Reformar as CCDR: um caminho ou um fim?

Alexandra Tavares de Moura, Ex-deputada e secretária nacional das MS-ID (mulheres socialistas – igualdade e direitos)

As diferenças territoriais, revestidas das suas diversas necessidades obrigam à implementação de um modelo de governação assente nessas mesmo especificidades territoriais, que permitam potenciar o seu desenvolvimento e promover a coesão territorial.

É muito recente o decreto-lei que prevê a conversão das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) em institutos públicos. Ao longo dos últimos meses, temos assistido ao jogo de adivinhar qual o significado e impacto desta alteração na organização do estado.

A discussão ficou ainda mais baralhada, ao ocorrer durante o processo de descentralização de competências do estado para as autarquias, e que, apesar do acordo de regime estabelecido entre PS e PSD, se alongou no tempo, acabando por fazer correr mais tinta nos jornais, com a tentativa (e diga-se, com sucesso), de alguns Presidentes de Câmara de alcançar ou aumentar o seu espaço mediático. Jogou-se o “quem ganha mais poder”. Só.

Comecemos pelo princípio: o compromisso do governo. No seu programa eleitoral, com o qual concorreu às eleições de 2022, fica claro que se pretende pensar o modelo de organização territorial do estado e repensar o funcionamento da administração desconcentrada, pois assume-se que devem ser criadas condições para a realização de um referendo e harmonizar as circunstâncias territoriais, levando a que as CCDR integrem serviços de natureza territorial. Os compromissos assumidos são claros e objetivos. Nada mais transparente.

Nasce assim a necessidade de promover a alteração / conversão das CCDR.

Se pensarmos em todos os debates que se têm realizado ao longo das últimas duas décadas sobre a importância, a necessidade e, mais recentemente, a urgência de organizar o território para se estancar a perda de identidade, percebemos que se desperdiçaram anos sem que fossem implementadas as estratégias necessárias para não deixar o interior morrer.

O centralismo das decisões públicas em Portugal acentuou-se de forma significativa, com a crescente degradação das entidades da administração central presentes nas regiões, que teve, e continua a ter, elevados custos do ponto de vista da eficácia, eficiência e equidade das políticas e da provisão de serviços aos cidadãos e cidadãs e às empresas. Com este centralismo, alimenta-se um perigoso sentimento de abandono por parte das populações e de distância dos decisores políticos.

Acresce, que se sabe que os países mais desenvolvidos são mais descentralizados, ao contrário daqueles que apresentam políticas centralizadoras, que apresentam níveis inferiores de desenvolvimento.

As diferenças territoriais, revestidas das suas diversas necessidades obrigam à implementação de um modelo de governação assente nessas mesmo especificidades territoriais, que permitam potenciar o seu desenvolvimento e promover a coesão territorial.

E é ao Estado que compete encontrar as políticas públicas adequadas à diversidade do território pelo qual é responsável. Há áreas que devem ter tradução mais regional e deve garantir-se que as administrações central e local estejam alinhadas na prestação das políticas públicas.

Mas claro que este caminho tem oposição e opositores/as. A mudança provoca ruído e insegurança. Ao falamos de criar níveis de descentralização ouviremos os argumentos habituais de que esta alteração traz mais burocracias, mais dificuldade de articulação e que se criarão mais silos, ao invés de se esbaterem os já existentes. Acresce ainda o argumento, sempre presente por parte dos populistas, de que esta alteração só pretende garantir “jobs for the boys and the girls” (já agora por questões de género, não?)

Claro que existem riscos do modelo não ser suficientemente ágil e articulado. Conhecemos a natureza humana, e por isso não é difícil pensar que se pode perder com esta alteração.  Mas também se pode ganhar. Tudo depende das relações de poder entre os novos institutos públicos e as câmaras municipais, as comunidades intermunicipais, os serviços periféricos do estado, o sistema político-partidário, o lobby informal e os grupos mais ou menos organizados da sociedade política local e regional. Esta é a discussão mais importante: a regulação das suas competências.

Mas o que importa questionar nesta discussão é se, com a presente alteração estamos (ou não) a fazer o caminho da regionalização? Diria que estamos! Pois estão formalmente criadas as estruturas que integram as estratégias de desenvolvimento do território e que “coordenam as respostas de âmbito regional do Estado, desempenhando um papel privilegiado na construção de regiões mais desenvolvidas e sustentáveis” sendo os conselhos diretivos eleitos pelos autarcas.

É caso para dizer que este modelo, esta solução legislativa (para um problema criado em 1998 que parecia não ter fim, nem acordo) é uma boa decisão e trará certamente frutos para o país. Pelo caminho, e se houver condições para se realizar o referendo, como previsto no programa do governo, seja qual for o seu resultado, já está implementada a reforma.

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