Coming to America, 35 anos de uma comédia genial onde o dever e a liberdade lutam entre si.

Bernardo Almeida

Um filme sobre o carácter, amor e a afirmação do conceito da terra da liberdade como parte dos valores americanos, embrulhado numa comédia.

A 30 de setembro passaram 35 anos da estreia do filme Coming to America, mais conhecido pelo público português por Um Príncipe em Nova York.

Realizado por John Landis e protagonizado por Eddie Murphy, este filme era a segunda colaboração entre ambos, depois do sucesso de 1983 Trading Places (Ricos e Pobres). Uma produção da Eddie Murphy Productions e distribuído pela Paramount Pictures.

O filme tinha ainda um elenco repleto de actores famosos na década de 80, como James Earl Jones, Arsenio Hall, John Amos, e outros menos conhecidos do grande público da altura como, Madge Sinclair, Shari Headley, Eriq La Salle ou Louie Anderson.

Com papeis mais pequenos, aparecem os então desconhecidos, Cuba Gooding Jr., Vondie Curtis-Hall e Samuel L. Jackson.  Quase em jeito de homenagem e como referência ao filme Trading Places, Don Ameche e Ralph Bellamy, reaparecem nas personagens dos irmãos Duke.

Coming to America é um filme sobre alta e baixa cultura, sobre o modo de vida dos ricos e menos ricos, os standards a que têm de pertencer, as obediências e deveres obrigatórios, e o questionar dessas regras.

Por outro lado, é também um filme sobre o carácter, amor e a afirmação do conceito da terra da liberdade como parte dos valores americanos, embrulhado numa comédia.

O filme começa com Akeem (Murphy) a preparar-se para o casamento arranjado pelos pais, e uma outra família poderosa do reino fictício de Zamunda. Apesar dos exageros cómicos, é possível entender que Akeem é confrontado com a posição que ocupa e não a pessoa que é, ou quer ser. Na cena onde diz que é um homem que não sabe atar os seus sapatos, é-lhe respondido que ele é um príncipe que não sabe atar os seus sapatos. Fica clara a ideia sobre a dicotomia entre a pessoa e o cargo.

Todos os outros rituais como o tomar banho acompanhado, as pétalas no chão, acordar com música, e mesmo as aulas de defesa pessoal, trazem este significado misto entre a alta cultura, a vida do privilégio e as expectativas à volta do príncipe que um dia será rei.

Este tema da expectativa e questionamento é reforçado pela cena onde Akeem, num momento inesperado, decide falar a sós com a sua noiva obrigatória. Esta decisão é o ponto de partida para o filme. Ao questionar a noiva, percebe-se que esta significa a funcionalidade e sujeição robótica aos desejos do futuro rei, e não alguém que seja um indíviduo com ideias e vontades próprias.

Desta forma Akeem começa a negar o peso do cargo ao ir atrás da sua vontade própria e afirmação individual, o que, apesar da aparente contradição, representa também um acto de maturação que é o de decidir por si mesmo e não ceder a pressões. Começa aqui o trajecto onde Akeem se assumirá como o “herói” na luta contra as convenções.

A chegada a Nova York representa o outro lado desta história. A personagem Cleo McDowell (Amos) é a face deste lado da dicotomia entre ricos e pobres. Cleo é um homem que construiu uma marca e um negócio próprio de fast-food, (um aspecto da cultura popular dos anos 80) e sabe as dificuldades que passou para lá chegar. Como pai, tenta que as filhas não passem pelo mesmo. Esta ideia introduz o universo onde Cleo se encontra, um homem, que na sua condição sócio-económica, “aceita” o seu lugar.

Por um lado, presta bajulação aos ricos que podem trazer ganhos financeiros à sua filha, o que o remete para uma posição servil. Por outro, ao tentar decidir o destino da filha sem o aval desta, Cleo representa o papel da pobreza moral e castrador da maturação da filha que se vê impedida de decidir a sua vida.

Landis (e também Murphy, já que o filme é escrito por ele) propõe assim um paradoxo ao demonstrar as diferenças entre ricos e pobres, mas uma semelhança entre as expectativas que os pais têm para os seus filhos, a autoridade que usam para o cumprimento dessas expectativas, e o efeito nefasto que isso tem.

Existem outras semelhanças entre personagens como é o caso de Semmi (Hall) e Patrice McDowell (Alison Dean). Os dois representam a desilusão dos caminhos escolhidos pelos seus. Semmi não se consegue adaptar ao espírito rebelde do príncipe, aspecto este que é evidente quando entende que arrumar a casa é transformá-la no luxo a que estava habituado e também o facto de se recusar a trabalhar.

Patrice representa a mulher pobre que não quer trabalhar e apenas sente inveja da irmã pelos status financeiros quer do namorado, quer mais tarde de Akeem. Ainda é mais evidente quando decide “cativar” o namorado da irmã.

A outra semelhança entre personagens e também a razão do seu encaixe é o caracter e superioridade moral de Akeem e Lisa McDowell (Shari Headley). Esta é descoberta pelo príncipe quando vai ao palco falar numa cerimónia de angariação de fundos. É essa qualidade de líder e de bondade que ele reconhece nela (e que a remete para o papel de “heroína”) e que faz também parte do carácter de Akeem.

São estas as qualidades, de liderança e bondade, que apesar de todos os obstáculos que os tentam separar, lhes permite encontrar formas de os ultrapassar. Assim, como protagonistas têm o seu final feliz e são os “agentes” da mensagem principal do filme.

Esta mensagem é o rompimento com as formalidades rituais do status, e dessa forma forjar o seu próprio caminho, fazendo as suas escolhas e assim criar narrativas, longe da pressão dos antecessores paternos e geracionais.

Porém, esta mensagem é completamente diluída no contexto da comédia e assim consegue-se transmitir algo importante, sem cair no drama da seriedade. Está aqui também patente a qualidade cómica suprema de Murphy que, em parceria com Hall, consegue fazer vários papeis e todos eles são fantásticos e icónicos, uma vez que ficaram na memória colectiva do cinema de comédia dos anos 80. Todos se lembrarão de Reverand Brown ou de Randy Watson e os Sexual Chocolate, entre outros.

O facto de se chamar Coming to America e esta ser o palco onde estes ideais de standards de vida privilegiada e classe pobre perdem a batalha com a liberdade de escolha, faz do EUA o local onde a procura e o encontrar da felicidade se juntam, num romancear da America way of life e valores ocidentais. Tudo junto, é um filme para rever e revisitar o génio que é Eddie Murphy.

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