Lisboa sorriu

David Lopes, Gestor e ex-coordenador da Unidade de Missão Câmara Municipal de Lisboa para a JMJ23Lisboa

Vivemos dezenas de episódios de generosidade semelhantes, mas trago-vos este episódio, pois nele reside uma das principais razões do sucesso da  Jornada Mundial da Juventude de Lisboa: os peregrinos e os voluntários. O mesmo é dizer que o mundo veio a Lisboa para celebrar a paz, o diálogo entre culturas e religiões, a defesa do planeta, entre muitas outras causas importantes para a humanidade.

No dia 05 de Agosto de 2023, 15 horas, dentro do Parque do Tejo já estariam cerca de um milhão de peregrinos. Ao nosso contentor/centro de coordenação chega a notícia de que num dos sectores a drenagem da estrutura do bebedouro e acesso à água não dava vazão a tanta água utilizada, fazendo com que esta atravessasse um dos arruamentos criando um pequeno rio de lama.

Dada  a inclinação do terreno, a água invadia já um segundo lote relvado. As fotografias que recebemos não deixavam dúvidas. As brigadas LX, equipa de intervenção rápida da Câmara, tinham que agir urgentemente, sendo de  imediato solicitado o seu apoio, utilizando sempre os princípios de coordenação municipal, que tinha no Serviço de Protecção Civil Municipal o “distribuidor de jogo” (a que chamávamos a nossa “sala de despacho”).

A dificuldade era sempre o tempo de resposta, sobretudo quando a intervenção exigia a utilização de um qualquer veículo técnico, pois pela frente tínhamos dezenas de milhares de peregrinos a circularem pedonalmente nos arruamentos existentes.

Eu, o Álvaro Covões e o Tiago Abreu, decidimo-nos pôr a caminho, a pé e o mais rapidamente que podíamos. Queríamos ver esta primeira intervenção e combinámos aproveitar para fazer uma volta total ao recinto para avaliar “in locco” as condições e o ambiente de festa que nunca antes tínhamos presenciado. Chegámos um pouco antes da Brigada Técnica e quando nos aproximamos vimos algo que nunca iremos esquecer. A estrada de lama, tinha dado lugar a um canal artesanal de talvez 15 centímetros de profundidade e de 30 de largura, por onde corria uma pequeno ribeiro.

À nossa frente tínhamos uma peregrina filipina com uma colher de sopa na mão e com as calças de ganga enlameadas. O seu sorriso dizia tudo. Tinha liderado uma pequena equipa de peregrinos, que com uma colher e as suas próprias mãos tinham resolvido o problema encaminhando a água para um sumidouro.

Vivemos dezenas de episódios de generosidade semelhantes, mas trago-vos este episódio, pois nele reside uma das principais razões do sucesso da  Jornada Mundial da Juventude de Lisboa: os peregrinos e os voluntários. O mesmo é dizer que o mundo veio a Lisboa para celebrar a paz, o diálogo entre culturas e religiões, a defesa do planeta, entre muitas outras causas importantes para a humanidade.
Não se confirmou o que os profetas da desgraça vaticinaram, sobre o desaparecimento de jardins, a necessidade de fugir de uma cidade que iria transbordar de lixo e onde seria pura e simplesmente impossível  viver e trabalhar. Pelo contrário, as canções, os abraços e a alegria invadiram a cidade surpreendendo mesmo os não crentes.
Tornaram-se virais imagens de peregrinos abraçados a lojistas e a agentes de autoridade. Simultâneamente a RTP, no seu papel de Host Broadcast entregava a emissão,  irrepreensível, a dezenas de cadeias de televisão que fizeram chegar a 400 milhões de lares em todo o mundo, o que estava a acontecer em Lisboa.
No último dia da Jornada, a 06 de Agosto, e logo após um início ao som do padre DJ, Guilherme Peixoto de dia às 07 da manhã, vimos um outro padre erguer um cartaz feito de um pedaço de caixa  de papelão que dizia “Os turistas exigem. Os peregrinos agradecem”.
Desde que terminou a Jornada Mundial da Juventude, que para vencer um certo “vazio” que passámos a sentir (tal foi a exigência física e emocional que vivemos), mantemos o nosso grupo de Whatsapp da Câmara Municipal de Lisboa a funcionar, onde vamos partilhando notícias que nos chegam neste período do pós evento.
A última das quais do relatório municipal produzido pela Unidade de Missão Municipal, e pelos serviços da edilidade,  que para além de apresentar em detalhe as contas – que ficaram um milhão de euros abaixo do orçamento – apresenta todos os planos sectoriais (Higiene Urbana, Espaços Verdes, Protecção Civil, Sapadores Bombeiros, Polícia Municipal, Obras e Manutenção, Acção Social, Cultura, Desporto, Contratação Pública, Comunicação, Finanças), que incorporaram à partida o verdadeiro desafio desta Jornada: Participar na sua organização, nunca esquecendo que a cidade e as suas actividades económicas, sociais,  serviços, e protecção civil, não poderiam parar.
Resta agora um capítulo muito importante de avaliação do impacto (financeiro e social) da Jornada no nosso país. Espero que possa ser feito com o rigor e seriedade que merece. Não esquecendo que a Jornada começou para muitos voluntários e peregrinos, muito antes do dia 01 de Agosto. Que não acabou a 06 de Agosto. Que não aconteceu só em Lisboa (uma semana antes do evento se iniciar, por todo o país existiam dezenas de milhares de peregrinos já alojados).
Que a sua avaliação não se faça pelo número de dormidas nos hotéis de cinco estrelas ou nos restaurantes com estrelas Michelin, e que finalmente essa avaliação, para além do olhar de curto e médio prazo, possa conter uma versão de longo prazo que considere o que  vai acontecer em Lisboa, e em muitas outras regiões do país,  em termos de visitantes e turistas até final do Verão de 2024.

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