica.
A psicoterapeuta explica que esta defesa é muitas vezes “a génese de traços de personalidade narcisista, agressiva e psicopática. Identificação com a vítima/salvador: noutras situações, a criança assume a responsabilidade de “proteger” o progenitor mais frágil — normalmente aquele que também é vítima.”
Esta identificação leva a padrões de “co-dependência, auto-sacrifício e tolerância excessiva ao abuso emocional, o que torna estas pessoas, mais tarde, especialmente vulneráveis a relações abusivas.”
Em termos legais, quando há um crime desta natureza, “não podemos permitir que haja convívios, nem supervisionados, nem nunca forçar uma criança a conviver com o abusador.”
Porque o impacto psicológico é devastador
“Estamos a colocar a criança à frente do seu “objeto traumático”. E em termos psicológicos é gravíssimo, porque a criança vai entender que aqueles comportamentos abusivos, são normais, são permitidos. A a informação que é introjectada por essa criança é que o abuso é normal e permitido. “Tu podes ser abusado, é normal, podes permitir”. E confunde o abuso com o amor, o que o expõe na vida adulta a relações abusivas e a ciclos de abuso.
Este pai, legalmente, deve ser condenado, porque permitiu o abuso. E esta criança tem que ser protegida pelo tribunal (é esta a obrigação do tribunal) e esta mãe deve ter a custodia unilateral que é a figura de referência, securizante.
Um pai que abusa, que agride, não é pai. Temos que de uma vez por todas sair desta dissociação colectiva que romantiza as famílias e que coloca em risco as mães e crianças.
O supremo interesse da criança é ser protegida. O direito do pai nunca poderá prevalecer sob a proteção da criança. A criança tem o direito de ser protegida.”


