A inevitabilidade do Bloco BRICS no panorama das relações internacionais

Bernardo Mendia, Secretário-Geral da Câmara de Comércio Portugal- China

Nos dias 22 a 24 de Agosto, reúnem-se, na África do Sul, os países do bloco denominado, há mais de duas décadas, sob a sigla BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Será o 15º encontro deste grupo, com, pelo menos, três tópicos na agenda:- criação de uma nova moeda internacional assente no valor de metais preciosos e outros activos, no sentido de combater a predominância do dólar americano;
– papel do New Development Bank no apoio ao desenvolvimento económico do Sul Global, particularmente de África, e integração de novos membros;
– admissão de novos membros no grupo dos BRICS, com Indonésia e Arábia Saudita à cabeça de um pelotão com aproximadamente 20 países.
– Tem-se falado em outras iniciativas e novas entidades, como a criação de um centro de vacinas e uma nova agência de rating de crédito.

É de sublinhar não apenas a expansão do bloco, mas sobretudo o facto de este grupo de países já não abdicar de uma posição de igualdade no panorama das relações internacionais e das multilaterais financeiras mundiais. Isso passa, desde logo, por uma nova arquitectura dessas mesmas multilaterais, onde não existam países predominantes e controladores – nomeadamente no Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial -, mas sim igualdade na governança dessas instituições e na partilha dos respectivos poderes, ou seja o reconhecimento da soberania e igualdade entre cada país do Sul e do Norte Globais. Curiosamente, o papel de defesa do livre comércio e das vantagens da abertura das economias, é hoje liderado por este bloco do sul, quando até há cinco a dez anos atrás era sobretudo liderado pelos Estados Unidos e Europa, que se tornaram hoje territórios muito mais proteccionistas perante a ameaça de terem de partilhar poder.

Sucede que os BRICS representam as preocupações da maior parte da comunidade internacional de países e consideram que a minoria do grupo de cerca de 50 países que controlam aquelas instituições, nomeadamente os EUA (este com uma posição mais predominante entre os países desenvolvidos), Canadá, Inglaterra, União Europeia, Suíça, Noruega, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia, não ouvem os restantes 150 países, que representam 6.77 biliões de pessoas, cerca de 85% da população mundial. Mas o diálogo e a negociação são essenciais para uma convivência pacífica. O diálogo tem a virtude de melhor nos fazer entender a posição dos nossos interlocutores e vice-versa. E portanto, temos necessariamente de pugnar pelo estabelecimento de mecanismos de comunicação e diálogo que acomodem as necessidades, valores e interesses dos países do sul e norte, com a humildade, de partida, de reconhecer que não existem civilizações ou países superiores, que devem ter mais poder que os demais.

Ainda assim, com ou sem diálogo, este movimento de reajuste de poderes está em marcha e é, também, uma oportunidade para um país como Portugal – histórica e culturalmente ligado aos dois blocos -, surgir como a ponte diplomática de reconciliação e aproximação. Para isso, Portugal deverá adoptar uma postura construtiva no diálogo internacional, por mais que esse tipo de posição, ao dia de hoje, levante desconfianças inexplicáveis. Efectivamente, parece interessar a quem detém a posição de predominância a manutenção do actual desequilíbrio, cujo status quo se mantém devido à indisponibilidade dos incumbentes para o diálogo.

Acresce que as vacinas para a Covid19 deixaram no hemisfério sul um trauma grande e de difícil reparação, expondo uma ausência de solidariedade escandalosa do hemisfério norte rico. Valeu sobretudo a China, que enviou vacinas e equipas médicas para mais de 50 países em desenvolvimento. É provavelmente por isso que o centro de vacinas do bloco BRICS deverá avançar já na reunião de Johanesburgo, para que no futuro os países mais pobres não fiquem dependentes de terceiros. Por outro lado, o hemisfério norte não pode continuar a realizar majestosos encontros internacionais com países do hemisfério sul, onde se proferem grandes promessas de apoio e desenvolvimento que depois não se concretizam, sob pena de ferir de morte a sua reputação e confiança no diálogo Norte-Sul. Os países em desenvolvimento já não acreditam no hemisfério norte – fizeram questão de o dizer, em Paris, na semana passada. Já não se trata apenas dos 100.000 milhões de dólares americanos anuais prometidos em 2009 para a industrialização sustentável dos países sub-desenvolvidos que nunca avançaram.

Como é possível que todo um continente, o africano, tenha 600 milhões de pessoas sem acesso a electricidade, quando têm disponíveis todos os recursos naturais para a independência energética? Como é possível que as multilaterais financeiras não tenham ainda conseguido tirar todo o proveito do Rio Congo para electrificar a região e produzir o necessário desenvolvimento económico? O hemisfério norte necessita de encontrar líderes da dimensão de John Fitzgerald Kennedy ou ir buscar conselheiros do calibre de Jeffrey Sachs no sentido de prosseguirem políticas sustentáveis de desenvolvimento económico que efectivamente se realizem e tenham resultados práticos.

Apesar de fazer parte do Sul Global, a China, devido à sua capacidade técnica e financeira, tem um papel crucial nesta missão de levar o desenvolvimento económico aos países do hemisfério sul e tem reiterado disponibilidade para o fazer em colaboração com o Norte Global. Até lá vai fazendo esse trabalho de forma solitária, através de multilaterais criadas e financiadas exclusivamente por si.

São centenas de milhões de pessoas que ainda vivem na pobreza entre América Latina, Médio Oriente, Ásia e África, com fome e sem perspectivas de melhorar a sua condição, sem infraestruturas mínimas para o seu desenvolvimento, acesso a educação ou saúde. Esta missão, que é também um imperativo moral, será tanto mais cedo alcançada quanto maior for a comunhão de esforços entre os BRICS e os países do Norte Global que estejam disponíveis para colaborar.

É frustrante para os líderes dos países sub-desenvolvidos, que têm necessidades básicas de desenvolvimento, observar o hemisfério norte a desintegrar-se domesticamente e, no processo, a prejudicar o Sul Global. A guerra na Ucrânia causou mais de 300 mil mortos e 7 milhões de refugiados ucranianos em apenas um ano, mas atinge também o Sul Global e particularmente África, que se vê privada de cereais e fertilizantes essenciais para a nutrição básica de dezenas de milhões de africanos. Não é por acaso que só os países do Sul Global encetam iniciativas com vista a procedimentos de paz, enquanto o Norte Global cancela todas essa iniciativas, bem como todas as individualidades do mundo ocidental que defendam negociações e paz. Por mais justificações retorcidas que se procurem, não existe explicação moral possível para líderes de países desenvolvidos defenderem a continuação de uma guerra que mata todos os dias, destrói, causa pobreza e contribui para o flagelo da fome. É imoral, é doentio, não tem cabimento sob nenhum prisma de análise. A paz faz-se com comunicação e diálogo.

Apesar de não existir explicação moral, adivinha-se que o que está em causa é a resistência da alguns países do Norte Global ao estabelecimento de uma nova arquitectura do poder mundial e suas instituições, que inclua uma adequada representatividade mundial da população e a distribuição de poderes e riqueza de forma equilibrada e sem predominâncias.
Neste contexto, Portugal teria tudo a ganhar em se posicionar como fazedor de pontes e do diálogo que conduza a entendimentos, tal como é nossa tradição, além de um imperativo moral. Ou seja, não faz sentido, ab initio, desde o ponto de vista do interesse português, associarmo-nos a esta disputa, tomando um lado, tal como a deliberação do Governo português que restringe a actividade de empresas como a Huawei demonstra. Antes pelo contrário, Portugal tem uma longa tradição de neutralidade e pugnou sempre pelo seu próprio interesse e necessidades. Se Portugal for usado no âmbito desta disputa de tubarões internacionais, deverá ser como mediador e no sentido de encontrar soluções que permitam retirar dividendos para a sua economia e cidadãos, o que só um país com a proximidade e história que unem a China e Portugal estaria em posição de conseguir.

Devemos recordar-nos que, na sequência da crise financeira internacional, a China foi o país que mais apoiou Portugal, quando estivemos muito perto da bancarrota, sem fundos para pagar salários e pensões. Esse investimento na economia portuguesa resultou não apenas num encaixe financeiro imediato, mas sobretudo na internacionalização dessas empresas com recurso ao financiamento dos bancos chineses, criação de postos de trabalho, manutenção dos Conselhos de Administração e contribuição para a economia portuguesa através do pagamento de impostos e dividendos nunca antes alcançados pelas empresas portuguesas investidas. Mais recentemente, em 2020, quando o país precisou de equipamento médico para os hospitais e população que enfrentava o desconhecido virus Covid-19, foi a comunidade chinesa quem se desdobrou em doações e contactos para encher os aviões fretados para o efeito.

É importante relembrar que Portugal e a China são dois países com longa tradição de relacionamento construtivo, com afinidades ao longo da História exemplarmente conciliadoras e amistosas, em benefício do conhecimento mútuo, do desenvolvimento conjunto e do progresso económico. Esta relação tem-se traduzido num forte incentivo para as empresas e transmitiram à sociedade civil a imagem de dois países empenhados em criar um ambiente favorável e equitativo, para que os seus cidadãos beneficiem das oportunidades geradas por economias baseadas na abertura, na inovação, no desenvolvimento tecnológico e em benefícios partilhados. Esta é uma responsabilidade dos actuais governantes do país que atravessa os tempos e quaisquer circunstâncias particulares ou temporárias, bem como eventuais pressões ou interesses incompatíveis com o interesse nacional.

Os BRICS representam um movimento inevitável e as suas pretensões são da mais elementar justiça. É do interesse de Portugal posicionar-se como observador atento e país apoiante.

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