Quase meio século volvido, o pensamento do Professor Manuel Antunes continua a ser de extrema actualidade, pelo que no dia 3 de Novembro foi lançada, em Lisboa, uma reedição desta obra, que pode ser considerada um “manual de mesa-de-cabeceira para políticos.”
Numa homenagem ao meu “saudoso Professor”, baseei o meu texto nas suas sábias e proféticas ideias e palavras, na certeza de que urge re-pensar a Democracia em Portugal.
A corrupção poderá ser definida como a utilização de posições de poder com o fim de obter benefícios ilegítimos, para si ou para terceiros. Este fenómeno compreende três ilícitos mais comuns: o peculato, o tráfico de influência e o abuso de poder.
A associação entre poder e corrupção é inevitável. O poder permite o controlo dos processos de tomada de decisão e eleva a capacidade de influência. Não faltam exemplos de líderes que utilizam o poder para resolver situações críticas e promover o sucesso de organizações, abundando também casos, de extrema gravidade, em que o seu abuso teve consequências trágicas.
O problema da corrupção regressa ao espaço público sempre que surgem casos suspeitos ou o debate político necessita de novos argumentos. Poucas vezes se tenta compreender o fenómeno na sua complexidade e as razões por que as tentativas de o erradicar têm falhado.
Investigações sobre a reciprocidade corrupta, mostram que a corrupção utiliza mecanismos básicos da vida social como a cooperação, a gratidão e a confiança. A cooperação tem uma vertente altruísta, cria laços emocionais e reforça a solidariedade, também está presente na corrupção. As relações corruptas implicam a colaboração das partes para atingir objectivos. Sabe-se que os comportamentos antiéticos são mais prováveis quando as pessoas que cooperam têm ganhos suplementares.
A retribuição de favores e actos de simpatia é estruturante da vida social. Quando se aceita uma vantagem tende-se a restabelecer o equilíbrio com um benefício de igual valor. Espera-se que ajudemos quem nos ajudou. Mas o princípio da reciprocidade também está presente na corrupção: pagar um benefício ilegítimo que se recebeu ou beneficiar o outro para receber uma vantagem. A proximidade familiar política ou a amizade podem igualmente encorajar discriminações positivas, mas inaceitáveis.
Para compreender o fenómeno da corrupção importa também rever a ideia de que os comportamentos corruptos resultam de decisões lógicas e calculistas, ditadas pela maximização da utilidade.
A corrupção só ocorre se os benefícios forem superiores aos custos esperados. Na verdade, as decisões humanas têm uma racionalidade limitada. Em contextos reais não conseguimos ponderar o custo/benefício de todas as opções possíveis. O esforço cognitivo exigido numa decisão complexa, esgotam a energia e reduzem o autocontrolo. É então que os mecanismos inconscientes e impulsivos, passam a controlar a decisão, facilitando a satisfação das necessidades mais imediatas e a cedência a tentações.
Outro mecanismo inconsciente que explica as reações surpreendentes de pessoas envolvidas em actos de corrupção, é a racionalização. Quando se lida com situações em que é possível ser desonesto, mesmo as pessoas mais honestas podem ceder. Quando isso acontece, gera-se uma dissonância ética entre o acto ilícito praticado e a imagem positiva que se quer manter de si próprio. Este conflito leva à procura de “justificações” para tornar o acto ilícito coerente com os princípios que se defendem. São estas “mentiras que se contam a si próprio” que explicam o facto de as pessoas envolvidas em actos de corrupção continuarem a verem-se como honestas, “sentir a consciência em paz”, fazendo a apologia da sua integridade. A racionalização leva ao descompromisso moral.
Em tempos de relativismo em que a Verdade está um pouco posta de lado, e em que a palavra de ordem é “liberdade”, sem atender ao seu reverso a “responsabilidade”, a liberdade deixa de ser um meio para atingir um fim político mais elevado. Ela é o fim político mais elevado. Não é para realizar uma boa administração pública que a liberdade é necessária, mas sim para assegurar a busca dos fins mais elevados da sociedade civil e da vida privada.
*«Uma outra ambiguidade do poder político reside, por um lado, na sua capacidade de verdade, de desmistificação de situações e de grupos de interesses demasiado humanos e, por outro lado, na sua capacidade, não menor, de mentira, de ilusão, de hipocrisia, capacidade esta, coberta e recoberta, não raro, com o manto da “ideologia” (…)
«”Todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”, escreveu um dia, com bom conhecimento de causa e algum humor, o historiador liberal inglês Lord Acton. Mas não é só o poder absoluto que corrompe absolutamente. É também o poder imbecil que não ousa ser poder. É também o poder que se demite da sua capacidade de conscientização para a concretização de uma ordem, de uma justiça e de uma liberdade necessárias à própria sobrevivência do Grei. É também o poder que, por si, em impressionante mutuamento, se elide na multiplicidade, diversidade e antagonismo dos seus órgãos, das suas funções e dos seus agentes. (…) Mas quando se trata do poder político é vê-los conceber e praticar as mais diversas e subtis – ou grosseiras – formas de mitos e de ritos, de “credos” e de “mandamentos”, de emblemas e de ajuntamentos, de símbolos e de reverências. (…)
De facto, com todas as imperfeições, que as possui sobretudo no domínio da eficácia, com todos os riscos da manipulação “inocente” e do cisionismo cíclico ou até radical, com todos os custos económicos que ele comporta, o modo democrático de legitimação é ainda de todos o mais digno dos seres humanos, racionais e livres, o mais corrigível nos seus abusos, ao mesmo tempo que o mais estável nas suas estruturas de fundo.
Exige preparação e cultura, cada vez mais preparação e cultura, à medida que as sociedades se vão complexificando, técnica e cientificamente, complexificando? Claro está que sim. Mas pelo facto de “ as coisas belas serem difíceis” não se devem deixar de tentar cedendo à inércia do mais cómodo. Porque esta, cedo ou tarde, termina por pagar-se caro. Tanto mais caro quanto maior e mais diuturno tiver sido o seu peso».
Quase meio século volvido, o pensamento do Professor Manuel Antunes continua a ser de extrema actualidade, pelo que no dia 3 de Novembro foi lançada, em Lisboa, uma reedição desta obra, que pode ser considerada um “manual de mesa-de-cabeceira para políticos.”
Numa homenagem ao meu “saudoso Professor”, baseei o meu texto nas suas sábias e proféticas ideias e palavras, na certeza de que urge re-pensar a Democracia em Portugal.
*“Repensar Portugal”, um conjunto de textos do Padre Jesuíta, Manuel Antunes, cuja primeira edição foi publicada em 1979, na revista Brotéria.


