Laurinda Alves: “A re-humanização faz-se sempre no processo da tomada de decisão, quando fazemos escolhas.” C/ podcast

Marta Roque

Laurinda Alves, Diretora Executiva das Conferências do Estoril que vão decorrer a 1 e 2 de setembro na Universidade Nova SBE Carcavelos, revela  em entrevista ao Estado com Arte Magazine, que é preciso re-humanizar  para pôr a pessoa humana no centro, Human´s firt. 

Nas suas aulas de Comunicação e Liderança na NOVA SBE ensina aos seus alunos que o mercado valoriza as human skills, até aqui as empresas valorizavam as competências e qualificações, mas agora “esta geração tem de olhar para as competências adquiridas e para os talentos inatos.”

Foi sempre uma mulher de causas, confessa que aprendeu muito sobre comunicação nos cuidados paliativos pela mão da médica Isabel Galriça Neto, na 1a equipa de cuidados paliativos no Hospital da Luz.

O combate à corrupção do Prémio Tagides 2023, da Associação All4integrity, é a sua mais recente causa onde defende a literacia de programas anti-corrupção nas escolas para formar os mais novos com comportamentos éticos no mercado de trabalho.

Está a preparar as conferências do Estoril que vão decorrer já dia 1 e 2 de setembro, quer adiantar o tema desta edição?

Há muita pressão exigência, muito stress, cansaço, mas sobrepõe-se o entusiasmo. Trabalhamos com os olhos a brilhar, nesta reta final num entusiasmo pelo tópico re-humanizar o mundo à nossa volta, não como um todo, mas se cada um de nós puder humanizar o que está à nossa volta, e todos temos à nossa volta muitas pessoas profundamente humanas, mas há processos de decisão, há maneiras de tomar decisão que podem ser mais humanas. É neste tópico que estamos a funcionar.

Os oradores são pessoas de excelência nas suas esferas de influência, de missão de ação, experts de ciência, mas ao mesmo tempo humanamente incríveis. Vêm quase todos, com a exceção de alguns oradores que cobram pela causa que defendem, mas quase todos vêm de forma gratuita. Sabem que somos uma Universidade pública e que o evento também é gratuito, mas é uma espécie de ciclo virtuoso, tu dás, nós damos todos damos. Estamos todos a receber, é muito entusiasmante. Estas pessoas acrescentam um valor incrível com a sua ciência, experiência e humanidade.

As conferências Re-humanizar, o nosso mundo dirigem-se aos universitários que estão moldados por uma sociedade tecnológica, como é que vão desafiar os jovens para saírem do mundo tecnológico?

É um mundo muito competitivo, as pessoas são chamadas a ser 1 marca e atirarem-se para o mundo extremamente competitivo e agressivo e quando falamos em re-humanizar estamos a tentar que esteja no centro a pessoa humana, como se tivéssemos uma frase chave: Human´s firt. Quando pomos as pessoas em 1º lugar não há nada que seja tão ameaçador como parece. Vivemos numa era não só de competitividade agressiva, de organizações que fomentam essa agressividade nos mercados, precisamos de perceber que podemos ser sempre pessoas resgatadoras, que estão atentas às pessoas frágeis que estão à nossa volta, independentemente do nível em que estamos nas organizações, ou ainda no caso de serem estudantes em formação para o mundo, para a vida adulta.  É muito importante ter presente que a re-humanização faz-se sempre no processo da tomada de decisão, é quando fazemos escolhas, são diárias. É aí que temos de ter esta consciência reforçada: O que é que é mais humano? O que é que nos leva mais longe? Onde é que crescemos todos?

Está a tocar num ponto onde podemos melhorar todos. Está como directora do prémio Tagides2023, de que forma é que o premio está a atacar o tema da corrupção?

O prémio Tagides2023 é 1 causa, somos todos voluntários, uma causa que deve ser comum. A corrupção tira do nosso bolso muito dinheiro, tanto que se o valor da corrupção fosse distribuído, senão nos fosse subtraído, permitia que todos os portugueses não pagassem IRS, e isto é absolutamente colossal.

Quando não há dinheiro para Educação, Justiça, neste momento a maior causa de pobreza é a corrupção. Muitas pessoas que estão atentas ao problema da corrupção podem aderir a esta causa. Como podemos associar-nos a associação All4integrity e combater a corrupção? A Associação que preside ao prémio Tagides2023, tem uma rede escolas e programas de literacia anti-corrupção, que estão em vigor e que são contagiantes e louváveis. Todos conhecemos pessoas que estão ativamente a combater a corrupção, que estão a promover culturas de integridade, temos a obrigação de os nomear, para serem reconhecidos e premiados.

Só o facto de serem nomeados já é um prémio, porque já é um reconhecimento. Quanto mais fizermos isto, mais seremos um sistema de vasos comunicantes em que a corrupção atinge-nos a todos, é 1 causa que é de todos, e em que todos podemos participar, há muitas maneiras de participar e esta é 1 delas.

O que é que se pode fazer mais, para além desta sensibilização social. Dar formação nas escolas?

Esse é o ponto chave. Onde tudo acontece, onde tudo se molda onde o carácter onde alunos e professores, onde as pessoas que estão em formação ou a formar é onde podemos sublinhar o poder individual, temos um poder coletivo muito forte, mas o poder individual de cada um é muito grande é ai que se podem formar as pessoas, e esta literacia consiste em como detectar, identificar os comportamentos desviantes, o que é que nós aceitamos passivamente.

Sempre se fez, mas não é porque sempre se fez que as coisas são éticas, ou porque é aceite que as coisas estão bem feitas, essa consciência tem que ser feita nas escolas, desde muito cedo e é isso que a All 4 integrity está a fazer e a levar as escolas. Os alunos e professores trabalham estas matérias em conjunto. E não é uma matéria que fica percebida intelectual, mas como experimentam, fazem, trabalham, percebem o efeito são coisas que não esquecem. Numa situação futura vão-se lembrar que o que parece menor pode dar origem a comportamentos desviantes. Se formos mais atentos, se tivermos tolerância zero a comportamentos que não são éticos, e a comportamentos que são desvios comportamentais, ficamos mais conscientes que estamos a formar novas gerações para uma nova atitude menos passiva a questões de corrupção.

Do seu ponto de vista de onde vem esta falta de ética em que tanta gente é permeável à corrupção, nos vários sectores da sociedade?

Vem de todos os lados, cada corrupto tem a sua circunstância, o seu caminho, cada pessoa que se deixa corromper é igual. Uma pessoa não pode generalizar, o problema da corrupção é muito silencioso, funciona na base do silencio. Se alguém quer corromper alguém tem de garantir que essa pessoa fique no silencio. Não vai denunciar alguém, delator. Os caminhos para a corrupção são muitos.

Conhecemos muito mais pessoas honestas do que corruptos, o problema é que o impacto que têm é brutal.

Há uma voz que nunca se cala em nós, a voz da consciência sempre ativa, essa voz vai estar sempre activa para dizer: isto não está bem. Quando isto acontece, devemos fazer o double check, donde é que isto vem. É um exemplo que dou aos meus alunos na cadeira de comunicação e liderança. As questões éticas são estas: imaginem que chegamos ao mundo do trabalho e porque fazemos bem o nosso trabalho geramos uma relação de confiança com o cliente, e quer compensar-nos com um presente, o máximo que podemos aceitar, para não ficarmos refém e mais à frente não tenhamos que pagar, pode ser um presente como uma caneta que não tenha muito valor, um ramo de flores, um livro

O limite será sempre uma coisa simbólica?

Muito simbólica. De baixo preço e que não me deixa refém. O problema destes presentes é que não é uma coisa simbólica, cria-se uma expectativa á frente vai acontecer, pode ser um princípio de um comportamento desviante. Por isso é que o código ético das empresas hoje tem esta regra de conduta de não aceitar presentes. O que acontece nas pessoas corruptas funcionam com as chamadas luvas, funcionam na fragilidade do outro, na necessidade do outro…

Nos medos…

As pessoas ganham pouco, precisam de dinheiro e isto pode dar jeito. Isto pode começar aqui ou logo pela grande corrupção.

O corrupto quer e precisa independentemente da pessoa que é corrompida. Estas gerações são muito sensíveis, porque estão informadas, vêm as notícias, vem julgamentos intermináveis, o nome fica pela lama, em que este lucro ganancioso está a fazer história.

Como professora de Comunicação e Liderança quais são as competências que ensina aos seus alunos? O que é mais importante: a técnica? A informação?

Não, são as human skills. Vivemos na era da inteligência artificial, da robótica, é ameaçador, é fascinante, mas é inquietante, escolhemos o tema re-humanizar o nosso mundo para as conferencias do Estoril. Vivemos num tempo ameaçador: tudo é uma ameaça, as guerras, a pandemia os fluxos migratórios, ver os imigrantes a chegar a sofrer, os imigrantes a morrer no mediterrâneo, no alto mar, tudo isto nos ameaça, nos interpela. Mas há a inteligência artificial também, porque no limite pode fazer com que a minha função pode deixar de fazer sentido. Aquilo que cultivamos nestas aulas é a marca de cada um, a autenticidade de cada um, ou seja não artificializar, não ser aquilo que os outros esperam que eu seja, mas olhando para o meu potencial, os meus talentos, para as minhas competências, olhando para quem eu sou com autenticidade, numa logica de bem a melhor, temos de aceitar a nossa imperfeição de forma relaxada, não é isso.

Tenho pontos de superação e vou ver desses defeitos onde é que posso superar. E evoluir de lógica de bem a melhor. Procuramos cultivar a autenticidade de cada um, para que as pessoas não se artificializem, porque o mercado vai sempre valorizar os talentos e competências de cada um, mas as pessoas não podem esquecer os talentos inatos. Até aqui tínhamos muito a noção de competências: adquiridas, o curso, as especializações, mestrado, doutoramento e pós-doutoramento.

Mas esquecem-se que têm talentos inatos, que parecem ser o recreio, por exemplo gostar de tocar bateria. Dizem-me: “Eu nunca vou viver disto”. Eu respondo: “não sabemos”. Esta geração tem de olhar para as competências adquiridas e para os talentos inatos.

E as empresas já estão a olhar para os talentos?

Na maneira como se relaciona, reparam na autenticidade humana, na maneira como nos comunicamos.

Há empresas hoje em dia fazem double check, por exemplo fazem 50 entrevistas com curricula fantásticos, iguais, onde é que se vão diferenciar? Nas human skills nas chamadas competências humanas, na atitude, na maneira de relacionar, na proatividade, na capacidade de decisão, na criatividade.

Algumas empresas fazem uma coisa incrível: quando as pessoas estão na sala de espera estão a ser vistas, algumas não se relacionam, porque estão nervosas, outras fazem network, estão como se fosse a ultima oportunidade. Este body language já é muito diferenciador.

Dizemos aos nossos alunos que tenham atenção desde que põem o pé na porta de entrada ao elevador, até ao sítio onde vão ser entrevistado. Há pessoas que estão a ver se é educada. Tudo isto faz diferença. Por exemplo, numa sala onde aparentemente estão chávenas de café suja, umas pessoas arrumam, outras não fazem nada. Que pessoa escolhem? A pessoa que arrumou. Isto vai de encontro com a cultura daquelas empresas que de propósito põem as pessoas a fazer todas as tarefas.

Para ser um bom líder tem de saber fazer todas as tarefas

Não só, para ser 1 bom colaborador. Eu trabalho melhor se os outros souberem fazer. Estou a contribuir para qualquer coisa em que todos os outros fazem a sua parte. Se achar que começa e acaba em mim não dá.

Aquilo que é propriamente de cada um, e que é extraordinariamente humano. Resgatador, temos de estar permanentemente a resgatar-nos, compreender-nos uns aos outros.  A valorizarmos e a validar-nos.

Por vezes aparece alguém que chora e a nossa atitude é dizer: não chores que isso vai passar. Mas não é isso que temos de dizer. Mas pensar: esta pessoa escolheu-me para chorar, tenho de ter a coragem e a capacidade de que esta pessoa chore, tentar perceber porque está a chorar. O que posso fazer?

E flexibilidade para aceitar a fragilidade do outro

Temos dificuldade em validar os sentimentos dos outros, o que pensam, as logicas dos outros. Não tenho de estar de acordo, tenho é de validar. Tudo isto são competências humanas.

Tem-se dedicado aos cuidados paliativos?

Se há coisas na vida onde aprendi muito e que agradeço ter esse tempo de voluntariado: são os cuidados paliativos. Começou em 2007, fiz 3 anos de voluntariado de cabeceira no Hospital da Luz, fiz parte da 1ª equipa de voluntários de cuidados paliativos da Dra. Isabel Galriça Neto, foi uma aprendizagem incrível. Sabe onde aprendi mais sobre comunicação? Foi neste anos, temos de fazer cursos para ter competências para saber estar à cabeceira de doentes crónicos, terminais, pessoas…

No limite da vida…

ou limite da fragilidade. Porque depois também têm alta, é bom não associar os cuidados paliativos sempre a morte, doença terminal. Mas também a doença crónica, irreversível. Fizemos cursos, precisam de ser ouvidos, validadas valorizadas. Competências humanas. Validar e devolver questões. Validar e devolver questões.

Exemplo: vou morrer? É brutal. Algumas sabemos que sim outras não sabemos. Não posso ignorar esta pergunta, fingir que não ouvi.

Não posso enganar a pessoa, e paternalizar. Ser ácida e dizer que vai acontecer. Não posso tirar a esperança a esta pessoa. Não posso enganar enquanto ela está viva, importa que esteja inteira, não a  enganar, mas posso devolver a questão. E nós achamos que a cada pergunta que é feita temos de saber responder e não temos. Temos é de saber devolver para quê? O que está a sentir? Ao devolver a pergunta estou a abrir um campo para a pessoa dizer o que está a sentir, porque está inquieta. Temos de saber fazer isto no nosso dia-a-dia, porque à nossa volta estamos desanimados e há injustiça e que não é só com os outros. Quando nós tivermos esta consciência vamos conseguir validar essa vulnerabilidade e reforçar e Aumentar a esperança de vida enquanto está viva.

Devo isto à equipa da Dra Isabel Galriça foi ela que trouxe os cuidados paliativos para Portugal. Devemos-lhe os cuidados paliativos em Portugal. Tem feito um trabalho incrível. Faço-lhe uma vénia.

Foi ela que a inspirou para ingressar na política? Foi candidata as eleições europeus e vereadora de Direitos humanos no executivo de Carlos Moedas.

Não posso dizer que foi a Dra. Isabel Galriça Neto. Em 2009 fui candidata pelo MEP, Não posso dizer que foi a Dra. Isabel Galriça Neto, tenho essa demanda interior pela causa e do bem comum e da causa pública. Em algumas alturas da minha vida dispus-me a isso. Jamais teria saído da CML pelo meu pé, jamais. Tenho um grande sentido de missão.

Acontece que tive um covid longo e insidioso, 10 dias internadas no hospital e era preciso 4 meses isolada em casa, desde que voltaram os sintomas, a CML é uma máquina que não pode parar, e eu não podia ter essa pressão de estar na CML Saí por esta questão.

Enquanto missão sentido de missão ao serviço do bem comum aprendi muito com as equipa da CML. Como sou independente, conjuguei competências com pessoas de outros partidos, mas sou completamente pró-Carlos Moedas e Novos Tempos. Nos serviços da Câmara Municipal temos pessoas de todo o espectro ideológico, e encontrei pessoas de uma competência total.

O que é que a motiva?

Ir mais alto e mais longe em cada dia, no sentido da fé, em termos espirituais. E se conseguir contagiar algumas pessoas com esta alegria, esperança, confiança é isto que me motiva.

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