José Pedro Sequeira. “Não há famílias funcionais, há famílias mais funcionais do que outras”.

Bernardo Almeida

PAUSA MENTAL 

Eu não sou o meu trauma, retratos de disfunções, é o mote para a entrevista do jornalista Bernardo Almeida ao psicólogo Pedro Sequeira, especializado em terapia familiar.

“As famílias têm todas elas momentos nos seus ciclos de vida, várias transformações que exigem forças emocionais que criam perturbações”, afirma José Pedro Sequeira. Diz ainda que quanto mais estas forças forem serenadas, mais fácil será ultrapassar os efeitos dessas transformações.

Estas disfunções, de acordo com o psicólogo podem ser despoletadas, pela “adolescência dos filhos que reativam as adolescências dos pais e os conflitos que os pais não resolveram”.

Desde que me lembro de pensar, lembro-me de querer saber o que se passa, que é o mesmo que dizer, quero respostas às minhas questões e posteriores seguranças quanto às minhas dúvidas.

No entanto, havia questões que eu agora sei que o são, mas que por altura da minha vida familiar, eu apenas vivenciava sem saber mais nada.

É aquilo a que no seio de uma família disfuncional se chama de normal. Uma vez que não se faz visitas a outras famílias para se entender dinâmicas, vive-se na sua bolha e é por isso que aquele normal torna-se a norma.

Nós, os filhos de uma família cujas funções estruturais foram substituídas pelas ausências físicas ou as impossibilidades de comunicações emocionais, crescemos altamente desequilibrados.

“As famílias têm todas elas momentos nos seus ciclos de vida, várias transformações que exigem forças emocionais que criam perturbações”, afirma José Pedro Sequeira, psicólogo especializado em terapia familiar. Diz ainda que quanto mais estas forças forem serenadas, mais fácil será ultrapassar os efeitos dessas transformações.

Estas disfunções, de acordo com o psicólogo podem ser despoletadas, pela “adolescência dos filhos que reativam as adolescências dos pais e os conflitos que os pais não resolveram”.

Este gatilho familiar, proposto por José Pedro Sequeira, ilustra bem as consequências que existem entre casais que já trazem consigo uma bagagem emocional inconsciente que reaparece pelo meio dos desafios educacionais que caracterizam muitas das dinâmicas entre pais e filhos.

Não é muito complicado perceber as origens destas reativações e até poderá abrir o caminho ao passo final na compreensão dos nossos passados. Os nossos pais, aqueles que não criaram as condições para a comunicação, não puderam também eles ser filhos. Também a eles não lhes foi dado esse espaço que produz a maturação que vem da validação emocional. E gera-se a continuidade dos desequilíbrios.

Diz José Pedro Sequeira, sobre este contexto de vazios comunicacionais que “os filhos sentem que há qualquer coisa que se passa e que não conseguem identificar, mas intuem muito bem.”

Esta era uma sensação muito comum na minha infância e adolescência. Havia uma tensão constante que nos desconectava como família e que a mim me remeteu para uma interiorização e sensação de medo e culpa. Era muito frequente eu perguntar-me o que é que eu fiz ou o que é que se está a passar.

Torna-se, agora mais simples ligar conceitos da saúde mental que podem ajudar a obter respostas mais eficazes. No meu caso, é isso que acontece quando estabeleço a ponte de entendimento entre a família das disfunções emocionais e o trauma geracional.

Os meus pais já vinham emocionalmente comprometidos com os traumas, numa altura onde este termo não fazia parte de léxico nenhum. E isso continuou.

Uma outra característica das famílias cujas funções estão perversamente comprometidas, é a “parentificação” dos filhos, que, de acordo com o psicólogo tem “consequências desastrosas, nomeadamente na criação de vários sintomas de ansiedade mais à frente.”

No meu caso, eu fui o filho confidente da minha mãe. Havia uma espécie de euforia em mim quando eu sentia que ela me dava importância suficiente para me contar coisas ou perguntar-me o que eu achava. Eu, em troca sentia-me um adulto cujas opiniões eram momentaneamente importantes.

No entanto, cresci com esse desequilíbrio. Por um lado, eu “era” um adulto, por outro uma criança que “falhava” essa parte adulta e isso gerou um conflito com as tais consequências desastrosas. Essas consequências foram a formação de uma infantilidade emocional de não conseguir lidar com as constantes adaptações de contexto e uma autoexigência comportamental cujas expectativas eram impossíveis de alcançar, porque eu era de facto uma criança que não tinha como brincar aos adultos.

Em resultado destas circunstâncias, há algo que fica por desenvolver na criança que fomos e que o tempo já não nos quer deixar ser. Reitera José Pedro Sequeira, que é este desenvolvimento que se procura recomeçar quando se chega ao contexto terapêutico. Para isso é necessário que a pessoa “recue às vivências das dificuldades pelas quais passou e que as possa pôr em perspectiva e analise”, atesta.

No entanto, o psicólogo afirma também que é preciso gerir esses “tempos” uma vez que a pessoa pode estar ainda muito magoada e ainda não teve a possibilidade de “descarregar a sua agressividade”.

Em primeiro lugar deve-se tentar lidar com a ansiedade produzida por estes enigmas comunicacionais que trazem dores e desconfortos que a pessoa não sabe de onde vem. Depois, assevera José Pedro Sequeira que aquilo que um psicoterapeuta faz é dar ferramentas de ligação entre o afecto e as ideias. Quando estas ferramentas já permitem a compreensão, a pessoa já estará mais perto de poder lidar com os pais e compreender quem eles são.

Eu encontro-me nesta fase. Os anos de terapia que tive foram exactamente para poder aqui chegar, ao ponto ilustrado por José Pedro Sequeira. Entender quem eram os meus pais. Aprender a fazer o luto entre quem eu precisava que eles me fossem e quem eles puderam ser dados os seus constrangimentos.

“As famílias quando se constituem, são como podem ser”. Esta é uma sabedoria providenciada pelo psicólogo, para qual é necessário, tempo, ajuda e muita compreensão.

É que apesar de tudo e todos os momentos, situações, medos, violências, privações e distanciamentos, os meus pais fizeram como puderam. Esse é um corolário que às vezes ainda me é difícil de viver na plenitude, porque a raiva e a frustração foram a minha companhia diária durante tantos anos, que não é fácil perceber que eu não sou o meu trauma.

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