Os protestos e as acções de defesa climática: actos terroristas, ou acções justificadas como forma de prevenção de um mal maior?

Paula Ribeiro de Faria, Professora de Direito Penal na UCP

A questão muda de figura, e tem vindo a ser alvo de medidas bastante duras da parte de alguns Estados, quando se trata de ações diretas e de formas de actuação que já não se destinam apenas a “protestar”, no sentido de chamar a atenção para a crise climática, ou a apelar para a mudança, mas que têm por objetivo travar pelas próprias mãos a continuação das agressões contra o clima e o agravamento da situação.

Esta semana o nosso Ministro do Ambiente foi atingido durante uma conferência com um balão cheio de tinta verde, arremessado por uma ativista, enquanto proferia palavras de ordem contra a política ambiental do Governo. No dia seguinte, os activistas do clima pintaram com tinta vermelha a fachada da FIL onde decorria um evento sobre aviação civil. É à luz destes comportamentos que se justificam as linhas que se seguem sobre o activismo climático.

A crise climática é hoje uma evidência mesmo para os mais cépticos: em agosto deste ano, a Catalunha e a Grécia foram devastadas por incêndios, enquanto a Sérvia e a Croácia eram fustigadas por chuva forte e granizo que provocaram inundações gigantescas. Há duas semanas, o temporal e as cheias na Líbia causaram mais de 10 mil mortos, e um quarto da cidade de Derna desapareceu.

Estima-se que o Ártico fique sem gelo em 2030, muito mais cedo do que os cientistas previam, e é urgente travar a subida do nível da água do mar e a perda da biodiversidade, e reduzir as emissões mundiais de gases de efeito de estufa, garantindo uma transição energética para modelos mais limpos e eficientes baseados no uso de fontes renováveis.

Perante este cenário apocalíptico, os activistas do clima desdobram-se em manifestações e em ações de intervenção destinadas a mobilizar a opinião pública e a combater a inércia dos políticos em matéria ambiental. Nesta matéria, tudo serve para chamar a atenção e mudar o estado das coisas: desde marchas pacíficas na rua com cartazes e palavras de ordem, a formas de intervenção diretas que envolvem a destruição de bens e de equipamentos, a obstrução do fornecimento de energia poluente e, mais raramente, ataques contra bens jurídicos pessoais.

O verdadeiro problema destes protestos não se coloca naturalmente no caso de manifestações pacíficas não armadas, destinadas a criar imagens com impacto e a gerar visibilidade nas redes sociais e através dos meios de comunicação social. Movemo-nos aqui dentro do âmbito de proteção constitucional da liberdade de manifestação e de protesto, e quaisquer inconvenientes ou perturbações que surjam no contexto de formas de manifestação pacífica têm de ser toleradas pelos restantes cidadãos.

A questão muda de figura, e tem vindo a ser alvo de medidas bastante duras da parte de alguns Estados, quando se trata de ações diretas e de formas de actuação que já não se destinam apenas a “protestar”, no sentido de chamar a atenção para a crise climática, ou a apelar para a mudança, mas que têm por objetivo travar pelas próprias mãos a continuação das agressões contra o clima e o agravamento da situação.

Este é objetivo dos activistas que bloqueiam os camiões que transportam combustível fóssil impedindo que cheguem ao destino, ou que fecham as torneiras de distribuição de materiais poluentes, causando a destruição ou danificação dos equipamentos e prejuízos patrimoniais importantes, e que, por exemplo, nos Estados Unidos, têm sido condenados duramente por violação da propriedade privada e dano, porque os tribunais têm entendido que estas ações apenas se destinam a obter visibilidade, que as modificações climáticas não constituem um perigo actual ou iminente mas um perigo generalizado e difuso, e que nenhuma destas medidas é eficaz na luta contra as alterações climáticas, que devem ser combatidas politicamente.

A posição dos tribunais relativamente às ações em defesa do clima (que tem vindo a mudar desde que a Califórnia reconheceu em agosto um direito à defesa do clima e um direito a um ambiente saudável que pode ser ponderado como justificação destas condutas), justifica-se porque os tribunais entendem que são formas de comportamento subversivas, que comprometem as estruturas sociais, jurídicas e sociais de um país. Só assim é que se compreende que Jessica Reznicek, activista climática, tenha sido condenada a oito anos de prisão efetiva, confirmada em 2022, por ter participado, em 2016, em marchas, rallies, e boicotes, destinados a travar a construção da pipeline de acesso ao Dakota, devido à preocupação de que esta estrutura pudesse contaminar a água potável e o solo de uma reserva indígena Sioux situada na trajetória do pipeline.

Como não conseguiram travar a construção do pipeline, Jessica, e outro amigo, lançaram fogo a um bulldozer e a outros equipamentos de construção do pipeline, e fizeram três furos no pipeline com tochas a arder, tendo reclamado a responsabilidade pelas suas ações.

A severidade com que os tribunais julgaram este caso, e outros, de activismo ambiental, contrasta flagrantemente com a magnanimidade com que normalmente decidem os casos de protesto politico, que é considerado legitimo mesmo quando se deixa acompanhar da destruição de propriedade, de violência, e de grave desautorização da autoridade, como aconteceu na invasão do Capitólio, em que manifestantes vestidos de armaduras e com armas ameaçaram agredir fisicamente e remover os membros de um órgão democraticamente eleito, fizeram ameaças e afirmaram “queremos ver a cabeça da Pelosi a bater em cada um dos degraus das escadas ao sair do edifício”. Estes indivíduos não foram considerados terroristas, e foram muito menos punidos do que Jessica Reznicek.

Também a Austrália e a Nova Zelândia aprovaram leis destinadas a enquadrar as ações dos ativistas climáticos como actos terroristas, uma vez que os activistas climáticos não dirigem os seus ataques apenas contra pessoas concretas, mas pretendem atingir a legitimidade do poder do Estado e das suas leis. Na verdade, os ativistas climáticos pretendem a subversão do sistema social, politico e jurídico, que torna a sua conduta ilegítima, e a sua substituição por um sistema que acolha os seus valores e as suas opções. Nesse sentido podem ser considerados terroristas.

Mas aqui chegados, parece ser justificado perguntar: será que as alterações climáticas em curso não constituem um perigo maior do que os riscos envolvidos nas ações em defesa do clima? Será que faz sentido afirmar, como os tribunais norte-americanos, que não estamos perante um perigo iminente para o planeta, e que as gerações mais novas não têm um direito a reagir? Estas ameaças estão perante nós, e o sistema vigente não permite travá-las sem ser através da violação das suas regras e das suas leis, tal como aconteceu com as sufragistas no século passado, ou com os abolicionistas da escravatura.

Todas estas pessoas seriam qualificadas como terroristas à luz dos ordenamentos jurídicos em vigor, sendo certo que é impossível recusar alguma parcela de utilidade ou de eficácia a cada uma das ações de luta que se desenvolvem em defesa do planeta. A pipeline que foi danificada já não vai poluir, ou vai poluir menos, o camião que tem os pneus furados e que não conduz o combustível ao seu destino, não vai permitir essa poluição.

Com isto não queremos dizer que estamos formas de protesto constitucionalmente legítimas, mas admitimos que algumas possam ser justificadas sob o ponto de vista do direito penal, sobretudo quando se trata de diminuir a poluição causada por industrias altamente lucrativas (não no caso dos proprietários dos carros SUV que vêm os seus pneus furados nos lugares de estacionamento, o que parece um vulgar atentado ao direito de propriedade), tendo em conta a gravidade do perigo gerado, a desproporção crassa entre o perigo que ameaça a humanidade e a perturbação e o dano causados, e tendo ainda em conta que cada uma destas ações contribui de alguma forma para diminuir o alcance da ameaça global (ou, pelo menos, existe essa convicção da parte de quem atua, o que pode permitir desculpá-lo).

Por fim, regressemos ao ataque de que foi vítima, esta semana, o nosso Ministro do Ambiente. A política dos activistas do clima não tem passado pela utilização de formas de agressão contra as pessoas, como o rapto, ofensas à integridade física, ou homicídios, uma vez que não só são condutas completamente ilegítimas à luz dos pressupostos que referimos, como são totalmente contraproducentes quando se pretende motivar as pessoas para a causa climática.

A violência física é um limite inultrapassável destas ações que pode permitir a sua qualificação efetiva como actos terroristas (embora no caso do ministro, a agressão não só tenha sido bagatelar, como se dirigiu à política do governo em matéria ambiental, o que permite diminuir a sua relevância, o que foi feito, e muito bem, pelo próprio ministro).

Já o protesto que consistiu em atirar tinta vermelha para a fachada da FIL, parece-nos representar uma forma de protesto perfeitamente legitima, que tem de ser aceite e tolerada, assim como a ação proposta no TEDH por 6 jovens portugueses acusando 32 governos de inação climática, que revela coragem, espirito de cidadania e vontade efetiva de mudança.

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