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A Culpa é dos meus Pais!

Alexandra Tavares de Moura Ex-deputada à assembleia da república e secretária nacional paras as Mulheres Socialistas - Igualdade e Direitos

Lembro-me bem do medo latente nos primeiros anos em que a família se reunia para saber qual era o futuro do nosso país. Pairava no ar um sentimento de que qualquer coisa podia deixar de ser segura. Era a Liberdade.

São os anos de envolvimento na causa pública, os anos de dedicação à sociedade civil e política que fazem do 25 de abril uma data, cada vez mais importante para mim, mas também, uma enorme festa. Costumo dizer que a culpa é dos meus pais (convenhamos, temos que os culpar sempre de alguma coisa). Era miúda. Tinha 5 anos no dia em que a agitação, a correria e o nervosismo se espalhou lá por casa. E foi nesse dia que, com a inquietação e medo presentes, também na correria dos meus pais com beijos pelo meio, percebi que qualquer coisa se passava. Lembro-me como se fosse hoje.

O tempo foi passando e fui percebendo que os meus pais tinham estado envolvidos como dirigentes da associação de estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa nas lutas académicas de 1960/61, e que esse facto, entre outros, fez deles alvos de perseguição.

O meu pai foi preso pela PIDE, a polícia do regime do Estado Novo, em janeiro de 1965, no chamado “Grupo dos 31”. Diz o registo prisional que foi preso por atividades contra a segurança do Estado, tendo recolhido à cadeia do Aljube.

Bibliografia de José Manuel Tavares de Moura na prisão de Caxias

Como só podiam assistir aos julgamentos os familiares em primeiro grau, o meu pai resolveu pedir a minha mãe em casamento. E só mesmo porque se acredita muito nas causas pelas quais se luta é que a resposta só podia ser uma: SIM. Casaram em Caxias, no Reduto Sul.

É engraçado como tão nova que era e me lembro tão bem da participação nas primeiras manifestações na alameda, entre as cavalitas do meu pai e do meu tio. Cresci num ambiente em que podia perguntar e em que havia sempre resposta para as minhas dúvidas.

Cresci num ambiente em que o telejornal era discutido à hora do jantar. Cresci a assistir às noites eleitorais que nunca mais acabavam e que às 6h da manhã os resultados eram, ainda, provisórios, e era nestes momentos que me deliciava na sala a observar o que diziam, as reações que iam tendo. Lembro-me bem do medo latente nos primeiros anos em que a família se reunia para saber qual era o futuro do nosso país. Pairava no ar um sentimento de que qualquer coisa podia deixar de ser segura. Era a Liberdade.

Cedo aprendi que a liberdade tinha que ser cuidada como uma planta frágil a pedir proteção e respeito, carinho e determinação, na sua permanente defesa, porque nunca nada do que foi adquirido está definitivamente garantido, pois há quem dela se queira usar para atingir fins contrários. Falo dos Direitos. Dos Direitos das Mulheres. Dos Direitos Humanos.

Não foi assim há tanto tempo que o voto não era para todos e todas. Foi, só, na Constituição da República Portuguesa votada a 2 de abril de 76 que se consagrou o princípio da igualdade e que se estabeleceu que o Estado a deve promover bem como a participação direta e ativa de homens e mulheres na vida política como condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático. Não foi assim há tanto tempo que a taxa de escolaridade era muito baixa. Éramos um país onde não se podia ler. Não se podia conversar. Onde os artistas não tinham direito a expressar-se. Qual livre pensamento?

E é por isso que depois destes 50 anos, que nos permitiram descolonizar e devolver dignidade às colónias tão teimosamente mantidas pelo estado novo; que nos permitiram construir um regime em que a escolha é de cada um de nós; que nos garantiram o início de um caminho de igualdade que, hoje, 50 anos depois, lá vou eu outra vez, descer a Avenida da Liberdade, desta vez sem ser às cavalitas do meu pai e do meu tio, mas com a mesma alegria, com a mesma convicção, com a mesma certeza de que a minha participação contribui para a democracia em que quero viver e que quero cuidar para que os meus filhos e os meus netos a possam, também viver! Viva a Democracia! Viva a Liberdade!”

25 de abril de 2024

 

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