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Ir além de abril

Lina Lopes, ex-Deputada da Nação

É agradável podermos dizer aos filhos e netos que, graças ao 25 de abril, eles têm o privilégio de viver em liberdade e democracia, mas é frustrante termos de acrescentar: … sem casa, sem salário digno, sem condições para formar família, sem reforma digna.

Quem, como eu, despertou para a vida política com a vivência do 25 de abril de 1974 não pode deixar de aproveitar as comemorações desta data para refletir sobre o legado que a sociedade que brotou da revolução dos cravos vai deixar aos seus filhos e aos seus netos.

Os objetivos dos capitães de abril, inscritos no seu Programa do Movimento das Forças Armadas, podem ser sintetizados em três palavras – Descolonização, Democratização e Desenvolvimento – os célebres três “D”s de abril. Os dois primeiros estão entregues aos manuais da história.

O “reconhecimento de que a solução das guerras no Ultramar é política, e não militar” abriu caminho ao processo de descolonização, que, apesar de ainda hoje suscitar as mais variadas reações e apreciações, está irreversivelmente encerrado.

Por outro lado, a promessa – concretizada – da convocação de “uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal e secreto” permitiu resolver o problema da transição para um regime democrático. E assim, apesar de todas as atribulações vividas nos anos seguintes, a descolonização e a democratização foram cumpridas em poucos anos, e Portugal, de um país colonialista e ditatorial, passou a ser um país “normal” no contexto europeu.

A fim de cumprir o terceiro “D” – o Desenvolvimento – o Programa dos capitães de abril advogava uma “nova política económica” e uma “nova política social”, tendo em vista apoiar as “camadas da população até agora mais desfavorecidas” e o “aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade de vida dos Portugueses”.

Ora, se os dois primeiros “D”s puderam ser alcançados no essencial através da negociação e ação políticas, o terceiro “D” exigiu outro tipo de recursos. E não há dúvida que o país soube obtê-los. É inquestionável que Portugal deu um salto gigantesco no seu nível de desenvolvimento. Ultrapassou o analfabetismo crónico, a mortalidade infantil elevada, a desigualdade extrema entre homens e mulheres, o acesso restrito à saúde, às reformas, ao saneamento, etc., etc.

Mas o ímpeto transformador acabou por esmorecer e o país não criou as condições para sustentar o seu desenvolvimento numa economia moderna e competitiva. Ao invés, enveredou pelo endividamento crónico, pela dependência externa, pela burocracia anquilosante, pela ineficiência judicial e outras tantas insuficiências, as quais, no seu conjunto, criaram um intrincado de obstáculos e custos ao funcionamento da sociedade. E que, em última análise, puseram em causa o tal “aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade de vida dos Portugueses” prometido no Programa do MFA.

É agradável podermos dizer aos filhos e netos que, graças ao 25 de abril, eles têm o privilégio de viver em liberdade e democracia, mas é frustrante termos de acrescentar: … sem casa, sem salário digno, sem condições para formar família, sem reforma digna. A este propósito, recordo que, segundo o Ageing Report 2024 da Comissão Europeia, se continuarmos no caminho atual, alguém que esteja hoje na faixa sub-40 só poderá contar com uma reforma que rondará os 38% do salário média à data da reforma. Ora isto não é algo que se goste de dizer aos descendentes.

Por isso, comemoremos o 25 de abril, sim, mas enfatizemos que muito mais há a fazer. O país tem de se dotar de uma economia dinâmica e pujante que sustente o progresso da sociedade e o aumento da qualidade de vida que todos os portugueses almejam. Temos de ir além de abril.

 

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