O que é que não nos deixa dormir à noite?

José Padrão Mendes, Médico Neurologista, Médico Intensivista, com especial interesse na Patologia Cardiovascular, Neuropsiquiatria.

Segundo a OCDE, somos o segundo país do Mundo, só mesmo atrás do Uruguai que mais toma Zolpidem per capita. Zolpidem é um medicamento ansiolítico, com fortes efeitos hipnóticos que, normalmente, é prescrito para tratar insónias durante um curto período de tempo.

Mas será que em Portugal se dorme pior? Porque têm os portugueses tantas insónias? A questão é: qual a causa das Insónias?

Realmente, o maior problema não é tanto a falta de sono, que em realidade é uma consequência do estado de ansiedade e de depressão da população. A medicação para as insónias é normalmente administrada como adjuvante na terapia da ansiedade e da depressão. Já sendo Portugal também o segundo país do mundo que mais antidepressivos toma per capita, seria quase normal que também tivesse no topo no que toca a medicamentos hipnóticos.

A causa principal deste exagero de prescrição de medicamentos para a depressão e ansiedade está no facto de o nosso SNS não estar de maneira alguma preparado para tratar a atual epidemia de doença mental. Não existem profissionais saúde, nem infraestruturas suficientes no SNS para tratar o número cada vez maior de pessoas que sofre de algum tipo de doença mental.

Uma das principais razões que leva à prescrição deste tipo de medicamentos é o diagnóstico tardio de doença mental. Numa fase precoce da doença, pode-se através de psicoterapia e mudança de hábitos muitas vezes interromper a evolução da doença e assim, prevenir o uso de medicamentos. Mas muitas vezes as pessoas pedem ajuda já numa fase avançada da doença e pior, a possibilidade de ter um seguimento psicoterapêutico é reduzida, devido ao pouco número de psicólogos no SNS e ao preço elevado de um psicólogo no privado.

Assim sendo, o mais fácil e rápido (que não o mais recomendado e nem de longe o mais eficaz) é prescrever medicação ansiolítica, hipnótica e antidepressiva. Mas ainda temos a agravante, que muitas vezes, este tipo de medicação é prescrito por médicos que não são especialistas em psiquiatria ou neurologia, e os doentes tomam esta medicação sem a devida monitorização e seguimento.

Este tipo de medicamentos, principalmente os ansiolíticos como o Zolpidem, o Lorazepam ou o Bromazepam, provocam dependência sendo muitas vezes com o tempo, impossível adormecer sem tomar este tipo de medicamentos. Os ansiolíticos devem ser apenas tomados durante um curto período de tempo (normalmente não mais que 3 ou 4 semanas) e têm uma contraindicação relativa em pessoas mais velhas devido ao risco de quedas.

O que também me preocupou na notícia e não foi tão publicitado pelos mass media, foi a constatação que o uso de Cetamina em Portugal foi o que mais aumentou nos países da OCDE.

Ora a Cetamina é um anestésico com efeitos dissociativos (é este efeito que se procura quando se utiliza a Cetamina no tratamento da depressão, o efeito dissociativo é o que se conhece coloquialmente como  trip, é o efeito secundário de ter a sensação de estar desconectado do próprio corpo, de ter alucinações, sentir como se estivesse sonhando, entre outras sensações)  que se utiliza como terapia de último recurso no tratamento da depressão grave refratária ao tratamento habitual. Muitas vezes estes doentes têm pensamentos suicidas, com risco sério para a vida do doente, e assim o uso deste medicamento é mesmo o último recurso.

Mas há que ter muito cuidado com o uso deste medicamento, pois é também uma droga de abuso com um longo historial de abuso nos EUA e na Europa.

Assim, o que reflete este tipo de notícias é que vivemos numa sociedade doente e que, infelizmente, não tem o apoio necessário.

Para o tratamento da ansiedade e da depressão existem diversas abordagens terapêuticas, sendo a abordagem farmacológica uma entre muitas.

Uma das abordagens mais eficazes é mesmo a psicoterapia, porque além de ser tão eficaz no tratamento agudo da doença como a terapia farmacológica, é a que tem melhores resultados a longo prazo.

Nos últimos anos temos assistido ao aumento do diagnóstico de doenças mentais, sendo as principais a depressão e a ansiedade. E com esse aumento do diagnóstico, também a procura por tratamento tem aumentado. Assim, há novas métodos de tratamento não farmacológicos sem risco de adição e dependência.

Nos últimos anos tem vindo a ser cada vez mais aplicada a terapia de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT). Este tipo de terapia, através da estimulação do córtex cerebral com impulsos magnéticos tem demonstrado bons resultados na terapia da ansiedade e da depressão, com novos estudos a serem efetuados para a terapia de outras doenças neurológicas e psiquiátricas como a enxaqueca, a esquizofrenia ou mesmo as doenças degenerativas como a demência de  Alzheimer e a doença de Parkinson.

Por isso, há muitas alternativas, e muitas delas tão ou mais eficazes que a terapia farmacológica, mas muitas vezes por desconhecimento ou falta de tempo e principalmente falta de recursos, há um exagero na terapia farmacológica.

Vivemos uma epidemia de doença mental, as pessoas têm de estar informadas e saber como lidar da melhor maneira com o seu problema.

Mas há boas notícias, desde 2021 que o consumo de antidepressivos e ansiolíticos tem vindo a diminuir. Se as pessoas tomarem consciência, e houver mais informação, assim como uma diminuição do estigma da doença mental, com certeza que a sobre medicação vai diminuir e o tratamento e prevenção da doença mental será mais eficaz.

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