Para este ano que mesmo agora começa penso que há uma escolha importante a fazer. Ou se faz planos exequíveis ou não se faz plano nenhum e é um “vamos ver no que isto vai dar”.
Todos nós já fizemos resoluções e traçámos objectivos, fomos para ginásios, prometemos fazer mais de isto ou menos daquilo.
Os fins de ano são momentos de retrospectiva, os últimos minutos antes da mudança numérica servem para criar aquela vistoria habitual em forma de revisão, vem depois o champagne e, siga a marinha, estamos no ano seguinte.
Das cinzas de ano passado, nascem as vontades de mudar as ineficácias ou metas que ficaram por alcançar, ou simplesmente traçar novas avenidas, actualizar propósitos, tentar algo novo. É essa romantização que um novo ano possibilita.
O problema é o trabalho que isso dá, a disciplina e a consistência que pede e a imprevisibilidade do devir. Estes são, muitas vezes, os inimigos das resoluções.
A vida mete-se pelo meio, as coisas mudam, prioridades aparecem e de repente aqueles primeiros momentos promissores são substituídos pela realidade que nenhum de nós controla.
Estava eu sentado no sofá, a contemplar o sabor do biscoito de manteiga cuja outra metade ainda tinha na mão, enquanto fazia a dita vistoria ao meu ano quase transacto.
Pensei que não fui paciente quanto baste, que devia ter sido melhor marido e pai, fui muito cínico e caustico, podia ter sido mais sociável, mais magro. A meio desta já autoflagelação, reparei que a minha análise começava sempre com um mais ou um menos, como que numa aritmética rumo a uma validação de um perfecionista julgador.
Num momento de maior lucidez lembrei-me que comecei 2023 com a minha mulher no hospital por conta de uma gravidez de risco que culminou no nascimento do meu segundo filho. Ou seja, fui pai outra vez. Começava um ano altamente desafiante em que a noção de casa limpa e mente sã transformou-se num rodopio constante em que não há tempo para nada e nós, como pais, fomos bombardeados com apenas uma constância, a impermanência.
Desisti de uma pós-graduação poucos dias depois do meu filho nascer, ou seja, fui forçado a escolher prioridades logo em janeiro. Não fiz tanto exercício como sinto que devia.
Obtive a minha carteira profissional de jornalista, iniciei uma coluna sobre saúde mental para quebrar barreiras, a começar com a minha.
Tirei a carta de mota cujo processo foi bastante complicado e ainda tive tempo para apanhar Covid e ficar de cama nuns dias absolutamente horríveis.
Estive mais vezes com a minha família, senti-me mais próximo dos meus pais, consegui arrumar algumas gavetas emocionais e fazer alguma paz com algum passado.
Planeei isto? Nem pensar, aliás nem me lembro do que pensei no começo do ano passado. Só sei que estou extremamente cansado. Exausto é melhor palavra.
Foi um ano com durezas, mas não me foi um ano duro. Pronto, isto foi 2023.
Para este ano que mesmo agora começa penso que há uma escolha importante a fazer. Ou se faz planos exequíveis ou não se faz plano nenhum e é um “vamos ver no que isto vai dar”
Claro que tenho desejos, a começar na paz mundial, no diálogo, na procura de consensos, na empatia e no que a mim me toca tentarei ter comportamentos adequados a essas vontades.
Porém, são as surpresas de um futuro próximo a acontecer a qualquer momento, que ditarão o impacto que uma outra volta ao sol irá trazer.
Por isso, acima de qualquer resolução, eu apenas sugiro mais uns clichês. Não nos levemos a sério se o entusiasmo inicial se desvanecer, porque a consequência disso é o aparecimento da sensação de culpa. Falemos sobre a nossa saúde mental e tentemos o mais difícil, não viver dentro das nossas cabeças, envoltos em planos enquanto a vida acontece.
Bom ano!


