Yes, we can  ou os Cansados da Vida?

Susana Mexia

O livro A Sociedade do Cansaço ( Relógio de Água, 2014) de Byung-Chul Han ( 1959), uma das mais inovadoras vozes filosóficas surgidas na Alemanha, tem como ponto de partida a constatação relativamente comum para o problema das relações entre a sociedade e o sofrimento psíquico, considerando que cada época tem suas enfermidades e as suas doenças características.

Houve uma época bacteriana, que terminou com a descoberta dos antibióticos; uma época viral, ultrapassada através de técnicas imunológicas, apesar dos periódicos receios de uma pandemia gripal. O início do século XXI, do ponto de vista patológico, seria sobretudo uma época neuronal.

Dado que os sofrimentos psíquicos são compreendidos nos dias actuais sobretudo como desvios neuroquímicos, para o autor do livro a nossa época apresenta-se como uma “violência neuronal.

O slogan do ‘eu consigo’ e do ‘yes, we can’ tem gerado um aumento significativo de doenças como a depressão, os transtornos de personalidade, síndromes como hiperatividade e burnout, alterações fisiológicos do sistema nervoso, considerados pelo autor numa relação directa com o modo operatório do capitalismo contemporâneo.

Byung-Chul Han mostra que a sociedade disciplinar e repressora do século XX descrita por Michel Foucault no seu livro “Vigiar e Punir”, deu lugar a uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal. As pessoas excedem-se cada vez mais para apresentar resultados, tornando-se elas mesmas vigilantes e carrascos das suas acções. Numa época em que poderíamos trabalhar menos e ganhar mais, a ideologia da positividade faz uma inversão perversa, submetendo-nos a trabalhar mais e a receber menos.

A Sociedade do Cansaço  transcende o campo filosófico, pretende ajudar educadores, psiquiatras, psicólogos e gestores a compreender os novos problemas do século XXI, o aspecto tenebroso da valorização de indivíduos inquietos e hiperativos que se arrastam no quotidiano produtivo realizando múltiplas tarefas. Ou seja, a autossuperação postulada em yes, we can é capaz de extrair toda a potência e eficácia insuspeitas ao próprio sujeito, ainda que o custo da autossuperação possa ser a autossupressão.

Para criticar o excesso de positividade da nossa época, Byung-Chul Han evoca Nietzsche, mostrando assim que o estado actual da sociedade nada mais é do que o desenvolvimento da modernidade ocidental decadente. Por falta de repouso, afirma o filósofo alemão em 1878, “a nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os activos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Influenciado por Nietzsche, Byung-Chul Han considera a hiperatividade contemporânea como uma espécie de esgotamento espiritual dos nossos dias e recusando o tédio – que constitui o ponto alto do descanso espiritual –, o indivíduo afunda-se, inquieto, no seu desempenho.

O sujeito do desempenho contemporâneo experimenta uma contradictio in adjecto: a liberdade coercitiva. Daí a ideia de que “o sujeito de desempenho pós-moderno não está submisso a ninguém”, excepto a si próprio. Esta auto-coação força o homem a produzir cada vez mais, pelo que jamais alcançará um ponto de repouso e de gratificação. Vive constantemente num sentimento de carência e de culpa. E, em última instância, como está concorrendo consigo mesmo, procura superar-se até sucumbir.

A destruição do sujeito de desempenho é veiculada não apenas por discursos empresariais ( management ) e mensagens da indústria cultural, mas também por discursos institucionais de promoção da saúde e do bem-estar, a tão apregoada “autorrealização” que conduz o indivíduo à autodestruição. Eis a lógica paradoxal da “liberdade” numa sociedade pós-disciplinar que absolutiza o desempenho e a produção. “O excesso de trabalho e de desempenho transforma-se numa autoexploração. As doenças psíquicas da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal”.

Numa sociedade que produz “perdedores” em série, o depressivo é o sujeito que está cansado, esgotado de lutar consigo próprio. Desgasta-se correndo numa roda de hamster que gira cada vez mais rápida ao redor de si mesma.

Na cultura ocidental contemporânea, na qual impera o regime de trabalho non-stop , também se deprecia o sono considerando-o um entrave à produtividade e ao desempenho que se apresenta como a única dimensão existencial ainda não colonizada pelo capitalismo. Motivo pelo qual existem projectos científicos, tecnológicos e laboratoriais cujo objetivo consiste em reduzir o sono como uma necessidade ou até mesmo eliminá-lo.

«A vida cultural da humanidade, na qual se inclui também a actividade filosófica, só é possível e só se desenvolve quando existe uma atenção profunda e contemplativa. A cultura pressupõe um espaço propiciador de atenção profunda, qual tem sido cada vez mais suplantada por um tipo de atenção completamente diferente – a hiperatenção. Esta atenção dispersa ou distraída é caracterizada pela mudança brusca do foco da questão, pela alternância constante de tarefas, fontes de informação e processos. Uma vez que a sua tolerância ao tédio é bastante limitada, acaba por não deixar igualmente muito espaço livre àquele tédio profundo propiciador do processo criativo. É precisamente este tédio profundo que Walter Benjamin descreve como “a ave do sonho que choca o ovo da experiência”. Se o sono é o clímax da descontração física, o tédio profundo é o ponto alto da descontração espiritual. O frenesim não gera nada de novo por si, limitando-se a reproduzir e a acelerar o que já existe».

Byung-Chul Han, nasceu em Seul em 1959, na Coreia do Sul, mas emigrou para a Alemanha. Estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique. Em 1994, doutorou-se naquela universidade com uma tese sobre Martin Heidegger. Actualmente é professor de Filosofia na Universidade das Artes de Berlim, depois de ter ensinado Filosofia e Teoria dos Meios de Comunicação na Escola Superior de Desenho de Karlsruhe.

A Sociedade do Cansaço, uma breve reflexão para compreendermos melhor o modo de funcionamento da sociedade capitalista contemporânea. De forma mais específica, este livro é uma contribuição a ser explorada por sociólogos e pesquisadores que estudam a relação entre sociedade e o sofrimento psíquico, na medida em que associa, de forma inequívoca, autorrealização e autodestruição numa configuração social com tendência a normalizar o desequilíbrio, o patológico, o excesso que tende a degradar a dignidade humana do trabalhador e, em consequência, o equilíbrio da vida familiar.

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Nuno Lumbrales,
Advogado

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