É só um exemplo da exploração dos medos versus as necessidades reais apoiadas pelos números que, ao crescerem apenas normalizam estas situações e as tornam pouco sexys, a um eleitorado facilmente manipulável.
Recentemente, numa intervenção de campanha pelo seu partido, Passos Coelho veio sugerir que há uma “sensação de insegurança” por parte dos portugueses em relação à emigração corrente.
Pegando nas temáticas habitualmente utilizadas pelos partidos extremistas como é o caso francês, italiano, brasileiro, britânico e no caso português, o partido chefiado pelo ex-seminarista André Ventura, parece clara a intenção do ex-primeiro-ministro de apelar ao voto mais ao centro-direita apelando ao também ex-eleitorado que se vê agora representado nas narrativas populistas de direita.
Qual é o problema desta intervenção? Fácil, é baseada em nada. Não tem qualquer suporte estatístico e apena serve para criar uma percepção baseada na recriação do Outro, do mau, do culpado, daquele cuja presença representa uma ameaça.
No contexto pessoal das nossas vidas estas percepções geram já em si uma narrativa errónea, consubstanciada quer nas nossas necessidades projetivas, quer no encapsulamento de toda uma pessoa através do funil muito estreito de um qualquer post de rede social. Isso já é mau.
No contexto político isso devia ser inaceitável. Esta ideia de criar pânicos morais numa tónica de narrar um problema, provocar uma reação e mostrar-se como a solução para angariar votos, é triste, mas sintomática dos nossos dias.
Passos Coelho na realidade não vem inventar nada, vem apenas regurgitar mecanismos que geram emoções a pessoas que nunca se irão dar ao trabalho de ir verificar que não existe correlação nenhuma entre emigração e crime.
Veja-se por exemplo o mecanismo emocional da pedofilia. Esta que era uma bandeira de Ventura, também ela sem suporte real, desapareceu dos seus discursos inflamatórios e polémicos. Talvez terá que ver com o facto, esse sim, de um comportamento de agressão sexual, feito e abafado por vários membros da igreja católica. A esse facto, não se viu discurso, nem fleuma.
Por outro lado, este mesmo mecanismo emocional podia ser útil, caso se virasse para factos como os crimes de violência doméstica e desigualdades salariais baseadas apenas no género. Mais que discursos inflamados, onde estão as soluções para estes casos endémicos na sociedade portuguesa?
É só um exemplo da exploração dos medos versus as necessidades reais apoiadas pelos números que, ao crescerem apenas normalizam estas situações e as tornam pouco sexys, a um eleitorado facilmente manipulável.
É preciso honradez e deontologia na vida e na política. Não vale tudo para ganhar. Mentir ou manipular a opinião pública devia ser requisito para escrutínio e cancelamento, mas não é assim.
Somos todos culpados e alguns dos nossos políticos são um reflexo das nossas tendências e já não um exemplo de liderança ou carácter. Não deixa de ser irónico que são as chefias fracas que criam histéricos populistas, e estes engrandecem às custas dos “falhanços” dos moderados.
Porém a solução não pode ser adoção do discurso manipulador, porque então, onde se traça a linha entre a verdade dos factos e a sede de poder?
Quem perde com isto? Todos nós também.
Uma imprensa que não questiona, habitua os leitores a uma preguiça cognitiva e conceptual, e cria um eleitorado desinformado que vive de figuras políticas que todos os dias alimentam a fome emocional e criam perceções marketizaveis.
O PSD como partido histórico tem o dever de se pautar pela seriedade que dele é esperado. Esta intervenção de um seu ex-líder é vergonhosa e representa uma nódoa ideológica e a normalização do pânico moral.