A figura “controversa” e “visionária” de Luís Villas-Boas no fim do Estado Novo

Marta Roque

O livro “O pai do jazz em Portugal”, de João Moreira dos Santos, abrange um período de quase 50 anos, desde o ano da fundação do Hot Clube de Portugal em 1948 até 1994. Revela a politização que o jazz conheceu no final do Estado Novo, através de Luís Villas-Boas. Principalmente com o incidente que Charlie Haden protagonizou em 1971, durante a primeira edição do Cascais Jazz – e no Período Revolucionário em Curso (PREC).

A obra “O pai do jazz em Portugal”, do comunicador e especialista de jazz João Moreira Santos, com edição da Avenida da Liberdade Editores, foi lançado em março, no CCB, em cima das comemorações do 50.º aniversário da revolução de 25 de Abril de 1974.

A narrativa biográfica reúne 70 entrevistas à imprensa, rádio e televisão, acompanha a evolução do seu pensamento e ação ao longo de quase 50 anos, um período que se estende de 1948, ano da fundação do Hot Clube de Portugal, até 1994, quando Villas-Boas, já septuagenário, evidenciava claros sinais da doença de Alzheimer, bem como o percurso do jazz no Portugal do século XX.

Para João Moreira Santos, Luís Villas-Boas é “uma figura controversa, polémica, intrépida, frontal e diversa”. O livro ilustra as múltiplas facetas como empreendedor, produtor e divulgador. “Por vezes, assoma, até, o homem amargurado em face das muitas contrariedades com que se debateu e dos insultos que lhe dirigiram por ousar afirmar a diferença num país que ainda se revia somente na unicidade. “

O livro revela a politização que o jazz conheceu no final do Estado Novo, através de Luís Villas-Boas. Principalmente com o incidente que Charlie Haden protagonizou em 1971 durante a primeira edição do Cascais Jazz – e no Período Revolucionário em Curso (PREC).

O contrabaixista Charlie Haden atuou pela primeira vez em Portugal, no primeiro Cascais Jazz, a 20 de novembro de 1971. Foi com Coleman que se apresentou no primeiro Cascais Jazz, o festival organizado por Luís Villas-Boas, com colaboração de João Braga, fadista, e Hugo Lourenço.

A vinda a Portugal, inicialmente, não seduzia Haden, mas a possibilidade de um protesto, em Cascais, em plena ditadura, decidiu a sua presença no país. Tendo saudado os movimentos de libertação de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Moçambique, a quem dedicou a interpretação de “Song for Che”, que compôs. No dia seguinte, Haden foi impedido de viajar. Detido pela PIDE, a polícia política da ditadura, foi levado à prisão e interrogado. Acabaria em liberdade, após intervenção do adido cultural dos Estados Unidos em Lisboa.

A biografia documenta, principalmente, órgãos de comunicação social nacionais. As entrevistas têm como autores algumas das maiores figuras do jornalismo e dos media, incluindo António José Teixeira, António Macedo, Carlos Vaz Marques, Manuel Gonçalves da Silva, João David Nunes, José Nuno Martins, Jacinto Baptista, Fernando Cascais, João Martins, Orlando Dias Agudo, José Fialho Gouveia e Pedro Castelo, mas também divulgadores por excelência do jazz, de Pozal Domingues a  José Carlos Monteiro Costa, Paulo Gil, Manuel Jorge Veloso e Rui Eduardo Paes.

Luís Villas-Boas nasceu em Lisboa a 26 de Março de 1924, numa família com fortes tradições musicais. Iniciou os estudos de música aos seis anos, na Academia de Amadores de Música, em Lisboa, vindo mais tarde a frequentar o Conservatório Nacional. O seu interesse pelo jazz surgiria na adolescência e acompanhá-lo-ia ao longo da vida.

Visionário, pioneiro e consensual para uns, polémico para outros, a ele se devem a criação do programa de rádio Hot Club, transmitido entre 1945 e 1969, a organização das primeiras jam-sessions, a autoria dos primeiros artigos de imprensa informados, a fundação das primeiras instituições jazzísticas nacionais – Hot Clube de Portugal, Discostudio e Luisiana Jazz Club –, e a produção dos primeiros grandes concertos: Sidney Bechet, 1955; Count Basie, 1956; Bill Coleman, 1959. Empenhou-se na divulgação televisiva do jazz e nos primeiros esboços de internacionalização de um músico e de um grupo de jazz nacional e promoveu o encontro discográfico entre o fado de Amália Rodrigues e o jazz de Don Byas.

Devemos a Luis Villas-Boas a produção do primeiro grande festival – Cascais Jazz, 1971-1988 – bem como a angariação dos primeiros patrocínios para espectáculos. Teve um papel decisivo na promoção do ensino, criando condições para a fundação das escolas do Hot Clube de Portugal – onde se têm formado as sucessivas gerações de músicos que mantêm vivo o jazz –, e do Luisiana. Teria ainda, juntamente com Duarte Mendonça, os seus próprios programas de jazz – Aqui Jazz (1978-1979), Jazz Magazine (1978-1979), Club de Jazz (1982-1985) e Jazz para Todos (1986).

Autor e especialista de jazz

João Moreira dos Santos, autor do livro “O pai do jazz em Portugal”, com doutoramento em Ciências da Licenciado em Comunicação pelo ISCTE, é natural de Lisboa, com uma carreira de mais de trinta anos na área da comunicação, como docente universitário e diretor em gabinetes ministeriais e em empresas multinacionais, nomeadamente a ABB e a Ericsson. É desde 2022 vice-presidente e diretor de comunicação da Égide – Associação Portuguesa das Artes.

É autor de dez livros sobre a história do jazz em Portugal. Movimento Filarmónico no concelho do Montijo, edições colibri (2016), Roteiro do jazz, da Casa Sassetti (2012), Jazz em Cascais, da Casa Sassetti (2009), Jazz na Terceira – 80 anos de história (2008), Jazz segundo Villas Boas, da Assírio &Alvim (2007) são alguns dos livros que escreveu sobre jazz.

Estas obras estão representadas nas colecções da Library of Congress, New York Public Library, British Library, Bibliothèque Nationale de France e das  universidades de Harvard, Yale, Princeton e Columbia.

É também autor do programa radiofónico diário «Jazz a Dois» (Antena 2), o qual soma mais de 2500 episódios emitidos e foi distinguido em 2018 pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) como «Melhor programa de rádio».

Na imprensa, colabora há trinta anos em periódicos com o Expresso, Visão História, Blitz, A Capital, Jornal de Letras, etc. Em 2003, fundou o blogue «Jazz no País do Improviso!» Em televisão, participou, como convidado, em três documentários exibidos na RTP2: «A Tensão Jazz» (2010), «Estética», «Propaganda e Utopia no Portugal de António Ferro» (2012) e «Luís Villas-Boas: A Última Viagem» (2024).

Tem concebido e produzido vários musicais (Teatro da Trindade), diversas exposições (Biblioteca Nacional, Centro Cultural de Cascais, Assembleia da República), cursos, roteiros culturais (Centro Nacional de Cultura, Banco de Portugal, Câmara Municipal de Cascais) e documentários.

Criou e produziu festivais e ciclos de referência, incluindo o Allgarve Jazz (Herbie Hancock, Chick Corea, Dee Dee Bridgewater, Gary Burtom, The Manhattan Transfer, entre outros) e o Dose Dupla (CCB), tendo o seu programa de divulgação do primeiro Dia Internacional do Jazz (2012) sido reconhecido internacionalmente pela UNESCO.

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